Ad baculum

  1. É conhecido o discurso recorrente, em períodos eleitorais, nos sermões de algumas igrejas católicas, sobretudo (mas não só) rurais. Apela-se ao “voto consciente”, em partidos que defendam “a religião” – em versão mais “sofisticada”, que defendam os ideais e os valores que a Igreja apregoa.

Há algo de errado nisto?

  1. Penso que há. Em primeiro lugar, o fingimento da atitude: nunca se ouvindo nomear qualquer partido, todos os ouvintes (começando pelo pregador) sabem qual o partido (eventualmente, os dois partidos) em que o pregador está a pensar.

Depois, o discurso falacioso. Conforme os casos, poderiam sublinhar-se várias falácias; mas penso que em todos eles estão presentes (mais ou menos subtilmente) duas, muito próximas: o argumentum ad consequentiam e o argumentum ad baculum – ou, traduzindo as expressões latinas, o apelo às consequências e o apelo à força.

  1. Num argumento por (de apelo à) consequência, pretende-se que uma crença é verdadeira ou falsa em função das consequências agradáveis ou desagradáveis que resultam dela. Nos apelos à força, ameaçam-se os ouvintes com as consequências desagradáveis que resultam da defesa da tese contrária: não ganhando o Partido P, seremos atingidos por todos os males que se sabem – os que nos traz o socialismo ou, ainda piores, o comunismo.

Onde se situa o caráter falacioso de tais apelos? No facto de o papão ameaçador não ser real: nenhum partido concorrente às eleições põe em causa as crenças ou as práticas religiosas dos eleitores.

  1. Referindo-se às próximas eleições gregas (e pensando na possível vitória da chamada extrema-esquerda), o discurso dos dirigentes europeus de Bruxelas e de instituições para-bruxelares está a ser idêntico ao dos sermões das igrejas católicas.

Sejam exemplo as ameaças pouco veladas (menos veladas do que as de Christine Lagarde, do FMI) do presidente da Comissão Europeia:

É importante que os cidadãos gregos tomem as suas decisões completamente informados das suas consequências. Respeitaremos a decisão democrática do povo grego, mas todos devem estar alerta que […] as decisões democráticas da zona euro devem ser tidas em conta”.

Sem jamais indicar (explicitamente) o sentido de voto, Durão Barroso “limita-se” a lembrar que a situação atual de Atenas “pede muito aos cidadãos gregos”, advertindo que “qualquer outra alternativa” diferente da austeridade será “muito mais dolorosa e difícil” para a população: nem todas as soluções dão “acesso ao dinheiro”.

É claro que, como afirma Durão Barroso, resultados indesejados (por Bruxelas/troika) podem influenciar as dores e as dificuldades do povo grego. Mas resultados desejados, também. Mais: os resultados indesejados influenciam dores e dificuldades de outros “povos”: a saída da Grécia do euro teria consequências para Portugal, Espanha, Itália e outros países, EUA incluídos (dizem agências de “rating”); só aos “contribuintes franceses”, custará 50 mil milhões de euros… Esconder que isto pode alterar decisões é fazer análise falaciosa.

  1. É claro (?) também que se respeita a liberdade de voto do povo grego. Mas, dizem as sondagens, a tendência de voto entretanto alterou-se: a vitória passou-se de partidos que rejeitam o acordo com a troika para os partidos que o apoiam. Os autores destes sermões sabem da sua eficácia. Da eficácia das ameaças.

 

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