André Barata gosta de pensar. De preferência em nada. E gostaria também que a filosofia viesse mais para a rua; mas tem estado muito frio. Tem um caso sério com o existencialismo, e um flirt antigo com a teoria política. Como há mais coisas no céu e na terra do que as que sonha a sua filosofia, escreve sobre atualidade política “No Reino da Dinamarca“.
Baú:
O navio onde viajas tem carga a mais. A ti, coube-te lançar à água dois dos 3 livros que levas (um de filosofia, um de música e um romance).
André Barata:
assumindo que teria feito uma escolha criteriosa e que todos os três se equivaleriam em qualidade, ou teria a leitura de um deles muito menos adiantada do que a dos restantes, livrando-me então destes, ou, se não, o mais provável seria atirar todos os três borda fora assegurando-me os menores sentimentos de culpa. Até porque poderia dedicar o resto da viagem à conversa. Consta que as palavras só pesam mesmo quando ficam escritas em algum lado.
B:
Lançados os livros, ficaste com três objetos: o livro, um dvd com o teu filme preferido e um leitor de mp3 com uma coleção dos teus top musicais. Um deles também tem de ir para o fundo do mar.
AB:
Se não for muito abuso, depois de me ter livrado de três livros considerar-me-ia dispensado desta segunda obrigação! Mas se o importante for mesmo saber o que valorizo mais, então talvez dispensasse novamente o terceiro livro. Tenho muito mais livros do que dvds, e a verdade é que um dvd pode trazer lá dentro o meu livro preferido, e se for um dvd com o meu filme preferido, então não resta dúvida nenhuma que será esse o caso. Parece-me uma escolha racional, até porque os dvds costumam pesar menos do que os livros. Quanto ao leitor de mp3, nada feito. Se ele tivesse que ir ao fundo, mais valia ir também eu por arrasto. Não consigo alinhar dois pensamentos se não tiver um ritmo a soar-me nos ouvidos. Espero que percebam: é que eu defendo que a melhor metáfora para a consciência é a ressonância!
B:
No dia dos namorados, recebeste um cheque-prenda para comprar um cd. Escolhe.
AB:
Razões inconfessáveis inclinam-me por regra a trocar o valor do cheque-prenda por um livro e não por um cd. Mas sendo dia dos namorados, traria para casa certamente um cd capaz de fazer o gosto do namoro. Muito provavelmente, seria cantado em português do Brasil e facilmente cantável no carro.
B:
Sabemos que, no dia do teu aniversário, uma das prendas foi a passagem para o formato eletrónico (ebook) de uma obra da tua biblioteca. Segreda-nos qual foi.
AB:
“Toda a Mafalda”, onde encontro quase toda a filosofia de que preciso para o meu quotidiano, além de que no meu Ipad as tiras do Quino cintilam mais.
B:
Tens de mudar de profissão. Para te compensar de eventuais transtornos, seja qual for a escolha, terás carro (o que preferires), cartão de crédito… e 600 mil euros anuais. Uma condição: tem de ser a profissão que te dê mais gozo (testaremos isso com a máquina do gozo profissional).
AB:
É sem dúvida a pergunta mais difícil. Já percebi que não vou poder iludir e também não me vão permitir relativizações. Mas nem por isso deixarei de dar uma resposta em tom pós-moderno: Dar-me-ia bastante gozo experimentar muitas profissões, mas reconheço que isso seria não escolher. A não ser que me permitam inventar nova opção: indolência criativa.
B:
A Brigada dos Bons Costumes vai queimar-te a biblioteca toda. Toda, não: permite-te ficar com uma obra apenas.
AB:
Estou seguro de critério de escolha, mas não da escolha: fico com aquela de que guardo melhores memórias.
B:
Os deuses estão fulos com a humanidade: vão destruir todas as cidades. Deixarão apenas ficar uma para tu viveres. Diz-lhes qual há de ficar de pé.
AB:
Lisboa. Detesto mudanças!
B:
Estás condenado a escolher, sem hipótese de abstenção, mas apenas um: Sartre, Nietzsche, Heidegger.
AB:
Se estou condenado a escolher, é porque Sartre alguma razão devia ter.
B:
Para a ilha deserta, só podes levar um destes três B: Bach (Johann Sebastian), Beethoven, Beatles.
AB:
Bach, o único que me consegue acalmar do bulício e do stress da vida selvagem numa ilha deserta.
B:
Tens pozinhos mágicos que te permitem ressuscitar quem tu quiseres. Duas condições: só os podes usar uma vez; nunca em proveito de qualquer familiar.
AB:
Não faria essa maldade a ninguém. Se tivesse mesmo de ser, então Jesus Cristo… Ao menos já tinha experiência.
Nota: esta é a décima primeira publicação de uma série de revelações que pedi a alguns dos meus amigos. Leia as de Pedro Galvão (a anterior) e de Martim de Gouveia e Sousa (a seguinte).