- Os tempos, em Portugal são de seca. Seca preocupante. Há umas semanas atrás, sem quaisquer prenúncios de chuva e em resposta a tais preocupações, a ministra da Agricultura respondeu:
«[…] sou uma pessoa de fé, esperarei sempre que chova e esperarei sempre que a chuva nos minimize alguns destes danos”.
Esta é uma bela exemplificação do que é uma crença sem provas.
Há uma área importante da filosofia da religião, chamada ética da crença, cujo problema central se pode formular assim: há algo de errado em crer em Deus sem provas? Adaptando ao caso da ministra — há algo de errado em crer em que choverá, sem indícios que apontem para a queda de chuva?
- As duas respostas clássicas (contrárias, embora conciliáveis), a esta questão foram dadas por W. K. Clifford (1845-1879) e William James (1842-1910). Segundo Clifford, “é sempre errado, em toda a parte e para todos, acreditar em algo sem provas suficientes”; James, por outro lado, defende “a legitimidade da fé adotada voluntariamente”: quando não temos provas a favor ou contra uma hipótese, não é incorreto decidirmo-nos passionalmente.
Os textos dos dois filósofos foram reunidos no livro (aconselhável) A Ética da Crença, editado pela Bizâncio; Desidério Murcho, o organizador da obra, juntou-lhes um texto seu e um outro de Alvin Plantinga.
- A fé move montanhas, diz-se. E é verdade que as crenças podem motivar e potenciar a ação. Assim se entendem os ataques suicidas dos Kamikaze japoneses na Segunda Guerra Mundial ou qualquer das versões mais atuais. Ou os “milagres” da “força de vontade” que volta e meia se divulgam.
No entanto, a afirmação só pode ser entendida como metáfora; é inútil lançar ombros, por mais crentes que sejam, a qualquer colina, literalmente entendida: nenhuma fé a moverá. Dito de outro modo: a crença é eficaz apenas nos casos em que haja relação de causalidade entre a mesma e o seu objeto. Jogadores motivados pela crença na vitória podem influenciar o resultado final do jogo; mas crer firmemente em que vai chover não tem qualquer influência no comportamento dos fenómenos meteorológicos.
- “Os meus pensamentos são contentes. / Só tenho pena de saber que eles são contentes, / Porque, se o não soubesse, / Em vez de serem contentes e tristes, / Seriam alegres e contentes”.
Alberto Caeiro (criador dos versos citados) tem razão: a verdade pode fazer-nos infelizes; mas a felicidade baseada na falsidade é, por razão dessa base, uma falsa felicidade. Felicidade ilusória. Tão ilusória como a convicção de que a chuva que pode (ou não) cair substitui a necessidade de “atuar em conformidade”. Mais importante do que uma crença forte e sincera é uma crença verdadeira – e não há otimismo que transforme uma crença falsa em verdadeira.