Ensino da filosofia

Exame nacional de filosofia 2016 (1ª fase)

A primeira fase do exame nacional de filosofia 2016 realizou-se, hoje, 15 de junho.

exame nacional de filosofia 2016

Em formato pdf, podem ser descarregados

  1. a prova, versão 1;
  2. a prova, versão 2;
  3. os critérios de classificação provisórios (a)

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O exame de Filosofia da 1.ª fase deste ano pareceu-me um exame globalmente bem conseguido. Do lado do enunciado, há muito poucos pormenores que mereçam reparo. E os que há não constituem obstáculo para a resolução.

  • Por exemplo, a questão I.1. inicia-se convidando-nos a considerar «o argumento seguinte». Ora, acontece que as duas primeiras frases do enunciado apresentado não fazem parte do argumento, nem como premissas, nem como conclusão. Seria melhor, pois, ter-se redigido «o argumento incluído no enunciado seguinte». Pode argumentar-se, contra mim, que as frases integram realmente o argumento, pois contribuem para a conclusão de que o futebol é um desporto bastante igualitário. Nesse caso, não sei o que faz a adversativa «no entanto» no início da 3.ª frase, que é a que exprime a conclusão do argumento.
  • Na questão IV.2., pode objetar-se que é impróprio falar de «procura de verdade» em Popper. As teses e conceitos associados ao falsificacionismo – como a da evolução da ciência enquanto sucessiva «aproximação à verdade», ou o de corroboração – deixam pouco espaço à conceção de que há uma verdade a ser descoberta, que este enunciado sugere.

Nenhum destes aspetos, porém, obsta à resolução das questões. E talvez não haja alternativa a estas redações sem as complicar desnecessariamente. O ótimo é inimigo do bom.

Do ponto de vista da “cobertura“, esta prova abrange equilibradamente todo o programa (85 pontos para o 10.º ano, 115 pontos para o 11.º ano). Do ponto de vista da exigência, corre todo o espetro, com questões muito simples (por exemplo, I.8., sobre Hume; III.1., sobre a posição de Sartre) e outras mais complexas (por exemplo, III.2., sobre Kant; e o grupo V, pela natureza da tarefa proposta).

O grupo V é mesmo o melhor item deste exame: sem fazer apelo a (pre)textos ou a autores enquadradores, a pergunta colocada e as duas orientações especificadas lançam o examinando num exercício de puro filosofar que faz plena justiça à disciplina. É certo que Rawls pisca o olho e muitos alunos “despejarão” o que dele sabem, sem filtro e sem critério. Mas as melhores classificações nesta pergunta estarão reservadas aos que evidenciem capacidade de pensar, de tomar posição clara e de argumentar criativamente acerca de um problema cuja aparição neste exame tem o seu quê de surpreendente (mais surpreendente do que solicitar uma tomada de posição acerca de Rawls, Mill ou Hume, por exemplo). É à custa deste item que se perdoam coisas como a irrelevância da escolha múltipla sobre Hume (I.8) ou a oferta do nome de Sartre antes de um pedido de mera identificação da respetiva tese sobre o livre-arbítrio (III.1). Ainda assim, na questão V poderia ser incluída uma terceira orientação que ali tão bem ficaria: explicar a importância do problema. Digo eu…

Filosoficamente falando, o pior deste exame está realmente na questão IV.2. Não me parece nada descabido solicitar o relacionamento de autores ou de teses ou de argumentos – é tarefa legítima face ao que está nas informações-exame, nas Orientações e no Programa; e é uma parte nobre do trabalho filosófico. Nada a objetar ao princípio, pois. Mas a tentativa bem intencionada de ir além das comparações programáticas mais expectáveis (Mill/Kant, Descartes/Hume) redunda, a meu ver, num fracasso. Parto dos princípios

(i) de que a avaliação crítica de duas posições é filosoficamente mais nobre (e mais exigente) do que a comparação dessas posições
e
(ii) de que a mera justaposição de teses e argumentos de dois autores não tem qualquer valor filosófico.
Ora, acontece que a questão IV.2. inclui uma especificação final pouco feliz, dado que parece convidar à justaposição: «Na sua resposta, explicite os aspetos relevantes do método defendido por Descartes e do método defendido por Popper». Por outro lado, no tema norteador escolhido, «a procura da verdade», Descartes e Popper estão tão distantes que o item acarretará, prevejo eu, não um bom exercício filosófico de comparação crítica das duas posições, mas uma mera justaposição do jargão e das teses de Descartes e de Popper, com a tangência reduzida à palavra «verdade». Espero estar enganado.

Tecnicamente falando, o pior deste exame são alguns dos descritores de desempenho incluídos nos critérios de classificação provisórios. Mas a sua análise daria outro ‘post’ como este. Ainda bem que os alunos não os leem enquanto fazem o exame.

Um bom exame, sublinho.

1 thought on “Exame nacional de filosofia 2016 (1ª fase)”

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