- Em inícios de setembro passado, soubemos que Ronaldo estava triste (tão triste que os espanhóis, jocosamente, lhe trocaram o nome para Tristiano Ronaldo). Não se conhece, até ao momento em que escrevo, a razão segura de tal tristeza, embora se apontem razões financeiras e o próprio jogador garanta que não.
Diz quem sabe que, por ano, Ronaldo ‘fatura’ um total de 33 milhões de euros, entre salário e ganhos com publicidade. Ou seja, mais de 90 mil euros por dia. Ou seja, quase 4 mil euros por hora.
- The Phnom Penh Post fez-nos saber que uma mulher de 48 anos, pressionada pela fome, tinha vendido o seu cabelo por pouco mais de 6 euros. Ao jornal explicou que todas as mulheres gostam de estar lindas, “mas entre a beleza e a fome, o que devo escolher?”.
O comércio do cabelo natural está em expansão no Camboja. O cabelo das cambojanas parece-se muito com o das índias, que lideram o setor e conseguem os preços mais altos; dependendo do seu comprimento e da qualidade, bem como da idade da mulher, pode valer entre 5 e 10 euros.
- Quando, em inícios 2012, se soube que Eduardo Catroga poderia vir a receber 600 mil euros por ano, pelas suas funções de presidente do Conselho Geral da EDP, houve indignação em Portugal: o ex-ministro tinha participado nas negociações com a troika – a razão recorrentemente invocada para justificar os cortes nos salários de pessoas que estão muito longe de receber valores próximos daqueles. Aos seus críticos, Catroga explicou que, tal como acontece no futebol (e referiu explicitamente o nome de Ronaldo), o seu salário era ditado pelo valor de mercado.
Ficamos, assim, a saber que o valor de mercado do cabelo de uma cambojana de 48 anos é de 6 euros. E que a fonte de muitos problemas poderá estar num sistema baseado no mercado.
- Um mundo habitado por gente tão rica como se sabe (e os exemplos que referi nem são, globalmente, os mais “exemplares”) mas onde a maioria das pessoas é tão pobre que tem poucas alternativas de ultrapassar uma vida abaixo dos limites da dignidade – um mundo assim, sem equidade, não pode ser justo.
O modo proposto por John Rawls (1921-2002) para a construção de uma sociedade justa é um “golpe de génio”: vamos conceber essa sociedade imaginando que não sabemos a posição que ocuparemos nela – se seremos ricos ou pobres, “normais” ou “deficientes”, bonitos ou feios, homens ou mulheres, jogadores de futebol ou mineiros, homossexuais ou outra coisa… Este é o único modo de definirmos os princípios de uma sociedade nova e melhor.
Diz o povo que quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte. Contudo, se eu partir sem saber que parte me tocará, tentarei partir de modo a que a repartição seja equitativa: é o único modo de garantir a minha satisfação, seja qual for o bocado que me toque em sorte.