Intuição ou análise racional?

O número 23 da revista espanhola redes para la ciencia inclui uma entrevista com Gerd Gigerenzer, psicólogo alemão e diretor do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano e estudioso dos mecanismos mentais que se escondem por trás das decisões, que tomamos constantemente. O tema forte da conversa foi a intuição e o seu papel fundamental nas escolhas que vamos fazendo nas nossas vidas; segundo Gigerenzer, por trás de reflexões aparentemente irracionais esconde-se um tipo de racionalidade adaptativa que nos ajuda a escolher melhor.

“Muitas das nossas decisões são inconscientes e isso é bom. Se pudéssemos decidir tudo a nível consciente, não seríamos capazes de nos decidirmos sempre pelo melhor”.

Uma decisão inconsciente seria, então, uma intuição?

“Uma intuição é, por definição, uma decisão que tomamos conscientemente mas sem saber porquê, de onde vêm os motivos, porque estes residem no inconsciente. Mas, repito, isso não é mau. O que acontece é que as pessoas “desconfiam” do inconsciente. Há muitos preconceitos a esse respeito. Por exemplo, acredita-se que as mulheres são intuitivas e os homens são racionais. Não é seguramente assim. Nas minhas investigações, a minha equipa e eu demonstrámos que as decisões baseadas na intuição costumam ser melhores que as que nos consomem muito tempo e são deliberativas”.

E como faz o cérebro para fazer isto, para ser intuitivo? De que maneira funciona?

“Uma boa intuição baseia-se no que denominamos “a regra do polegar“, que seria como aproximar-nos das coisas baseando-nos em experiências passadas; em português, seria “fazer as coisas a olho” [nota: no texto original, “a ojo de buen cubero”]. É uma estratégia focalizada nos dados importantes, ignorando os outros. Isso é considerado irracional, mas, quando não se sabe tudo, é preferível focalizar-se no que é importante e esquecer o resto.

Mas como sabe o cérebro o que é importante e o que deve deixar de lado?

“O cérebro aprendeu-o, em parte, ao longo da evolução. Os animais trabalham com regras do polegar simples e há muito que vivem. Por exemplo, as fêmeas do pavão real, quando têm de escolher parelha, põem os machos em fila indiana e elas não os olham a todos, mas apenas a três ou quatro, e escolhem o que tem o maior número de ocelos na sua cauda. É uma regra muitos simples. Muitos humanos não o fazem de forma diferente! Se lhes perguntarmos, dirão que jamais escolheriam assim, mas fazem-no. Por exemplo, muitos homens apaixonam-se por uma mulher, não pelos seus traços ou o seu caráter, mas antes porque outros rapazes também as querem, são moças populares, pelo que competem entre si para ser os primeiros. Estas estratégias funcionam porque, se tiveres êxito, os teus amigos aceitarão a moça e a ti admirar-te-ão porque conseguiste o que todos desejavam”.

Visto assim… a verdade é que, quando temos muitas opções, custa-nos decidir e sentimo-nos perdidos.

“Isto acontece até nos negócios. Os empresários decidem intuitivamente. Muitos profissionais, naturalmente, não o dirão em público ou até mandarão um funcionário procurar razões ou pedirão conselho a uma empresa assessora e pagam muito dinheiro para isso. Há uma desconfiança na intuição e uma confiança cega na análise racional que, no fim de contas, custa tempo, dinheiro e inteligência.

Achas que este preconceito contra a intuição vai mudar, no futuro?

“Sim, a nossa equipa ajuda profissionais a confiarem mais na intuição e saberem em que momento devem segui-la e em que momento não, em que momento é melhor refletir. Também há momentos em que é melhor não pensar mais em algo, deixar de lhe dar voltas”.

Achas que estas regras básicas em que se baseia a intuição poderão ser transferidas para as máquinas? Acha que a inteligência artificial poderá utilizar também a intuição?

“Isso seria genial e acho que algumas das regras básicas, como a do polegar, podem ser boas candidatas a tornar as máquinas mais inteligentes. Se se fizesse uma máquina com capacidade para saber coisas, mas que não soubesse como as sabe, estaríamos perto disso”.

Coisa diferente seria terem consciência… De facto, não sabemos muito bem como é que nós chegámos a tê-la, não?

“O filósofo Whitehead disse uma vez que a sociedade progride ao transferir informação sempre cada vez mais para o inconsciente. Esta é uma proposição interessante. Eu acho que muitas das nossas habilidades se baseiam precisamente nisso, em que aprendemos e depois automatizamos, de maneira que não recordamos como o sabemos fazer, mas fazemo-lo… Posso aprender a fazer a minha gravata e depois esqueço como o fiz, torna-se algo automático. E se, de repente, lhe presto atenção e faço com que se torne um ato consciente, já não o sei fazer bem!”

Sei que também ajudas grandes executivos, médicos e juízes a decidir melhor.

“Sim, treinei mais de mil doutores e uns 50 juízes federais no manejo de riscos e tomada de decisões. Muitos doutores não têm treino para saber os prós e os contra na hora de pedir exames diagnósticos para os seus doentes… tal como não estão treinados para entender as suas próprias intuições. A tendência de hoje é fazer cada vez mais exames: TAC’S, PETS, análises… Está certo pedi-los mas, ao fazê-lo, é preciso saber por que se pedem, para onde nos levam, de que se está à procura. Dou-lhes chaves psicológicas para os ajudar. Os juízes, por exemplo, têm de entender o que é o ADN e para que é que o devem pedir, o que significa. E, ainda que não o digam em público, tomam decisões intuitivas”.

Diz-se que a primeira impressão que se tem quando se conhece uma pessoa é a correta? É assim?

“Em geral, se alguém é um especialista numa área, a primeira impressão costuma ser a boa. Trabalhei com polícias americanos que, por exemplo, se dedicam a detetar traficantes de droga no aeroporto de Los Angeles. Bom… há ali centenas de milhares de pessoas… como sabem quem tem drogas na mala? A verdade é que a sua capacidade para acertar é muito melhor do que a que possamos ter tu e eu. E é algo intuitivo. Não sabem como o fazem, mas fazem-no. Temos aqui um exemplo de como alguém que está altamente treinado pode tomar decisões intuitivas brilhantes”.

E acertam sempre? Nunca se enganam?

“Não, não acertem sempre, mas são muito melhores que o resto das pessoas. O mesmo acontece com os desportos. Há um futebolista alemão, Muller, que há anos era um dos mais conhecidos do mundo, que dizia: “Se começas a pensar, estás perdido”. Um especialista que sabe o que fazer intuitivamente, mas não pode pensar. Se fores um principiante, deves pensar; de facto, é necessário que o faças. Mas, se fores um especialista, podes confiar na tua primeira impressão”.

Então, a intuição pode treinar-se? É habitual pensar-se que vem não sabemos de onde e que não temos controlo sobre ela.

“Claro que se pode treinar. A intuição é uma forma de inteligência inconsciente e, como tal, pode ser treinada. Quando alguém observa algo em concreto, durante anos, vê coisas imediatamente que os outros não podem captar”.

Quando é que a intuição não funciona?

“Um exemplo de onde a intuição esteve realmente mal foi após o atentado às Torres Gémeas a 11 de setembro de 2001. Todos nos lembramos das fotos, dos aviões, do Word Trade Center… O que aconteceu depois foi que os americanos deixaram de andar de avião. O que fizeram? Muitos reagiram intuitivamente ao medo de andar de avião e lançaram-se para os automóveis. O trânsito nas autoestradas aumentou uns 5% durante os 12 meses seguintes e a seguir baixou para os níveis anteriores ao atentado. Nesses 12 meses, 1.500 americanos morreram, numa tentativa de evitar os aviões”.

Por culpa de uma intuição…

“Exato. Era uma intuição errada. Mas a ansiedade não era tanto o resultado do medo de morrer, mas antes da morte de muitas pessoas num único dia, que foi o que as comoveu. Se toda essa gente que morreu a 11 de setembro tivesse morrido ao longo do ano, ninguém teria tido medo. O medo de que muita gente morra ao mesmo tempo é um tipo de intuição que evolutivamente tem muito sentido. Na realidade, é algo muito racional”.

Em que sentido?

“Temos que pensar que o nosso cérebro se desenvolveu numa altura em que os humanos viviam em grupos pequenos e, portanto, a morte de una porção grande de indivíduos ao mesmo tempo podia ser um perigo para a sobrevivência do resto do grupo. O que acontece é que essa conduta que era então racional atualmente já não o é. Mas o nosso cérebro é velhinho e continua a pensar como o fazia então. O bom disto é que, se entendermos estes mecanismos cerebrais, se entendermos por que nos acontecem estas coisas, podemos reconhecer estas intuições erradas e evitá-las. Porquê temos tanto medo da gripe das aves, do SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ou de qualquer doença que pareça que pode transmitir-se rapidamente? É o mesmo caso do 11 de setembro. Assustam-nos as mortes massivas em intervalos curtos de tempo. Mas, basta que os mass media deixem de falar destas questões, e imediatamente as esquecemos e somos felizes de novo. A partir do momento em que nos damos conta de como funcionamos, podemos corrigir este comportamento e deixar de sentir ansiedade. Cada ano que passa, há um novo anúncio de uma catástrofe… Bem, nada é seguro. Mas, provavelmente, não será tão má como a pintam. A gripe normal mata milhares de pessoas mas, como não é de repente, não temos medo. Deveríamos viver mais relaxados e preocupar-nos menos com estas coisas.

Achas que damos demasiada atenção às notícias televisivas?

“Acho que as notícias se converteram em algo que não vale a pena ver. Eu dei a minha televisão, há muito tempo, porque me sentia frustrado. E todos os dias poupo quatro horas que não perco em entretimento estúpido. Assim, tenho tempo para fazer coisas muito mais interessantes. Se mais pessoas o fizessem, as notícias seriam forçadas a mudar, a falar de algo diferente e mais interessante, em vez das últimas notícias de um avião que se estatelou ou de um grupo de pessoas numa ilha deserta num reality…”

Talvez nos tenhamos tornado viciados na informação.

“Mas há melhores maneiras de estar informado do que com as notícias. Pode-se ler um bom livro. Merecemos um jornalismo melhor”.

1 thought on “Intuição ou análise racional?”

  1. Postas as coisas assim, acho que tomei a (in)decisão de aposentar-me, mais por intuição do que racionalmente…
    No fundo, também não conhecia/conheço todas as variáveis que, supostamente, me permitiriam (?!) tomar uma decisão mais “racional”… :-))

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