Auto-retrato:
“Martim de Gouveia e Sousa. Mas mais Martim. Escrevinhador antes de ser professor; escrevinhador sendo-o; bebedor de livros; dependente de poetas. Escrevinhando, ensaia, ficciona, poetiza. Seguidor fiel da máxima vergiliana de ninguém poder aprender mais do que aquilo que sabe. Entrado na esfera bloguista por simpatia e analogia, por aí tratando de assuntos sobre poesia, monarquismo, literatura geral (com tendência para finessecularismo oitocentista, modernismo e pós), safismo, presencismo… Mentor e atualizador dos blogues Ave-Azul, Europa, Monarquia, Presença e Caligrafias, todos parados, mas uns mais que outros. Presente e ausente no Facebook, sob o nome Martim Sousa, aí dinamizando a página Ave-Azul. Mais impublicado que publicado. É mesmo possível que quaisquer aposições num motor de buscas não forneçam resultados, eis o resultado de uma vida de dez lustros. Nascido no Porto, vivido em Viseu. Mais benfiquista que o resto.
Um dia, apresentei-me assim: martim de gouveia e sousa. professor, ensaísta, leitor, investigador, editor ocasional, bloguista (4 ou 5), bibliófilo (ou bibliómano?), não-conferencista, avesso a apresentações e investiduras, releitor e escutador…”
Baú:
O navio onde viajas tem carga a mais. A ti, coube-te lançar à água dois dos 3 livros que levas (o melhor da tua poesia preferida, o mais belo romance que alguma vez se escreveu, uma coletânea de ensaios sobre Vergílio Ferreira).
Martim Sousa:
Fico com o melhor, o primeiro pela ordem, porque é o primeiro e é poesia. Sei ainda que é o Ofício cantante de Herberto Helder e que o último é despiste – nunca uma coletânea sobre seria uma coletânea de.
B:
Lançados os livros, ficaste com três objetos: o livro, um dvd com o teu filme preferido e um leitor de mp3 com uma coleção dos teus top musicais. Um deles também tem de ir para o fundo do mar.
MS:
Vai o filme, porque sempre ouvi dizer que celuloide é água que passa. A água à água, pois. E, como se vê, o navio não possui leitores de dvd. E um dvd nunca será um filme…
B:
No dia dos namorados, recebeste um cheque-prenda para comprar um cd. Escolhe.
MS:
Escolho uma obra do Tom Waits que possuo em vinil e que foi trilha sonora do filme homónimo de Francis Ford Coppola: One from the Heart. Porque sim e me continua a arrepiar…
B:
Sabemos que, no dia do teu aniversário, uma das prendas foi a passagem para o formato eletrónico (ebook) de uma obra da tua biblioteca. Segreda-nos qual foi.
MS:
Bem, isto vou ter que dizer muito baixinho: não foi, mas é como se fosse. Na minha qualidade de desfã, aceitador de cópias se muito bem feitas, aceitei receber o Dicionário bibliográfico português de Inocêncio Francisco da Silva, assim poupando alguns agachamentos que prefiro fazer no ginásio.
B:
Tens de mudar de profissão. Para te compensar de eventuais transtornos, seja qual for a escolha, terás carro (o que preferires), cartão de crédito… e 600 mil euros anuais. Uma condição: tem de ser a profissão que te dê mais gozo (testaremos isso com a máquina do gozo profissional).
MS:
Serei bebedor de livros. O tempo sobejante ficará disponível por inteiro para a nova profissão. As compensações não são excessivas para tão nobre missão. Mas que transtornariam a minha pessoa, sem dúvida, tanto mais que o ouro cairia sobre o azul do ideal. Poderia alguém gozar mais e melhor as delícias profissionais?
B:
A Brigada dos Bons Costumes vai queimar-te a biblioteca toda. Toda, não: permite-te ficar com uma obra apenas.
MS:
O biblioclasmo aparece recoberto sempre pela nuvem dos bons costumes – queima-te que é para teu bem… Se tempo houver, fugirei rápido para não ver tão devastadora fogueira. No ato, súbito, lembro-me que quero muito reler A morte de Virgílio de Hermann Broch. E fujo, pra não ver a morte.
B:
Os deuses estão fulos com a humanidade: vão destruir todas as cidades. Deixarão apenas ficar uma para tu viveres. Diz-lhes qual há de ficar de pé.
MS:
Esta, a de Viseu, porque contém todos os líquidos que me são fungos. E líquenes, também. Porque possui aqueles lugares geodésicos de que fala Walter Benjamin, este é o lugar porque é o meu lugar. Se não for possível, deuses nossos, que a cidade fique sentada e não destruída. Em volta, todas as grandes cidades o são porque esta me é.
B:
Estás condenado a escolher, sem hipótese de abstenção, mas apenas um: Camões, Aquilino, Saramago.
MS:
Camões, pela centralidade irradiante. Escrever e ler em língua portuguesa é camoniar. Pessoa, por exemplo, escreveu contra Camões, ou seja, camoniou. O aclaramento da nossa língua muito deve à sensibilidade e ao génio do épico, o nosso inventor do humano. A sua canção IX, de tão arrebatadora, não deixa lugar para cotejos. Aprecie-se, por exemplo, o explicit, que diz: “ Aqui vivo; e se alguém te perguntasse / Canção, porque não morro, / Podes-lhe responder que porque morro.”
B:
Para a ilha deserta, só podes levar um destes três B: Bach (Johann Sebastian), Beethoven, Beatles.
MS:
Começo por ficar com a Brigitte Bardot e não com o Baptista Bastos, embora os primeiros eliminados sejam os Beatles. Entre os dois primeiros o meu coração balança e fico-me no primeiro, pelo rito religioso e pelo excesso barroco, características mais integráveis na minha ilha deserta. No género, o meu pódio é BBM e não BBB, sendo que a ordem não existe, só lugares primeiros: Bach, Beethoven e Mozart. Bach, já disse!
B:
Tens pozinhos mágicos que te permitem ressuscitar quem tu quiseres. Duas condições: só os podes usar uma vez; nunca em proveito de qualquer familiar.
MS:
Ressuscitaria Judith Teixeira, porque tenho com ela uma conversa interrompida in absentia que gostaria de continuar in praesentia. Sei que com ela dissiparia as muitas dúvidas que em mim persistem sobre o ser extraordinário que ela forçosamente foi. Quem, como ela, assim desafiante?
Nota: esta é a décima segunda publicação de uma série de revelações que pedi a alguns dos meus amigos. Leia as de André Barata (a anterior).
Gostaria de obter o seu email. A Casa do Povo de Leomil está a fazer uma reedição do Livro Leomil. Sei que conhece bem esta obra e gostaria de o convidar para a sessão de lançamento que em princípio acontecerá no dia 2 de Junho. Cumprimentos. Jaime Gouveia.
Bom dia Sr. Martim,
Tenho comigo um livro cuja edição só encontro referência no seu blog “Caligrafias” e gostaria de saber um pouco mais sobre esta edição.
O livro é o “A volta ao mundo em oitenta dias”, com tradução de A. M. da Cunha e Sá, 12ª edição.
Este livro anda cá por casa há muito anos, já vinha do meu avô e provavelmente é ainda mais antigo.
Desde já muito obrigado pela sua atenção.