Não te masturbarás!

  1. As hipóteses de o meu leitor achar que a masturbação não é lá muito recomendável são bem superiores às de qualquer opinião diferente.

Mas, a meu pedido e se necessário, admita o leitor que esse prazer solitário é provocado por um ato mau, seja pela razão que for. Supondo que cede ao meu pedido, pergunto-lhe agora o que será pior: a masturbação ou a violação?

  1. Por incrível que lhe pareça, para São Tomás de Aquino (século XIII), um dos maiores filósofos da Igreja – e, além disso, teólogo e… santo – a masturbação é tão má que é pior do que a violação. Segundo ele, o ato sexual tem três objetivos: procriar, fortalecer os laços matrimoniais e dar prazer. Cinco dos seis pecados sexuais (a fornicação simples, o adultério, o incesto, a sedução e a violação) supõem o ato reprodutivo correto, porque podem procriar, mas com as pessoas ou nas circunstâncias erradas (a fornicação simples, por exemplo, sendo sexo entre um marido não casado e uma mulher não casada, dificulta “a devida educação e progresso da criança”). A masturbação, não: é um ato sexual que não procria e, porque também não fortalece os laços matrimoniais, duplamente mau.

A principal objeção ao santo filósofo parece ser esta: mas a masturbação prejudica menos pessoas do que a violação (os prejuízos daquela, admitindo-os, não vão além do pecador; o violador peca e provoca ainda prejuízos na pessoa violada). Ele responde: sendo um pecado contra a natureza (contra a lei natural estabelecida por Deus), a masturbação prejudica tanto quem a pratica como (os objetivos d)o próprio Deus. E haverá pior pecado do que os pecados contra Deus?

  1. Recordo-me de, adolescente e por pessoas mui competentes(?), me serem referidos todos (?) os males que a masturbação poderia provocar. Horríveis doenças físicas e terríveis problemas psicológicos: emagrecimento, enfraquecimento, consumição; apoplexias, letargias, epilepsias, tremuras, fraquezas, prostrações, definhamentos; esgotam-se as forças e secam os humores, mirram o corpo e a alma.

Esta lista devastadora é recordada no capítulo primeiro de Elogio da Masturbação, uma pequena obra de Philippe Brenot (Campo das Letras); as suas raízes, encontra-as na guerra do sexo pregada pelo Ensaio sobre as doenças causadas pela masturbação (1758), do famoso médico suíço Samuel Tissot.

  1. O prelúdio do Elogio abre assim: “Confesso aqui publicamente e como um ato expiatório: ‘Sim, já me masturbei… e várias vezes!’. / Esta confissão de um crime abjeto reforçado pela reincidência ter-me-ia custado a vida em Espanha no tempo da Inquisição, ter-me-ia valido a prisão no século XVIII, umas bastonadas e sevícias corporais no século XIX e o desprezo e uma dura reprovação ainda há bem pouco tempo. Hoje deixa alguns indiferentes, mas ainda melindra outros cujas dúvidas os deixam sem saber o que pensar sobre isso”. A obra de Tissot “inaugura duzentos anos de obscurantismo”, ao declarar “a culpabilização do sexo no que ele tem de mais ‘inventivo’, de mais natural, de mais necessário: a masturbação”.

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||| O texto a bizarria filosófica para totós apresenta um livro muito interessante para uma iniciação à filosofia: Não Descartes Estas Ideias. São analisadas mais de 40 ideias filosóficas que poderão parecer bizarras de início, mas com as quais poderemos até, depois de explicadas, concordar. É o caso desta teoria de São Tomás sobre a masturbação (capítulo 39).

1 thought on “Não te masturbarás!”

  1. Claro! Nesta época, o “pecado” era mesmo tudo quanto não fosse a favor do uso “correto” do sexo: a procriação. Daí que a masturbação seja mais grave que a violação!

    Apesar desta estranha avaliação, há contudo algo que retenho como interessante e inovador nesta época: o considerar que o ato sexual tem três objetivos: procriar, fortalecer os laços matrimoniais e dar prazer. Esse Sr. era mesmo muito avançado para a época!

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