A 9 de novembro de 1964, faleceu Cecília Meireles (nascida a 7 de novembro de 1901), considerada uma das maiores poetisas brasileiras. Homenageamo-la, transcrevendo o que sobre ela Ana Tereza Pinto de Oliveira escreve no seu Literatura brasileira: teoria e prática (São Paulo: Editora Redeel, 2006):
Aos dezoito anos, Cecília Meireles publicou seu primeiro livro, Espectros, de inspiração neo-simbolista. Ao longo de sua carreira vai cultivar uma poesia introspectiva em que reúne religiosidade e desespero pelo sentimento de transitoriedade da vida.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Sua obra mais importante é o poema épico-lírico Romanceiro da Inconfidência (1953), uma composição escrita em redondilhas maiores. Nela, a poetisa reconstitui a época da mineração e a Inconfidência Mineira, do século XVIII. Leia um trecho dessa obra:
Romance XXVIII ou da denúncia de Joaquim Silvério
No Palácio da Cachoeira,
com pena bem aparada,
começa Joaquim Silvério
a redigir sua carta.
De boca já disse tudo
Quanto soube e imaginava.Ai, que o traiçoeiro invejoso
Junta às ambições a astúcia.
Vede a pena como enrola
Arabescos de volúpia,
Entre as palavras sinistras
Desta carta de denúncia!Que letras extravagantes,
Com falsos intuitos de arte!
Tortos ganchos de malícia,
Grandes borrões de vaidade.
Quando a aranha estende a teia,
Não se encontra asa que escape.Vede como está contente,
Pelos horrores escritos,
Esse impostor caloteiro
Que em tremendos labirintos
Prende os homens indefesos
E beija os pés aos ministros!As terras de que era dono,
Valiam mais que um ducado.
Com presentes e lisonjas,
Arrematava contratos.
E delatar um levante
Pode dar lucro bem alto!Como pavões presunçosos,
Suas letras se perfilam.
Cada recurvo penacho
É um erro de ortografia.
Pena que assim se reforce
Deixa a verdade torcida.(No grande espelho do tempo,
cada vida se retrata:
os heróis, em seus degredos
ou mortos em plena praça;
– os delatores cobrando
o preço das suas cartas…)Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes.
Recebeu trinta dinheiros…
— e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda a vida,
perdão para quanto deves,
comenda para o pescoço,
honras, glórias, privilégios.
E andas tão bem na cobrança
que quase tudo recebes!
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério!
Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.
Ele topa uma figueira,
tu calmamente envelheces,
orgulhoso e impenitente,
com teus sombrios mistérios.
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
Há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)