O filósofo francês Michel Eyquem de Montaigne (Périgord, 28.2.1533 – ibid., 13.9.1592) nasceu no castelo da sua abastada família, nas imediações de Bordéus. Foi submetido a um estranho e surpreendente método de educação: o pai enviou-o para casa de uns camponeses, gente simples, pobre e ignorante, com quem viveu até aos três anos, a fim de conhecer a vida dos trabalhadores normais. Foi ainda educado por um alemão especialista em língua latina, tendo o pai dado ordem expressa de que na presença da criança só se falasse em latim. As suas primeiras leituras foram Ovídio e Virgílio, Plauto e Terêncio.
Estudou Filosofia e Direito, em Bordéus e Toulouse. A partir de 1557 e durante 13 anos, foi membro do Parlamento de Bordéus. Demitiu-se em 1571, quando herdou o património familiar, na sequência da morte do pai, em 1568. Em setembro de 1580, iniciou uma extensa viagem pela Europa, que descreve no Journal de Voyage (Diário de Viagem) [acesso à obra, em francês].
[imagem de Antoine Maurin, domínio público]
Os Ensaios de Montaigne
A sua obra mais famosa é Essais (Ensaios), que começa a redigir em 1570, após deixar o cargo no Parlamento e retirar-se para o seu castelo. A primeira publicação, com dois livros, data de 1580 (em 1588, aparece a 5ª edição, muito ampliada e com um terceiro livro). De um género novo, é um vasto conjunto de digressões ecléticas, íntimas, por vezes contraditórias, sobre os factos da história passada e a do seu tempo. Nela, Montaigne toma posição sobre questões políticas e religiosas (rejeita o colonialismo, tomando o exemplo dos imperialismos espanhol e português); reflete sobre o sofrimento, a morte e a felicidade, sobre a amizade; sobretudo, descreve-se a si próprio, física, intelectual e moralmente – permitindo-nos captar a evolução do seu pensamento, a sua grande erudição, o percurso de um homem livre.
Nos Ensaios podem distinguir-se as três fases do pensamento de Montaigne: os primeiros capítulos revelam profunda simpatia pelo estoicismo, nascida da leitura da filosofia estoica, principalmente de Plutarco, e de Séneca (cf., p. ex., Que philosopher c’est apprendre à mourir). A partir de 1576, deixa-se influenciar pelo ceticismo, que pode dizer-se ser a atitude característica de Montaigne, condensada na divisa: «Que sais-je?» (“Que sei eu?”), adotada do cético grego Sexto Empírico.
Testemunha da crise profunda que abalou os conhecimentos tradicionais, resultante da descoberta pelos primeiros navegadores da existência de novos mundos e de povos diferentes, e da hipótese do heliocentrismo de Copérnico, Montaigne é considerado o primeiro grande cético do pensamento moderno. O seu ensaio filosófico mais famoso, a Apologia de Raymond Sebond (Livro II, cap. XII), é um compêndio exemplar de argumentos céticos: a razão é insegura; só o conceito da instabilidade, do relativo é certo. Contrariando as teses do teólogo catalão cujo nome dá título ao ensaio (Raymond Sebond tentou uma demonstração racional das verdades da fé), Montaigne recusa conceder valor à razão humana (o Homem deve desconfiar da sua fraqueza, deve medi-la) e rebaixa o Homem ao nível do animal. Por isso, Montaigne pode ser interpretado como um precursor de Kant, que limita a razão para deste modo deixar espaço à fé.
A atitude filosófica de Montaigne exerceu ainda forte influência na geração seguinte de filósofos franceses, designadamente, Descartes (compare-se, por exemplo, a subjetividade dos Ensaios com a da filosofia cartesiana), Pascal (que em Pensées ataca o seu ceticismo) e Gide. Montaigne é ainda o inspirador de Francis Bacon e pode considerar-se também um iluminista precoce.
Os últimos capítulos dos Essais mostram-nos Montaigne mais longe dos ardores estoicos, tendendo para o epicurismo. O ideal já não é a liberdade estoica, mas um convite a viver segundo a natureza, sem temer a morte.
Regressou à política em 1581, ao ser eleito presidente da Câmara de Bordéus, cargo que ocupou até 1585.
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