As dificuldades surgidas com o termo «significado», em semiótica, são paralelas às que surgem com o termo «valor», em axiologia.
[Para uma discussão da relação geral entre a semiótica e a axiologia, veja-se Edward Schouten Robinson, «The Languages of Sign Theory and Value Theory», em The Language of Value, organizado por R. Lepley (New York: Columbia University Press, 1957), pp. 29-57. Vejam-se também os meus comentários sobre este trabalho e a resposta de Robinson aos mesmos].
Ambos têm uma tal variedade de significações e de usos que servem apenas para indicar de um modo muito vago um campo de investigação, mas não permitem avançar na sua análise. Do mesmo modo que tentámos identificar no capitulo 1 um tipo de comportamento que fundamentasse os termos da semiótica, vamos agora tentar identificar um tipo de comportamento que nos sirva de base para a introdução dos termos da axiologia.
Centremos a nossa atenção no conceito de «comportamento preferencial». Pode-se dizer que um organismo apresenta um comportamento preferencial positivo em relação a um objeto ou situação, quando atua de modo a manter a presença desse objeto ou situação, ou de modo a criar esse objeto ou situação quando não está presente.
[Termos como «comportamento seletivo-rejeitativo» (Dewey) e «interesse» (Perry) têm algo em comum com o conceito de «comportamento preferencial». Todos estes termos são vagos, mas de um modo ou de outro, exigem do comportamento em questão que abranja um certo espaço de tempo (vide «manter», no texto). O simples ato de selecionar ou preferir uma coisa a outra é comum a todo o comportamento, e é, na melhor das hipóteses, uma prova do comportamento preferencial].
Apresenta um comportamento preferencial negativo quando tenta afastar-se desse objeto ou situação, ou destruir ou evitar a ocorrência dessa situação ou objeto. Uma vez que o processo da vida depende da seleção ou rejeição de determinados objetos ou situações, o comportamento preferencial (positivo ou negativo) constitui um fenómeno básico da vida. Propus anteriormente que a axiologia (como estudo do valor) fosse considerada como o estudo do comportamento preferencial
[Veja-se Charles Morris – «Axiology as the Science of Preferential Behavior» em Value: A Cooperative Inquiry, org. por R. Lepley (New York: Columbia University Press, 1949), pp. 211-222].
Esse comportamento, como no caso do comportamento sígnico, pode ser estudado, em princípio, cientificamente («objetivamente»). Mas, tal como sucede também com o comportamento sígnico, esse comportamento pode ser nalguns casos experimentado e descrito pelo próprio agente ativo. Todavia, tanto em axiologia como em semiótica, é muitas vezes mais importante uma abordagem científica do que a abordagem baseada na auto-observação e nas suas informações, uma vez que os animais e as crianças não podem informar-nos sobre os seus «valores», e até os adultos nos informam, muitas vezes, vagamente e mesmo erradamente. Perguntou-se a um estudante, que dizia que detestava um determinado quadro, qual a razão. Respondeu que não gostava de paisagens. Mas quando se lhe tinha apresentado anteriormente uma coleção muito completa de quadros, este mesmo estudante tinha dado pontuações preferenciais muito elevadas a um certo número de paisagens. Assim, mesmo que a sua afirmação de que não gostava da paisagem em questão fosse uma informação correta sobre o seu comportamento preferencial em relação àquele quadro, as razões dadas para esse comportamento eram incorretas. Pode-se bem esperar que suceda isto com grande parte do comportamento preferencial humano.
OS VALORES E O COMPORTAMENTO PREFERENCIAL
É costume e é importante fazer uma distinção entre valores sociais e individuais. Por exemplo, na Constituição dos Estados Unidos, favorece-se um certo modo de organização social e de procedimento dos cidadãos e estes têm em comum, dum modo geral, uma disposição para se comportarem de acordo com os princípios estabelecidos no documento. Na medida em que o fazem partilham um conjunto de valores sociais. Dentro deste grande grupo de cidadãos americanos há outros mais pequenos, como os formados pelos indivíduos com a mesma profissão, pelos membros de uma organização religiosa, de uma família, de um grupo desportivo, etc. que têm o seu próprio conjunto distintivo de valores sociais. Além disso, existe ainda o comportamento preferencial de cada indivíduo em relação a outras pessoas, a objetos de arte, livros, ideias e tipos de vida, que se podem chamar valores individuais. Tanto os valores sociais como os individuais implicam o comportamento preferencial e podem em princípio ser objeto de investigação científica.
Considera-se aqui como «situação de valor» qualquer situação em que ocorra o comportamento preferencial. Tal comportamento pode dirigir-se a um determinado objeto ou a um conjunto de objetos, ou a determinadas propriedades de um objeto ou de um conjunto de objetos, e portanto a realidades como dores, prazeres, pessoas, ações, objetos físicos, signos e estruturas complexas de diversos tipos. Uma situação de valor, assim entendida, é inerentemente relacional, uma vez que implica uma ação de comportamento preferencial (positivo ou negativo) realizada por um agente em relação a alguma coisa ou a outro agente. Assim, uma dor não seria por si mesma um «valor», mas seria um valor negativo se se lhe responder com um comportamento preferencial negativo, e um valor positivo se se lhe responder com um comportamento preferencial positivo (o que sucede pelo menos, nalguns casos).
Concebidos assim, os valores são «objetivamente relativos»
[Sobre a relatividade objetiva em geral, veja-se George H. Mead, em «The Objective Reality of Prespectives», The Philosophy of the Present, org. por A. Murphy (La Salle, Ill., Open Court Publishing, Co. 1932), pp. 161-175];
isto é, são propriedades de objetos (no sentido mais vasto do termo) relativamente ao comportamento preferencial. São propriedades dos objetos no mesmo sentido em que a comestibilidade é uma propriedade dos objetos, mas ao passo que a comestibilidade é uma propriedade dos objetos em relação aos aparelhos digestivos os valores são propriedades dos objetos em relação ao comportamento preferencial.
Este ponto de vista permite evitar a velha polémica existente entre os teóricos do valor sobre o caráter «subjetivo» ou «objetivo» dos valores, já que são considerados como propriedades de objetos (ou propriedades de propriedades de objetos) relativas a um «sujeito» (que se concebe como respondendo por meio do comportamento preferencial). Assim, os valores implicam tanto os sujeitos (agentes), como os objetos. As relações dos objetos com os agentes (ou «sujeitos») não são menos «objetivas» que as relações dos objetos com outros objetos.
Em princípio, uma situação de valor não só é suscetível de ser descrita por outrem («de fora»), mas pode também ser experimentada e relatada pelo próprio agente que se encontra na situação. Neste caso a sua linguagem pode ser em termos de «gosto (ou não gosto) de X», «acho X satisfatório (ou não satisfatório)», «X é bom (ou mau)!». A nossa hipótese é que estas expressões são informações dadas pelo agente, sobre a mesma situação de valor, tal como o são as informações de outras pessoas sobre a mesma situação. Embora o agente, num processo de auto-observação, tenha acesso a determinadas propriedades da situação às quais os outros observadores não têm acesso direto, isso não implica que não se trate da mesma situação de valor nos dois casos
[Para a defesa de uma posição relacionada com esta veja-se Herbert Feigl, «Mind-Body, not a Pseudoproblem», Dimensions of Mind, org. por S. Hook (New York: Collier Books, 1961), pp. 33-44].
[Charles MORRIS. Signos e Valores. Lisboa: Via Editora, 1978, p. 35-39]
[Pretexto para a publicação deste texto: o tema OS VALORES — análise e compreensão da experiência valorativa do programa atual (ano letivo 2011/12) do 10º ano de Filosofia].