Minos, filho de Zeus e de Europa, foi rei de Creta. Mas, antes de o ser, teve de disputar o trono com um seu irmão, Sarpédon. Crendo ser o preferido dos deuses, pediu a Poseidon, o deus dos mares, que fizesse surgir das águas do mar um touro, como prova dessa preferência. Poseidon satisfaz o pedido, mas impõe a condição de o animal ser sacrificado à divindade. Para mal dos pecados do rei, a beldade do touro era excecional, pelo que Minos ficou com ele e sacrificou outro no seu lugar. Os deuses nunca gostaram de ser desobedecidos – e a vingança de Poseidon foi implacável: inspirou Pasífae, a esposa de Minos, a apaixonar-se pelo animal. É no que dá alguém meter-se com os deuses!…
Tão apaixonada, Pasífae contratou Dédalo, um famoso artesão, para lhes facilitar a vida. Este fez uma vaca de madeira oca – e foi aí que os dois amantes se encontraram e fizeram o que se adivinha. Não tendo tomado precauções, da união nasceu um filho – um ser misto, como era de prever, com corpo de homem e cabeça de touro. É o famoso Minotauro, um monstro terrível e insaciável que se alimentava de carne humana e que Minos mandou fechar num labirinto, também construído por Dédalo, em Creta, de onde ele não pudesse sair.
Androgeu, filho de Minos e de Pasífae, era um valente atleta. Foi morto, por instigação de Egeu, rei de Atenas, ciumento das vitórias do atleta cretense nas Panateneias, festas realizadas em Atenas em homenagem da deusa Atena. Zeus castiga a cidade com peste e fome; pelo seu lado, o rei Minos invade-a e vence-a. Como castigo e para expiar o crime, os atenienses devem enviar todos os anos para Creta sete rapazes e sete raparigas destinados a ser devorados pelo Minotauro, até este ser morto.
O castigo foi cumprido durante três anos… até que Teseu, filho de Egeu, decidiu acabar com o Minotauro. Ofereceu-se para integrar o grupo que seria devorado, com a intenção de lhe tratar da saúde. E tratou. Ajudou-o Ariadne, filha do rei Minos, que entretanto se apaixonara por Teseu (que promete levá-la para Atenas). Esperteza feminina: para que não se perdesse no labirinto e pudesse sair, ela ofereceu-lhe um novelo de lã, preso na entrada, que se ia desenrolando à medida que Teseu entrava no labirinto. O Minotauro foi morto (e, diz uma versão, morto a soco. Valente Teseu!).
[Ariadne e Teseu. Niccolò Bambini]
Na viagem de regresso, Ariadne ficou pelo caminho, na ilha de Naxos (pretexto para o enredo de uma divertida ópera do compositor Richard Strauss: Ariadne auf Naxos). As coisas não correram melhor a Teseu; combinara com o pai um sinal: em caso de vitória sobre o monstro, as velas pretas do navio seriam substituídas por outras brancas; só que os trabalhos do regresso distraíram-no, Teseu esqueceu-se da mudança – e o pobre pai, convencido de que o filho teria sido devorado, atirou-se ao mar que hoje tem o seu nome: mar Egeu.
Os labirintos
Há muitos labirintos espalhados pela História e pelos templos, sendo o do Minotauro um dos mais famosos. No chão da catedral francesa de Chartres foi desenhado outro bastante conhecido e grande: se fosse “esticado”, teríamos uma linha de 294 metros; no centro. está Deus, sendo a fé, numa interpretação religiosa, o fio de Ariadne necessário para chegar a Ele. Numa pia batismal de Aguilar de Campóo (Palencia, Espanha), há também um gravado no século XI. Mas eles estão presentes nas mais diversas culturas, da antiguidade grega, romana, egípcia ou etrusca… São importantes enquanto símbolos: alguns tiveram uma função iniciática; em todos, há o objetivo de atingir o centro, que o labirinto tem como missão principal defender, com a rede de caminhos, por forma a desnortear quem tenta encontrar a saída.
O escritor argentino Jorge Luís Borges é um fabricador de enredos labirínticos com personagens que perecem dentro do seu próprio labirinto. A sua obra traça uma analogia entre a existência humana e o labirinto, feito pelo Homem, mas que parece ser obra dos deuses. O objetivo da vida humana é entender tudo, atingir o segredo bem guardado no centro – mas, uma vez atingido esse objetivo, espera-nos a morte. Para Borges, o mundo é um caos incompreensível, absurdo, um labirinto cuja explicação é inútil procurar. Como diz nas duas quadras de um seu soneto, intitulado “Labirinto” (traduzido por Augusto de Campos):
Não haverá nunca uma porta. Já estás dentro.
E o alcácer abarca o universo
E não tem anverso nem reverso
Não tem extremo muro nem secreto centro.Não esperes que o rigor do teu caminho
Que fatalmente se bifurca em outro,
Que fatalmente se bifurca em outro,
Terá fim. É de ferro teu destino.
O fio de Ariadne e o sentido da existência
A solução para o labirinto que é a existência humana, digo eu a Borges, pode estar no fio de Ariadne, símbolo do laço que une as coisas e nos pode apontar a saída. Metáfora da investigação histórica, e da procura dos laços que unem os fragmentos que são os documentos e os relatos. Metáfora da ciência em geral e da sua luta contra o desconhecido labiríntico, que às vezes é monstruoso. Metáfora da filosofia e da tentativa de encontrar o sentido para o emaranhado da existência. Talvez fosse isso que pensavam os gregos que criaram a história de Teseu: perante os fenómenos difíceis de explicar, já não se conformam com uma explicação e uma forma de vida que dependa de monstros e de sacrifícios primitivos; procuram uma explicação congruente. A história de Teseu é a metáfora (da vitória) da sabedoria humana.
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||| O texto O fio de Ariadne…
… é o quarto da série Histórias exemplares. O terceiro (Heroico Beethoven) está aqui…. O quinto (O barco de Teseu e o problema da identidade pessoal) está aqui.
… pode ser utilizado para apoiar o estudo do tema A Filosofia e o sentido, do programa de Filosofia do ensino secundário.