AFIRMA PEREIRA é o título de um dos livros de Antonio Tabucchi, publicado em 1994. Afirma Pereira é também a frase que, repetida página a página, insiste na ideia de que o que na obra se conta é, presumivelmente, transcrição em discurso indireto do relato
[“Um Testemunho”, de acordo com o subtítulo]
que um jornalista
[gordo, católico e solitário diretor da página cultural do jornal Lisboa]
faz dos acontecimentos que lhe vão atravessando os dias entre vinte e cinco de julho de mil novecentos e trinta e oito e os fins de agosto do mesmo ano. O porquê desse relato e a quem se destina, ficamos sem o saber, terminada a leitura das mais de 200 páginas (2ª edição. Alfragide: Leya, 2012).
O mais destacado pano de fundo dos acontecimentos é a guerra civil espanhola e a ditadura portuguesa, à beira da Segunda Guerra Mundial. Em ambas as situações se vai envolvendo Pereira, pelas relações que estabelece com o jovem Monteiro Rossi e Marta, a namorada deste. Despertando da sua expressa neutralidade política inicial
[estranha neutralidade a de quem paga do próprio bolso, a Monteiro Rossi, artigos escritos para o Lisboa, mas “impublicáveis” e impublicados, sabendo ou adivinhando que o autor dos mesmos se ia metendo em “sarilhos”, cada vez mais claramente políticos],
Pereira termina, antes de uma suposta fuga, na denúncia da polícia política, do assassinato brutal do seu amigo
[“um rapaz alegre, que amava a vida e que todavia fora encarregado de escrever textos sobre a morte, tarefa a que não se furtou”].
A meio, a dúvida:
“e se aqueles jovens tivessem razão? […]se eles tivessem razão a minha vida não teria sentido” (p. 124).
A morte
(e o sentido da vida: na política? Na religião?)
inunda Afirma Pereira. Ou a morte concretizada
(de Monteiro Rossi, à coronhada; da sua mulher, tísica; dos combatentes na guerra civil espanhola, na defesa de ideais…)
ou a ameaça dela
(Pereira “era gordo, sofria do coração, tinha a tensão alta e o médico lhe dissera que se continuasse assim não durava muito” (p. 7))
ou o desejo constante de refletir sobre ela
(que leva Pereira a contratar Monteiro Rossi, por ter publicado uma reflexão filosófica sobre a morte, e a constituir um “dossiê necrológico” de escritores vivos).
Em ligação ao catolicismo
(ao franciscano padre António, à rejeição da crença na ressurreição da carne)
ou a doutrinas filosóficas
(por exemplo, a da confederação das almas — dos médecins-philosophes, designadamente, Théodule Ribot e Pierre Janet (p. 125)).
Nem a religião nem a filosofia parece serem suficientes para o velho jornalista vencer a solidão ou encontrar a felicidade.