[O texto seguinte sobre o conceito de problema foi transcrito, com muito ligeiras adaptações na apresentação do texto (incluindo subtítulos), do livro Pensar ao Contrário (de Berthold Gunster. Alfragide: Lua de Papel), pp. 51-52]
Não existem problemas, só factos.
É bom assegurarmo-nos de que temos uma compreensão sólida do que é um problema. Do que estamos a falar ao certo quando usamos a
palavra “problema”?
A palavra dá a ideia de que um problema é uma coisa, como um urso na nossa sala de estar. Se o urso se for embora, vai com ele o problema. Ou o problema poderia ser a chuva, ou uma criança queixosa, ou aquela casa de férias dececionante voltada para o pátio. Mas a realidade é mais complexa. Um problema nunca é somente uma coisa; por definição, um problema consiste em duas coisas:
- uma ideia ou desejo sobre como a realidade deveria ser e
- uma perceção da realidade como estando em conflito com essa ideia ou desejo.
Aparentemente, o urso é o problema, mas o verdadeiro problema consiste na tensão entre
- o facto da presença do urso e
- o seu desejo de continuar vivo.
Facto e problema
Talvez isso possa parecer absurdo, e admito que poderá ser um pouco forçado, mas não desista já. Imagine, como exploração filosófica, que o seu objetivo é fazer um filme consigo a ser comido por um urso (fixe!). Nesse caso, como é evidente, o urso não seria um problema. Se tem ou não um problema devido à presença dele depende da sua intenção. O urso é somente o facto da situação. De forma similar, o estado do tempo, crianças queixosas ou uma casa de férias voltada para o pátio não são problemas em si mesmos e por si só. A forma como definimos as nossas expectativas determina se iremos experienciar determinados factos como constituindo problemas – ou não.
A conclusão lógica desta perspetiva só poderá ser de que não podem existir problemas no mundo à nossa volta. As coisas são o que são. Sem significado. Até lhes atribuirmos um significado. A realidade são apenas dados que nós interpretamos.
Consigo compreender que, na vida humana normal, um urso enorme na sala de estar seja imensamente problemático. Mas mudemos a perspetiva. Imagine que é você o urso e que está com fome.
Problema de uns, intenção de outros
Tenho consciência de que este exemplo é rebuscado, por isso pensemos numa experiência real que eu tive. Quando o meu filho mais velho tinha 11 anos, sempre que eu ia tomar um duche a cabeça do chuveiro estava demasiado baixa. Tinha já verificado algumas vezes que era ele quem usara o chuveiro antes de mim. Por fim, falei com ele um dia de manhã sobre o problema, pedindo-lhe, irritado, que voltasse a colocar a cabeça do chuveiro onde estava antes. Ele ouviu atentamente e depois respondeu: “Não me importo de fazer isso. Mas, posso falar agora de uma coisa que me irrita todos os dias?” Eu respondi “claro, diz lá o que é”. “Todas as manhãs, quando vou tomar banho”, disse ele, “a cabeça do chuveiro está demasiado alta. Poderias fazer o favor de a colocar onde estava daqui em diante?”
O que é um problema para uma pessoa pode ser a intenção de outra pessoa, e vice-versa. Isto sublinha o facto de que, na realidade, não existem problemas, somente factos, e de que podemos interpretar os factos, quer como problemas (porque nos incomodam), como factos (porque nos são indiferentes), ou como oportunidades (porque vemos neles um aspeto positivo).
No que diz respeito a problemas, as coisas são efetivamente muito simples. Existem apenas dois tipos: quando falta alguma coisa que achamos que deveria estar lá, ou algo está lá que pensamos que não deveria estar. É só isso.