Religião e espiritualidade. O caso de Saramago

Juan José Tamayo

Em entrevista à revista espanhola Filosofía Hoy (ver guia especial Qué piensan los filósofos de hoy: ideas clave para entender nuestro mundo), o teólogo e filósofo Juan José Tamayo distingue religião e espiritualidade:

Religião e espiritualidade são fenómenos perfeitamente distinguíveis. A religião auto-remete para uma origem divina, é entendida como um sistema de crenças, frequentemente rígido, que reclama a adesão incondicional dos crentes, possui uma estrutura geralmente hierárquico-piramidal e patriarcal, que se afirma de inspiração divina, e se caracteriza por uma axiologia moral heterónoma, fundada sobre um texto revelado ou uma divindade transcendente. Tudo isso conforma uma conceção do mundo sob o signo da transcendência absolutista que não respeita a autonomia nem a liberdade dos crentes.

A espiritualidade move-se noutro nível. É uma dimensão fundamental do ser humano, a que é inerente, tal como a sociabilidade, a corporeidade, a subjetividade, a historicidade. Renunciar a ela significa cair na unidimensionalidade. Ora bem, a religião também tem uma dimensão espiritual: a que emana da sua relação com o mistério, com a transcendência, com a divindade, com o mundo do sagrado. Tal dimensão da religião caracteriza-se pela relação gratuita, não mediada por qualquer interesse venal, com a divindade ou com o que transcende o ser humano, o indizível, o inominável, o inexprimível com palavras. O mistério, disse Wittgenstein, não é como será o mundo, mas que o mundo seja. Não são poucos os cientistas que afirmam que é necessário conviver com o mistério que é o cosmos.

Portanto, para Tamayo

a espiritualidade não tem que estar vinculada a uma crença religiosa ou depender dela. Pode falar-se, assim, de uma espiritualidade laica, não religiosa, que remete para a profundidade, a interioridade, o mistério do ser humano.

E dá um exemplo pessoal:

Eu descobri uma fonte de espiritualidade na pessoa, na obra literária e na reflexão antropológica de Saramago, escritor ateu confesso e convicto, que define Deus como ‘silêncio do universo’ e o ser humano como ‘a voz que dá sentido a esse silêncio’.

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