RENASCIMENTO

O nº 11 da revista espanhola Especial Clío é dedicado ao Renascimento, analisado como fenómeno que ultrapassa as fronteiras de Itália

(apesar de tudo, “o lugar do planeta que marcou a pauta dos gostos e a moda desta época”)

e da arte: “o Renascimento foi também uma época da nossa história onde aconteceu um conjunto de factos sociais, económicos e políticos muito importantes”.

  1. Durante o Renascimento, como em poucos períodos da História, os tempos mudaram em marcha forçada e provocaram o adeus definitivo à Idade Média. Na sua origem, estiveram o aparecimento dos estados modernos e das armas de fogo; a revolução na arte; o poder do dinheiro e o auge do comércio marítimo; o prestígio do Humanismo… Como disse Leonardo da Vinci, “não estamos numa época de mudanças, mas numa mudança de época”.
  2. No entanto, os contemporâneos, apesar de conscientes de estarem a viver numa era extraordinária, nunca usaram a palavra Renascimento, popularizada apenas em meados do século XIX. O Renascimento não se diferenciou radicalmente da época anterior, tanto no que teve de positivo como de negativo (como, por exemplo, as guerras religiosas e a Inquisição); foi antes o resultado de uma continuidade.
    Há quem distinga três categorias de Renascimento: o “pequeno”

    (onde dominaram as figuras de Rafael, Miguel Ângelo, Leonardo e Petrarca);

    o “médio”

    (focado em Erasmo, Moro e Galileu);

    e o “grande”

    (que inclui não apenas elites, como as anteriores, mas as pessoas “normais” – a família, a mulher, a infância, a vida quotidiana.

  3. No final da Idade Média e inícios do Renascimento, a era dos Descobrimentos assentou as bases da atual globalização. Entre as várias razões para essa tarefa de descoberta de longínquos territórios desconhecidos, destaca-se o “paradoxo da pobreza”: a falta de recursos obrigou os europeus a adentrarem-se no desconhecido e desafiar o impossível. Tinha sido o caso da Grécia, na Antiguidade, foi, séculos mais tarde, o de cidades como Génova, Veneza e Lisboa

    (a Rússia, limitada por um mar gelado, orientou a sua expansão sobretudo para o interior, chegando a ser já o maior estado da Idade Média).

    Mas os europeus não foram os únicos (chamados) descobridores: foram também os chineses

    (em cujas invenções têm origem os avanços náuticos da marinha europeia: a caravela, a vela latina, a bússola,…),

    árabes

    (recorde-se o Império Otomano),

    mongóis

    (que conquistaram o maior império jamais conhecido: 34 milhões de quilómetros quadrados, desde a Coreia até ao Danúbio),…

    Quatro dos grandes descobridores esquecidos:

    o árabe Ibn Battuta (1304-1377. Durante 24 anos percorreu mais de 120.000 quilómetros);

    Zheng He (1371-1433. Ao Comando de 27.550 homens, percorreu o sudeste asiático e África entre 1431 e 1433);

    Ahmad Ibn Majid (c. 1421-1500. Um muçulmano que navegou pelo o oceano Índico e o cabo da Boa Esperança antes de Vasco da Gama);

    o almirante otomano Piri Reis (1465-1555. Entre diversas obras, escreveu um atlas que contém o famoso “mapa de Piri Reis”, que demonstra que os seus espias estavam perfeitamente informados acerca das explorações dos seus inimigos europeus).

  4. O Renascimento foi um tempo para o Humanismo e a Reforma. Contudo, é importante destacar que os humanistas nunca renunciaram a Deus, já que todos eles procuraram um equilíbrio entre a razão e a fé; a sua crítica, tal como a dos hereges medievais, dirigiu-se apenas contra os excessos da Igreja. Defendia-se que o Homem não apenas era livre como se exortava a que ele utilizasse essa liberdade para desenvolver todas as suas capacidades, o que permitiu um notável desenvolvimento artístico e literário

    (estas ideias divulgaram-se rapidamente graças à invenção da imprensa e ao aparecimento das primeiras editoras).

    “Copérnico falando com Deus”, de Jan Matejko

    A Reforma protestante não se deveu tanto a diferentes ideias como a interesses materiais opostos. Henrique VIII viu na construção de uma Igreja nacional a oportunidade de se apoderar dos bens da Igreja de Roma na Inglaterra; vários príncipes alemães deram-se conta de que o cisma luterano (consumado em 1531) lhes permitia retirar o poder imperial a Carlos V e, simultaneamente, seguir o exemplo de Henrique VIII em relação aos bens da Igreja romana. Por outro lado, o estudo da respetiva vida e obra mostra que todos os humanistas viram este período do mesmo modo, tanto no grupo católico

    (Tomás Moro (1478-1536. Executado às ordens do rei inglês, por não o apoiar); Vittoria Colonna (1490-1547. Tentou reformar a Igreja católica a partir de dentro); Luís Vives (1492-1540. Defendeu uma reforma pacífica)),

    como no grupo protestante

    (Martinho Lutero (1483-1546. Com a sua oposição às indulgências eclesiásticas, iniciou a Reforma); Henrique VIII (1491-1547. Contrário ao catolicismo e ao luteranismo, fundou a Igreja anglicana, em que a coroa concentrava todo o poder); Ulrico Zwinglio (1484-1531. Impulsionou a nova visão religiosa em alguns cantões da Suíça); João Calvino (1509-1564. Mais radical, não aceitava nada que não estivesse na Bíblia. Os seus partidários receberam várias designações: huguenotes, em França, puritanos, em Inglaterra, presbiterianos, na Escócia),

    ou num grupo aparte 

    (que não alinhou nem com católicos nem com protestantes: Erasmo de Roterdão (1466-1536); Thomas Münzer (1490-1525); François Rabelais (1494-1553); Miguel Servet (1511-1553)).

    Face à rebeldia de alguns teóricos, a Igreja de Roma decidiu contra-atacar e criou a Contrarreforma. Enquanto a razão se esforçava por iluminar a sociedade mediante a filosofia, a arte e a ciência

    (onde se destaca a defesa, por Copérnico, do heliocentrismo, a que se opuseram tanto católicos como protestantes; e as figuras do físico Galileu, do astrónomo Tycho Brahe, Giordano Bruno, Newton, o médico e alquimista Paracelso,…),

    a caça às bruxas e a Inquisição ensombravam e desprestigiavam a fé. Mas o ser humano impunha-se como referência e Deus parecia cada vez mais longínquo. Será por acaso que a palavra ateísmo nasceu precisamente nesta época?

  5. Com o Renascimento, nasceu o capitalismo. O que o tornou possível, entre outros motivos, foram os benefícios do comércio da lã; a importação de serviços financeiros procedentes da Ásia

    (os italianos foram os primeiros a introduzi-los);

    a conquista de novos mercados para lá da Europa; as riquezas das cidades-estado da Flandres e Itália

    (a indústria têxtil gerou, tanto na Flandres como em Florença, um grande desenvolvimento económico e cultural, não sendo por acaso que mais de metade dos humanistas e artistas italianos nasceram nesta cidade ou em povoações controladas por elas);

    o aparecimento da ética protestante e com ela um novo prestígio social de banqueiros e mercadores

    (a “ética protestante” considerou o enriquecimento como sinal de predestinação e salvação eterna, “legalizando” a usura, que a Igreja Católica condenava como pecado, há vários séculos) ….

    Contudo, e apesar do esplendor do comércio, a principal fonte geradora de riqueza era a terra; e faltam ainda alguns séculos para a emancipação da burguesia. Mas a mudança de mentalidades necessária teve lugar nesta época.

  6. No Renascimento, técnica e ciência aliaram-se para dar o tiro de partida para a modernidade. Os livros impressos revolucionaram a cultura

    (apenas seis décadas após a invenção de Gutenberg, 236 cidades já tinham imprensa);

    a pólvora mudou a forma de fazer a guerra; mapas e bússolas permitiram percorrer o mundo; o telescópio

    (usado para fins astronómicos por Galileu, o grande ícone da ciência renascentista)

    descobriu-nos o mundo exterior e o microscópio, o interior…

  7. Mas o Renascimento, primeiro a partir de Florença e, posteriormente, de Roma, lançou ao Mundo um autêntico aluvião de arte, um sem fim de obras dignas de provocar a chamada “Síndrome de Stendhal”. A lista de nomes é infindável: Miguel Ângelo, Rafael, Leonardo, Brunelleschi, Dürer, el Greco, Bramante, Fra Angelico, Botticelli, Perugino… fizeram nascer uma nova arte com estilo próprio e em liberdade

    (resultado da busca da beleza e da pureza espiritual).

    Tomando como referência o património do passado clássico, recuperou-se a tradição do retrato, própria dos patrícios romanos, estendendo-a aos mais poderosos da sociedade e depois às pessoas “normais”; pintura e escultura encontraram novos temas com o retrato, os nus e a mitologia; apareceram novas técnicas como a perspetiva. O acesso dos Médici ao poder da República de Florença fez dela a capital mundial da arte, no século XV e inícios do XVI; mas, durante a segunda metade do século XVI e o século XVII, Roma foi o lugar do mundo com maior número de artistas por metro quadrado.

    “O Bibliotecário”, de Arcimboldo

    (nb: houve outro Renascimento que não seguiu os estereótipos de racionalidade e beleza que impregnaram a busca dos clássicos: foi um Renascimento surrealista, humorístico e esotérico, que inclusive procurou inspiração no Antigo Egito. Pode ser exemplificado, entre muitas outras, pelas obras de Arcimboldo, como O Bibliotecário, ou pela escultura do francês Ligier Richier no túmulo do príncipe de Orange na igreja de Saint-Etienne de Bar-le Duc).

Um número substancial de páginas da Clío é dedicado à análise do adeus a “o renascentista”

(e de questões como: quando e porquê acabou o Renascimento? onde foi mais querido o seu fim e onde deixou mais saudades? quem tirou mais partido do seu desaparecimento? em suma, o que impulsionou a sociedade europeia a esquecer o equilíbrio do Renascimento e a apostar nos excessos do Barroco?)…

… ao desenho de 3 percursos turísticos pelo Renascimento: pela Toscana italiana

(com destaque para a bela Siena e a capital, Florença),

cuja paisagem deve muito ao Renascimento e que conta com 7 lugares que são Património da Humanidade; pelos castelos franceses do Loire

(com o de Chambord visto como emblema do Renascimento francês);

e pela Espanha

(a literatura, a música, a escultura e a pintura, a arquitetura…)…

… e ao retrato de alguns protagonistas: o grande mestre Leonardo da Vinci, lendário ícone do Renascimento; a musa italiana Simonetta Vespucci, a mulher mais bela de Itália; o Papa Alexandre VI, que foi acusado de numerosos escândalos, intrigas e conjuras e mesmo de crimes, mas cujo reinado não pode ser mais representativo do Renascimento; Lorenzo o Magnífico, o mecenas de tudo isto; Giorgio Vasari, o biógrafo do Renascimento; Gutenberg, o impressor arruinado (por falta de talento para o negócio) a quem se atribui a invenção da imprensa (aparecida na China 4 séculos antes…); o misterioso Cristóvão Colombo, o descobridor por descobrir

(onde e quando nasceu? era cristão ou judeu? que aspeto tinha? onde repousam os seus restos?…);

e a pintora Sofonisba Anguissola

(provavelmente a primeira mulher que se autorretratou…)

…terminando com um texto sobre a Guarda Suíça do Vaticano:

o seu uniforme foi desenhado por Miguel Ângelo? vestiu-se assim a guarda pretoriana do Papa desde os seus inícios? Por que razão tem o Vaticano um exército formado apenas por homens provenientes da Suíça?

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