Na edição do passado dia 8 de dezembro, o Expresso (no suplemento Atual) publicou uma lista de 50 discos (e mais uns… suplentes) “que toda a gente deve ouvir”. Entretanto, desses e na web, o mesmo periódico publicou uma lista dos 50 discos de música clássica (do século XIV ao XXI) e outros tantos de jazz. Listas polémicas, obviamente, mas… listas que podem dar-nos a conhecer obras que nem sabíamos existirem.
Das obras de música clássica faz parte um álbum que acho delicioso: Llibre Vermell de Montserrat (Livro Vermelho de Montserrat).
Na montanha de Montserrat, a uns 60 km de Barcelona, o mosteiro (e o recinto) de Montserrat é um dos mais visitados de Espanha e, desde há muitos séculos, um notável ponto de peregrinação: diz a lenda que, no final do século IX uma imagem da Virgem Maria (a “Santa Negra”, padroeira da Catalunha) foi encontrada numa das cavernas locais. A imagem que hoje é aí venerada é uma maravilhosa estátua em madeira de finais do século XII ou inícios do século XIII.
Na Espanha medieval, havia sobretudo dois centros de peregrinação: Santiago de Compostela (aonde acorriam peregrinos de toda a Europa) e Montserrat (lugar de peregrinação reservado aos peregrinos da região, cedo transformado em centro do culto da Virgem em toda a Catalunha). Segundo alguns documentos, havia já na montanha de Montserrat, desde os finais do século IX, um certo número de eremitérios e uma capela dedicada à Virgem; por volta de 1027, é fundado um pequeno convento que se torna cada vez mais célebre até se transformar, no final da Idade Média, num dos centros culturais mais importantes de toda a Catalunha e as peregrinações se multiplicarem rapidamente. Os monges de Montserrat foram sempre homens muito cultos, pelo que, desde a sua fundação, a abadia foi um pequeno centro cultural.
São raros os documentos relativos aos primeiros séculos de existência do mosteiro: a sua biblioteca extremamente rica e os seus arquivos arderam em 1811, aquando da invasão napoleónica. O manuscrito mais precioso de todos os que se conservaram é sem dúvida o célebre manuscrito nº 1, mais conhecido sob o nome de Llibre Vermell, que se chama assim por estar encadernado com umas capas vermelhas, do século XIX. Originalmente, teria umas 172 folhas (formato in-folio), de que conservamos apenas 137. Como acontece com outras recolhas medievais, é constituído por textos de natureza extremamente diversa. O seu repertório nasceu da intenção de colocar à disposição dos peregrinos algumas canções apropriadas ao sítio e que, temporariamente, deviam substituir as provenientes da tradição popular. A seguir à primeira das canções, o copista teve o cuidado de anotar o objetivo, considerando a vontade frequente dos peregrinos “de cantar e de dançar”, até no recinto. “Como aí não se pode cantar senão canções decentes e devotas, algumas canções apropriadas foram colocadas antes e após esta nota. Devem ser utilizadas de maneira conveniente e moderada, de modo a não perturbar os que continuam as suas orações e meditações”.
A cópia destas canções, obras de vários compositores, terá terminado durante o ano de 1399, admitindo-se que a maior parte delas foi criada bastante antes e que, entretanto, a tradição confirmou a importância dos textos e das melodias. Uma das características talvez mais curiosas destas composições é o facto de três delas serem qualificadas de danças. À sua chegada, os peregrinos que queriam prostrar-se diante da Virgem dispunham, portanto, não apenas de um reportório de canções que poderiam substituir as que não convinham à vida em comum naquele lugar sagrado, como ainda de um reportório de danças através das quais poderiam exprimir a sua alegria.
Ouça essas canções, na interpretação do Hespèrion XX, de Jordi Savall, com a voz de Montserrat Figueras:
NOTAS:
- este texto foi plagiado do booklet que acompanha o álbum Llibre Vermell de Montserrat;
- pode acontecer que o vídeo seja eliminado do Youtube e a hiperligação anterior deixe de funcionar; se isso acontecer, por favor, avise-me;
- diga-nos o que acha deste Llibre Vermell.