A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Este é um poema de Carlos Drummond de Andrade, com o qual celebramos o nascimento, a 31 de Outubro de 1902, do poeta, contista e cronista brasileiro.
Proponho uma análise filosófica do problema da verdade, a partir do poema. Parece que Drummond defende uma posição relativista. Ou cética? Curiosamente, apresenta a discussão da verdade numa perspetiva estética: “Chegou-se a discutir qual a metade mais bela” — e não a metade mais verdadeira. E a opção, no caso da verdade, é um assunto de capricho, ilusão, miopia.
Mas, por outro lado, Drummond entende que “a porta da verdade [está] aberta”, o que parece indicar que o poeta crê na possibilidade de (algum) conhecimento — e, portanto, se nega qualquer relativismo ou ceticismo.
O que acha o leitor que o poeta defende? e o que acha do que o poeta defende — concorda com ele?
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||| N’O meu Baú, outras notas sobre (e poemas de) Drummond, aqui.