Duchamp, criador do readymade

A 2 de outubro de 1968, morreu Marcel Duchamp, pintor e escultor francês (nascido a 16 de maio de 1887), criador do termo ready-made (ou readymade).

Ready-made é um objeto de consumo industrializado que o artista utiliza sem ter modificado em nada a sua estrutura original. Esses objetos designados pelo conceito de “já acabado”, explicou Duchamp, “assinei-os e coloquei-lhes uma inscrição em inglês”. E exemplificou: “comprei uma grande pá de neve, na qual escrevi Em Previsão do Braço Partido (In advance of the brocken arm)… Não faças um esforço demasiado para entenderes isto de uma forma romântica, impressionista ou cubista, pois não tem nada a ver com isso”.

O ready-made mais famoso (e divertido) de Duchamp deve ser A Fonte, um urinol de porcelana.

Em 1917, foi fundada em Nova Iorque a nova Society for Independent Artists que tinha por modelo o Salón des Indépendants de Paris. Qualquer pessoa que pagasse seis dólares podia apresentar dois trabalhos. Duchamp era um dos diretores do grupo, mas como ele não gostava da organização, decidiu provocar os responsáveis pela escolha e exibição dos objectos, ao apresentar a Fonte sob pseudónimo.

A Fonte era um urinol de porcelana de um modelo que, quando montado numa casa de banho pública, só poderia ser usado por um homem a urinar de pé. Sem qualquer dúvida, a comissão de selecção dos trabalhos teve de imediato a visão de um homem a urinar ou outras hipóteses picantes, quando se viu confrontada com o objecto. Duchamp limitou-se a comprar o urinol e a colocá-lo simplesmente sobre o lado plano, pelo que ficava «erecto». Assinou a base, logo a seguir ao buraco do cano: R. Mutt. Embora a assinatura fosse inspirada em Mutt e Jeff, personagens de histórias aos quadradinhos, e o «R» significasse «Richard», o que em sentido familiar, em francês, quer dizer «pessoa rica», a comissão pensou que se tratava de uma partida de mau gosto. Mas Duchamp estava também a brincar com o verdadeiro nome da empresa de Nova Iorque onde ele adquiriu o urinol, a «Mott Works», alterando ligeiramente a ortografia, como era tão típico nele.

A Fonte nunca foi exposta (o primeiro problema que se punha era a embaraçosa questão da altura de colocação), apesar de R. Mutt ter pago os seis dólares. A peça nem tão-pouco foi mencionada no catálogo. Estranhamente, Katherine Dreier, que estava familiarizada com outros readymades de Duchamp e que também era membro da comissão de selecção, não se apercebeu de quem estava por trás do pseudónimo. Houve reclamações, e Walter Arensberg, que teve conhecimento da «partida», propôs-se comprar a Fonte para ajudar o artista, mas não se conseguiu encontrar o objecto. Passado algum tempo, foi descoberto atrás de um tabique onde tinha estado enquanto durou a exposição. Convenceram Alfred Stieglitz a tirar uma fotografia quase dignificante da Fonte, que veio a sair no segundo número da The Blind Man, uma revista publicada por Duchamp, Beatrice Wood e Henri-Pierre Roché, onde o caso R. Mutt foi defendido com um ar falsamente inocente: «A Fonte do Sr. R. Mutt não é imoral, é absurda, tem tanto de imoral como uma banheira. É um objecto que se vê todos os dias nas montras dos canalizadores. Se o Sr. Mutt fez a Fonte com as suas próprias mãos ou não, isso não tem qualquer importância. Ele ESCOLHEU-A. Pegou num artigo corrente da vida, colocou-o de forma que faz desaparecer o significado utilitário sob o novo título e ponto de vista – deu-lhe um novo sentido.»

Estranhamente, após tudo isto, foi o próprio Arensberg quem extraviou o original do urinol. Tal como a Roda de Bicicleta, o Escorredor, Em Previsão do Braço Partido e outros readymades, foram substituídos por réplicas. Foi o sentido e não o objecto que foi salvaguardado.

[Janis MINK. Duchamp: 1887-1968: A Arte como Contra-Ataque. Köln: Taschen/Público, 2004, p. 63-67]

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