Problema da definição de arte

O problema da definição de arte

O presente artigo foi escrito com o propósito de apoiar o módulo A dimensão estética, incluído no programa (Aprendizagens Essenciais) de Filosofia do 11º ano.

Para melhor formularmos o problema da definição de arte, recuemos até ao início do 10º ano, quando respondemos a duas questões:

  1. o que é a filosofia?
  2. o que é que a filosofia estuda?

Para exemplificar a resposta à segunda questão, entre os exemplos de problemas filosóficos então dados, estava este:

  • é possível definir a arte?

Filosofia da arte

Como então dissemos, estudamos este problema numa disciplina filosófica com o nome Estética ou Filosofia da arte.

[Nota:  há filósofos que usam Estética e Filosofia da arte como duas designações para a mesma disciplina. Mas há outros que entendem que se trata de duas disciplinas, que estudam problemas diferentes. Não vamos, agora, discutir esta questão, para não nos desviarmos para problemas laterais ao nosso; aqui, não faremos a distinção, entendendo que estética e filosofia da arte são idênticas]

Na unidade A dimensão estética do 11º ano (Aprendizagens essenciais), iremos…

  1. formular o problema da definição de arte, justificando a sua importância filosófica.
  2. avaliar a ideia de que a arte é definível e as propostas de definição apresentadas.
  3. identificar e classificar diferentes posições sobre a definição de arte.
  4. clarificar os conceitos nucleares, as teses e os argumentos das teorias da arte como representação, arte como expressão, arte como forma, teoria institucional e teoria histórica.
  5. analisar criticamente cada uma destas propostas de definição de arte.

O presente artigo, vamos dedicá-lo ao ponto 1: formular o problema da definição de arte, justificando a sua importância filosófica.

O problema da definição de arte

Todos reconhecemos obras de arte. Pode ser

  • um dos quadros mais populares: Guernica de Picasso;
  • ou um filme, como Matrix das irmãs Lilly e Lana Wachowski, muito explorado filosoficamente;
  • ou um romance, como Os Maias de Eça de Queirós;
  • ou uma composição musical, como uma sinfonia de Beethoven;

L.H.O.O.Q.  (um dos ready-mades de M. Duchamp:
reprodução da conhecida Mona Lisa, de Leonardo da Vinci,
a que Duchamp desenhou um bigode e uma pera.
L.H.O.O.Q. é homófono em francês de «Elle a chaud au cul»,
literalmente, «Ela tem o cu quente»,
que poderia traduzir-se como «Ela está excitada sexualmente»).

Durante séculos, esteve mais ou menos esclarecido o que era arte, apesar de a arte ter significados diferentes, conforme as culturas e as épocas. Contudo, no nosso tempo emergiram novas formas de arte, algumas tão estranhas que parece que tudo e mais alguma coisa pode ser arte:

[M. Duchamp : Fonte]

  • a obra artística mais famosa (e divertida) do pintor e escultor francês Marcel Duchamp (1887-1968) é a Fonte: trata-se de um urinol de porcelana. A obra de Duchamp revolucionou a arte como nenhuma outra: “assume que qualquer objeto pode ser declarado como sendo arte se estiver equipado com os atributos característicos de uma obra de arte” (Dietmar Elger). E nós podemos perguntar e quais são esses atributos?. Ele é o criador do termo ready-made (ou readymade); como se explica neste artigo do Baú onde pode ser vista uma fotografia da Fonte, Ready-made é um objeto de consumo industrializado que o artista utiliza sem ter modificado em nada a sua estrutura original. O primeiro ready-made de Duchamp é um banco, sobre o qual tinha sido montada uma roda de bicicleta;
  • em 1952, o compositor John Cage apresentou uma música a que deu o título sugestivo de 4’33” (ler 4 minutos, 33 segundos): é um composição musical com 4 minutos e 33 segundos… de silêncio (isso mesmo! de silêncio). Pode ouvir… interpretações, no Youtube: esta, por exemplo;

O problema da definição de arte agudizado por obras como este quadro de Yves Klein

[Yves Klein : Monochrome bleu sans titre]

  • O pintor francês Yves Klein (1928-62) é uma figura marcante da antiarte que despontava nos anos 60. Entre outras obras, é autor de quadros monocromáticos, principalmente azul (ver imagem anterior), e de impressões de modelos nus em tela ou papel (os seus modelos eram completamente cobertos de tinta ou de ouro em pó e deitavam-se diretamente nas telas).
  • A temática surrealista, para dar mais um exemplo, não conhece limites e as suas obras são frequentemente desconcertantes e até impenetráveis: o pequeno filme Um Cão Andaluz de Salvador Dalí e Luis Buñuel é uma boa ilustração:https://www.youtube.com/embed/YJCcLbtSD6oOs princípios cubistas reescreveram as regras e as expectativas de como se podiam fazer pinturas e esculturas. Qualquer tipo de material podia ser usado para criar arte. Nas pinturas, qualquer coisa podia acontecer. A escultura devia ser aberta.
  • …E a lista de estranhezas (incluindo os comportamentos escandalosos e malcriados de alguns dos artistas) poderia continuar (se quiser aprofundar este assunto, procure na Internet por Dadaísmo, Surrealismo, Minimalismo, Realismo, Fluxus…).

É possível definir o que é a arte?

Perante alguns destes exemplos (ou todos), há quem exclame isso até eu faria!!!; ou, então, pergunte/exclame mas isto é arte?!  O que nos interessa aqui é que todas estas formas de arte puseram em questão o conceito mais ou menos bem definido de arte:

Por exemplo, [antes] era uma condição necessária, para que uma coisa fosse uma pintura ou uma escultura, que fosse uma imagem, a duas ou três dimensões, de um objeto ou acontecimento, real ou fictício. Aquilo a que hoje chamamos arte abstrata não seria admitido como arte por não satisfazer este requisito. A música combinava sons de acordo com regras respeitantes à harmonia, melodia e ritmo, e modalidades estabelecidas, como a sonata, a fuga e a sinfonia. Assim, as obras de Cage ou Stockhausen não se enquadrariam nesse domínio. A literatura, o teatro e a dança obedeciam também a regras próprias e não havia qualquer lugar no sistema das artes para realidades como os happenings, os objects trouvés, os ready-made ou a arte concetual. «Objeto ansioso» foi a expressão inventada pelo crítico de arte Rosenberg para designar a espécie de criação artística que visa deliberadamente manter-nos na incerteza sobre se é ou não uma obra de arte. O mais célebre de todos foi A Fonte, de Duchamp, mas outros apareceram depois dele que continuaram a dividir os filósofos quanto à posição que deviam tomar a seu respeito.

[Carmo D’Orey (org.). O que é a arte? : A perspetiva analítica. Lisboa: Dinalivro, 2007, pp. 9-10]

Perguntemo-nos, então…

  • afinal, o que é a arte?
  • neste contexto, é possível definir explicitamente o que é a arte?

Para responder a estas perguntas, teríamos de encontrar o que há de comum entre as sinfonias de Beethoven, a 4’33” de Cage, Os Maias de Eça, a Fonte (urinol) de Duchamp, e muitos e diversos outros objetos atualmente reconhecidos como arte. Esta é uma tarefa no mínimo difícil e talvez mesmo impossível.

Face a esta diversidade tão grande,

  • Alguns filósofos respondem às duas perguntas anteriores dizendo que não é possível dar uma satisfatória definição geral de arte que cubra todas essas obras. Como observa D’Orey [ver obra citada], a dificuldade não está na complexidade da definição, mas numa impossibilidade lógica que tem que ver com as regras de aplicação de ‘obra de arte’ e que pode ser verificada analisando essas regras. O que elas revelam, quando escrutinadas, é que não há qualquer propriedade que seja comum a todos os objetos a que aplicamos a expressão ‘obra de arte’ (p. 17). Estes filósofos da arte são conhecidos como não essencialistas.
  • Mas há também filósofos que defendem que sim, que é possível definir a arte — e, claro, propõem definições. São os filósofos essencialistas .

Mas este será assunto para um próximo artigo.

Programa de filosofia - 11º ano

O presente artigo foi escrito com o propósito de apoiar o módulo A dimensão estética, incluído no programa (Aprendizagens Essenciais) de Filosofia do 11º ano e desenvolvido, como acima se disse, em 3 pontos gerais:

  1. O problema da definição de arte.

  2. Teorias essencialistas: a arte como representação, a arte como expressão e a arte como forma.

  3. Teorias não essencialistas: a teoria institucional e a teoria histórica.

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