Cientista, pensador e escritor francês, Blaise Pascal nasceu em Clermont-Ferrand, a 19 de junho de 1623. Aos três anos, perde a mãe. Em 1632, a família muda-se para Paris. O pai (matemático, jurista e presidente do tribunal dos impostos, com grande interesse pela ciência e pelas matemáticas) será o seu mestre (tanto no domínio das ciências como no das letras clássicas) e o das irmãs. Deste modo, Pascal evitará o ensino dos colégios, escapando ao jugo da escolástica aristotélica.
O seu pai está muito ligado ao padre Marin Mersenne (figura central no mundo intelectual da época, amigo e mentor de Descartes), em cujo círculo de sábios introduz o filho. É deste modo que Pascal convive com o famoso matemático Fermat, Gassendi, Roberval, entre outros; em 1647 conhecerá Descartes.
Pascal revela-se uma criança extremamente precoce e talentosa e conseguiu ao longo da sua curta vida impressionantes façanhas intelectuais. Embora de saúde débil, trabalha bastante: matemático de primeira linha, publica o seu primeiro artigo sobre matemáticas aos 16 anos; com 17 anos, o Essai sur les coniques (Tratados das Secções Cónicas), onde manifesta já a maneira figurativa e sintética de encarar a realidade; em 1642-1643, idealiza e constrói uma máquina calculadora mecânica (em sua homenagem, recebe o seu nome uma linguagem de programação do século XX).
Justamente reconhecido como um dos fundadores da ciência moderna, a primeira preocupação de Pascal era a religião. Ao longo da sua vida, passou por duas conversões religiosas: primeiro, em princípios de 1646 e sob influência das obras de Saint-Cyran, para o jansenismo (uma doutrina religiosa, inspirada nas ideias do bispo Cornelius Otto Jansenius, condenada pelo Papa); depois, para o cristianismo convencional. Por influência da irmã Jacqueline e na sequência de uma revelação mística, de uma experiência direta com Deus, na famosa noite de 23 de novembro de 1654, Pascal recolheu-se a Port-Royal, onde se aproxima dos jansenistas, que defende em Les Provinciales.
Deus, eixo da vida de Pascal
Decide renunciar à “vida mundana” a que se entregara por algum tempo; Deus torna-se o eixo da sua vida e dedica-se à reflexão filosófica e religiosa, sem renunciar ao trabalho científico. Mantém importante correspondência com Fermat, lança com ele e Huygens as bases do cálculo de probabilidades (que resumiu num trabalho sobre a roleta, em 1658) e do cálculo infinitesimal e redige diversos tratados de matemática que fornecem motivos e sugestões para a sua experiência religiosa. Datam deste período as suas duas obras mais famosas: a já referida Les Provinciales (As Provinciais) e, sobretudo, Pensamentos.
- A primeira (1656) é um conjunto de dezoito cartas escritas em defesa do jansenista Antoine Arnauld – oponente dos jesuítas que estava em julgamento pelos teólogos de Paris. As cartas (dirigidas a um amigo morador na província sobre os acontecimentos de Paris) testemunham a intervenção de Pascal, de um modo nem sempre imparcial, no debate teológico relativo à questão da graça; acusa os jesuítas de substituir o dever pelo interesse, a moral pelo legalismo. Foram publicadas anonimamente, depois sob pseudónimo, apareceram clandestinamente, sem autorização, o que valeu ao seu autor ser procurado pela polícia. O seu sucesso foi imediato, também explicado pelas qualidades polémicas e literárias da obra (o autor maneja magistralmente a arte dialética, a ironia, a eloquência). Foram colocadas no Índex em 1657.
- Pensamentos não é em si mesmo um tratado filosófico, ainda que adiante vários temas que serão tratados na filosofia posterior, críticas à metafísica escolástica e cartesiana; os pensadores existencialistas posteriores reivindicarão a paternidade de Pascal. Pensamentos é uma compilação de aforismos e fragmentos (reunidos e publicados postumamente, em 1670, pelos seus amigos) de notas que elaborou para um livro apologético da religião cristã, destinado a converter ao cristianismo indiferentes e incrédulos. Contém o núcleo do seu pensamento. É aí que se encontra a sua frase mais citada: “O coração tem as suas razões, que a razão desconhece” (“Conhecemos a verdade não apenas pela razão, mas também pelo coração”).
Inscrito na tradição retórica humanista, este desejo de persuadir motivara o opúsculo De l´Art de persuader (A Arte de persuadir, escrito por volta de 1657), onde, ao mesmo tempo que exprime os seus princípios literários, se dedica à procura de um método seguro para persuadir o outro. Pascal apela na sua obra, sucessivamente, ao “espírito de geometria” (o raciocínio matemático, que utiliza a razão) e ao “espírito de finura” (“esprit de finesse”, a lógica do coração). Ao falar de coração, refere-se à inteligência não reduzida à razão, não limitada pelas regras lógicas e pelo raciocínio hipotético, mas à capacidade que a inteligência humana tem de penetrar na essência do real e de captar os princípios que regem a realidade. É a intuição contra o raciocínio progressivo, o infinito contra o finito, o inefável contra o formulável.
Homem de ciência, quer induzir a adesão por meio de regras universalmente válidas, como fazem os geómetras; mas também sabe tocar a imaginação e o coração com “verdadeira eloquência”, ora dramática (repetições, antíteses), ora patética (perguntas, exclamações apaixonadas), mas sempre comedida. Distancia-se tanto de Aristóteles, cuja análise silogística critica, como de Descartes, na medida em que os princípios, segundo Pascal, são acessíveis ao coração mas não à razão.
Entre 1660 e 1662, Pascal desenha o primeiro serviço de transportes públicos urbano do mundo (cujos lucros cedeu por inteiro aos pobres, apesar de sofrer de péssima saúde desde 1650) e uma primeira versão da roleta. Morreu, em Paris, a 19 de agosto de 1662, na sequência de uma prolongada e penosa doença.
A aposta de Pascal
Conhece-se por este nome um argumento interessante e engenhoso acerca da existência de Deus, que aplica a matemática da probabilidade à questão de acreditar ou não em Deus. Em rigor, não se trata de uma prova da existência de Deus: ao contrário, o argumento parte da hipótese de que não se pode estabelecer que Deus existe ou que não existe; converte o espinhoso debate sobre este problema numa mera questão de pragmatismo.
A tese aparece em Pensamentos. Para perceber em que consiste a aposta de Pascal, imaginemos quatro cenários:
- Acreditamos em Deus e ele existe: o excelente prémio será uma vida de paz e felicidade eternas no Céu.
- Acreditamos em Deus e ele não existe: não ganharemos nada e perderemos muito pouco (talvez alguns prazeres terrenos).
- Não acreditamos em Deus e ele não existe: não ganharemos nada, mas, mais uma vez, o que perdemos é muito pouco.
- Não acreditamos em Deus e ele existe: será uma “chatice”, porque perderemos a possibilidade da vida eterna, o tal grande prémio (e podemos até correr o risco da condenação eterna).
Em conclusão: o que podemos ganhar acreditando em Deus é infinitamente superior ao muito pouco que podemos ganhar com a descrença. Portanto, o mais inteligente sem dúvida é a crença na existência de Deus, com a qual nos arriscamos a perder pouco e a ganhar muito.
A aposta parece ser acertada, mas é possível levantar-lhe sérias objeções. Em artigo a publicar aqui brevemente, tentarei mostrar como ela deixa algo a desejar.
||| Hipótese de exploração: para além do referido em cima, a importância de Pascal na história da ciência, sobretudo da matemática, constata-se nas suas “descobertas” como o princípio de Pascal, o teorema de Pascal, o triângulo de Pascal…
||| Um livro interessante do espanhol Carlos Goñi (Las narices de los filósofos. Barcelona: Ariel, 2008) é uma história da filosofia através de 50 pensadores essenciais. Goñi dedica a Pascal o capítulo 20º.