- Um dos grandes debates científicos da História opôs, a 30 de junho de 1860 e na Universidade de Oxford, o bispo Samuel Wilberforce e o cientista Thomas Huxley, a quem Darwin confidenciou as suas ideias evolucionistas, de que foi buldogamente defensor (nessa tarefa substituindo Darwin, cujos dotes oratórios não foram assinaláveis). No momento mais célebre da discussão, Wilberforce teria perguntado a Huxley se pensava descender do macaco por via da sua avó ou do seu avô.
Em Fevereiro passado, uma espécie de remake desse encontro lendário juntou o biólogo e conhecido ateu Richard Dawkins (e autor de obras muito divulgadas como A Desilusão de Deus ou O Relojoeiro Cego) e o arcebispo de Canterbury, Dr Rowan Williams, novamente na universidade de Oxford (um encontro de que há registo em vídeo, no Youtube). Apesar dos mais de 150 anos que separam os dois debates e dos progressos aparentes, o grau de consenso conseguido em ambos é o mesmo: nenhum.
- Tomo como referência a Igreja de Roma, que conheço melhor e que nos está mais próxima. O Vaticano aceita hoje, oficialmente e como possibilidade explicativa, a teoria evolucionista (Bento XVI declarou mesmo, em 2007, que a pretensa contradição entre essa teoria e a Bíblia era absurda) – mas submetendo-a à ação divina: o início do processo evolutivo teve origem na criação do Universo por Deus; o evolucionismo e o criacionismo (uma teoria explicativa da origem do mundo e do homem baseada no primeiro livro da Bíblia, o Génesis) são, por isso e segundo Roma, duas teorias compatíveis. Do mesmo modo que não há qualquer problema com o Big Bang, sob uma condição: que seja o resultado da organização de Deus.
- O que há de errado nisso? Que não se entenda uma ideia defendida, já no século XVII, por Galileu: a separação da Ciência e da Religião (em palavras do próprio: “a intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como ir para o céu e não como o céu se move“). A distinção entre problemas científicos (os relativos ao mundo natural-humano) e religiosos (a relação do Homem com a transcendência). Entre metodologias e objetivos (a explicação através da lógica e da experimentação, dum lado, o recurso à transcendência, do outro).
Mas a característica que mais notavelmente distingue a ciência é, parece-me, a sua abertura: o reconhecimento do erro proporciona-lhe o progresso ao longo dos tempos; ao contrário, os dogmas religiosos são (acreditam ser), por natureza (por estarem fundamentados na revelação de Deus omnisciente), imunes ao erro e, por isso, ao progresso. As consequências surgem quando novas teorias científicas provocam modificações significativas nas representações religiosas mais profundas: a teoria de Darwin retirou o Homem (segundo ela, fruto de muitos milhões de anos de evolução) de um lugar destacado, fora da grande árvore da vida – tal como o heliocentrismo de Copérnico o retirara do lugar central no Universo.
- É urgente, pois, separar as igrejas dos laboratórios (e dos centros de decisão política – mas esse é outro tema). A confusão pode ter resultados funestos: o caso de Giordano Bruno (1548-1600), condenado à morte na fogueira pela Inquisição, é uma prova de que as heresias se pagam… excessivamente caras.