Fascismos: para além de Hitler e Mussolini

“Fascismos: para além de Hitler e Mussolini”

Fascismos: para além de Hitler e Mussolini
de Carlos Martins
Porto Salvo : Desassossego, 2022, 314, [3] pp.

[recensão de Jóni Coelho]

O mais recente livro de Carlos Martins, da editora Desassossego, chegou às bancas em 2022. Martins é um jovem académico, doutorado em Política Comparada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a orientação de António Costa Pinto. A sua tese de doutoramento (From Hitler to Codreanu: The Ideology of Fascist Leaders) tem edição da Routledge.

Como nota prévia: tive a oportunidade de ler o livro, para uma revisão, antes do seu lançamento. Destaca-se como uma obra não académico, escrito por um especialista, mas focada para o público em geral. Trata-se de uma análise da ideologia fascista e não da História do fascismo.

O livro está dividido em vários capítulos:

Introdução: o autor define termos fundamentais do Fascismo como nação (p. 21), Estado (p. 22), Síntese (p. 22), Revolução (p. 23), Autoridade (p. 24) e Violência (p. 25). Aborda contradições internas do fascismo como a dicotomia entre indivíduo e coletivo (p. 27-28); a contradição entre ordem e revolução/violência (p. 28-29) e a contradição entre povo e elite (p. 29-30). São ainda apresentados vários argumentos genéricos sobre o fascismo, utilizando como fontes bibliográficas alguns textos essenciais de historiadores académicos especializados no tema, com destaque para historiadores na língua inglesa.

O capítulo 1 (p. 35-66) analisa o caso italiano (1919-1922): as origens do fascismo em Itália – com recurso a fontes primárias, como os textos e discursos de Mussolini, ou variada bibliografia secundária de autores italianos.

O capítulo 2 (p. 67-99) explora “o nazismo alemão (1920-33)”, com ênfase na criação do DAP e na chegada de Hitler ao poder. São analisados os fundamentos ideológicos de “A Minha Luta”, de Adolf Hitler.
Na página 87, a nota de rodapé 92, referente à Revolução Conservadora, aponta para um livro de um académico sobre o tema. Este exemplo ilustra uma ligação importante para estudantes e interessados que desejem aprofundar um tema específico; neste caso, trata-se da Revolução Conservadora, mas essa abordagem pode ser replicada em vários temas e figuras políticas abordados ao longo do livro.

O capítulo 3 (p. 100-126) é dedicado ao fascismo britânico, com foco nos antecedentes e no final da BUF (British Union of Fascists), com uma ideologia antissemita, e em Oswald Mosley, o principal fascista britânico.

O Capítulo 4 (p. 127-155) analisa o caso português, discordando de que o “Estado Novo” de Salazar seja fascista.

Carlos Martins, conhecedor das fontes internacionais, não categoriza o regime de Salazar, denominado “Estado Novo”, como fascista. Essa tese chegou a gerar polémica na imprensa portuguesa, aquando do lançamento do livro; vários académicos questionaram o autor, argumentaando que o Estado Novo era de facto um regime fascista, destacando elementos influenciados pelo fascismo italiano, como a criação da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa.

No entanto, a leitura e análise dos discursos e notas políticas de Salazar, assim como das três biografias sobre este político (Franco Nogueira: “Salazar” vol. 1 a 6″; Filipe Ribeiro de Meneses: “Salazar: uma biografia política”; Tom Gallagher: “Salazar: o ditador que se recusa a morrer”) revelam um político conservador, que falava para uma elite culta, demonstrando, no meu entender, uma sólida cultura filosófica. Deste comentário não se conclua que as doutrinas e o pensamento político de Salazar sejam aceitáveis ou isentos de problemas.

Carlos Martins tem razão ao afirmar que o Estado Novo e Salazar não são fascistas. O mesmo, porém, não se pode dizer de várias figuras importantes do regime, pois vários políticos e altos dirigentes tinham tendências fascistas.

No caso português, o foco recai sobre o movimento do Nacional-Sindicalismo, liderado por Francisco Rolão Preto. Carlos Martins analisa os fundamentos do Integralismo Lusitano, um antecedente do Nacional-Sindicalismo. Pode entender-se o Nacional-Sindicalismo como uma versão fascizante do Integralismo; contudo, não se deduz daqui que o movimento Integralista seja fascista, mesmo considerando que António Sardinha tenha sido antissemita ou tenham existido elogios a Mussolini, como são os casos de Sardinha, até à sua morte em 1925, e de Luís de Almeida Braga.

O Integralismo é um movimento tradicionalista e reacionário. O Nacional-Sindicalismo teve várias disputas com o Estado Novo. É bem visível que as primeiras críticas ao Estado Novo partem de um movimento fascista. Mesmo à Direita (entendida como movimentos e ideologias anti igualitários) havia críticas ao regime do Estado Novo, fossem elas declaradas, como as do Nacional-Sindicalismo, ou desconhecidas, devido à censura e à polícia política.

O tema do capítulo 5 (p. 156-186) é a Falange espanhola (1934-37), que se pode considerar como uma forma de fascismo que o franquismo domesticou. O fundador do fascismo espanhol foi Ramiro Ledesma Ramos; mas a figura que se destacou foi José António Primo de Rivera. Primo de Rivera definia o fascismo como uma tática baseada na violência, sendo uma ideia-unidade; o que triunfa no fascismo é o princípio ordeiro comum, o pensamento nacional consistente, de que o Estado é a expressão.

O fascismo em diversos países teve figuras intelectuais fundamentais, como o escritor Giménez Caballero em Espanha ou os filósofos Giovani Gentile e Benedetto Croce em Itália. A relação entre os intelectuais e os membros do regime fascista ou do movimento fascista representa a tentativa de desenvolver e disseminar as ideias, alcançando tanto a população em geral quanto as elites.

No capítulo 6 (p. 187-218), Carlos Martins examina a Guarda de Ferro romena (1927-41). Destaca-se a figura de Corneliu Codreanu, que teve contacto na Alemanha com grupos antissemitas e popularizou a suástica. Já Ion Mota tornou-se uma figura de culto após a sua morte na Guerra Civil de Espanha (1936-1939).

Num patamar distinto de outros fascismos está o romeno. Este pode ser entendido como uma religião política, atingindo quase uma categoria religiosa ou, pelo menos, uma categoria em que a religião alcança o nível mais elevado em comparação com os diversos fascismos analisados no livro. A sua finalidade era a revolução espiritual, buscando não apenas purificar a nação, mas alcançar a ressurreição e a salvação eterna junto de Deus no julgamento final.

O fascismo francês, assunto do capítulo 7 (p. 219-250), é, no livro, aquele que apresenta os fundamentos mais interessantes, por ter as bases doutrinárias da Action Française e de Charles Maurras. Ao contrário do Integralismo Lusitano, com uma base medievalista, Maurras era classicista.

Estamos aqui perante diversos elementos que não podem ser classificados como protofascistas: a direita legitimista, reacionária e com a intenção de regressar ao período anterior a 1789; a direita orleanista, mais conservadora e moderada; e a direita bonapartista, que unia o nacionalismo ao populismo.

A importância de Maurice Barrès deriva de ter popularizado o nacional-socialismo em 1898. O fascismo francês, enquanto tipo de movimento, possui fundamentos filosóficos e doutrinárias mais sólidos, graças a uma série de autores que foram fundamentais em várias direitas francesas, com influência extra-nacional. O movimento político é o foco do autor; no entanto as bases do fascismo francês têm mais fundamentos filosóficos. Neste caso, o autor desenvolve o pensamento político de Jacques Doriot e Marcel Déat.

O capítulo 8 (p. 251-276) é dedicado à Ação Integralista Brasileira (AIB) (1932-37), vista como um movimento fascista sul-americano, liderado por Plínio Salgado – contemporaneamente, alguns acreditam que este movimento teve alguma influência nos ataques ao Congresso Brasileiro, em janeiro de 2022. Salgado, assim como Rolão Preto e outros fascistas, desenvolveu tanto uma ação política quanto uma ação doutrinária, tendo escrito vários livros para a defesa da sua causa, o que atualmente facilita o trabalho de investigadores. No caso brasileiro, o racismo foi menos influente; no entanto, há a exceção de Gustavo Barroso.

Outra figura fundamental no plano ideológico da AIB é Miguel Reale, um importante jurista brasileiro.

Um glossário apresenta as organizações fascistas em vários países do mundo (p. 277-296); contudo, o período destacado é o entre guerras. Por curiosidade, alguns desses movimentos ainda têm expressão atualmente, sendo, porém, uma minoria. Caracteriza a União Nacional como um conservadorismo fascizante (p. 294).

No último capítulo do livro (p. 297-304) encontram-se informações interessantes sobre o desenvolvimento da investigação histórica em torno do fascismo ao longo dos anos. Na primeira fase, que vai de 1919 a 1945, a ausência de distanciamento necessário compromete a adequação da análise; posteriormente, surgem várias interpretações, como a liberal-conservadora, as teorias psicossociais, socioeconómicas, marxistas, a compreensão do fascismo como totalitarismo, ou mesmo abordagens culturalistas. Desde os anos 1990, os estudos sobre o fascismo encontram-se num impasse, entendendo-o como “ultranacionalismo” ou “palingenético”, o que corresponde ao rejuvenescimento radical da nação. Existem também investigações internacionais sobre o fascismo numa perspetiva comparada, como é bem exemplificado por Carlos Martins.

A bibliografia (p. 305-314) lista obras gerais sobre o fascismo e sobre cada país em estudo.

Em síntese…

Trata-se de um livro muito interessante, do qual se pode aprender tanto pelas caracterizações apresentadas pelo autor quanto pelas referências que oferece. Como se destina ao grande público, alguns especialistas podem não o ver da melhor maneira, pois contém informações que os especialistas têm a obrigação de conhecer. Em alguns casos, alguns especialistas possuem visões ideológicas específicas que veem fascismo onde ele não existiu, como é o caso português. O livro, tal como muitos manuais de cientistas políticos, evita ao máximo fazer juízos de valor sobre o fascismo. Por vezes, aparece a palavra “ultraconservadora”, que levanta alguns problemas filosóficos, mas é compreensível no contexto do fascismo.

Com uma bibliografia e referências atualizadas, escrito com uma linguagem clara e acessível, é um livro recomendado para todos os interessados no estudo do fascismo. Tal como para estudantes, professores e jovens investigadores, especialmente nas áreas de Ciência Política, História e Filosofia.

Trata-se de uma obra que eu aconselharia a todos os interessados no pensamento e ideologia políticas, especialmente para o esclarecimento concetual. Isto porque o fascismo é uma importante ideologia política, teve um impacto significativo na História e tem um lugar de relevo na História das Ideias.

Em conclusão, a abordagem do autor é clara e consistente. No entanto, seria possível fazer uma diferenciação a nível da filosofia política de vários filósofos fascistas, mas isso corresponderia a um tipo de investigação distinta.

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