Quem não souber uma piada de alentejanos que atire a primeira pedra! Isso: o humor nacional português é o alentejano.
Estereotipadamente (e falsamente), os alentejanos das anedotas são um não-faz-nada, à sombra de um chaparro. São compadres a meio caminho entre o pouco informado (perdidos na solidão e quietude da planície) e o espertinho inocente que se livra com facilidade da esperteza alheia. Pessoas para quem o longe é já ali. Com respostas em sotaque muito característico, palavras e expressões da gíria, calão e regionalismos,
…que usam pijama quando andam de mota: para quê? para se deitar nas curvas.
A Bíblia não revela, mas, um dia, Adão quis saber o motivo de umas preferências estranhas de Eva: o que é que o alentejano tem que eu não tenha” A resposta de Eva: Tem tempo e tu tens pressa.
Nota não marginal: Deus fez os alentejanos ao sétimo dia, quando estava a descansar.
Longe de se ofenderem com as anedotas sobre alentejanos, eles próprios as inventam e contam e divertem-se. Curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes. Jura-se por aí que há imensas associações de contadores de anedotas de alentejanos no Alentejo. E, quando uma estação de televisão organizou um festival de anedotas alentejanas, a Câmara Municipal de Serpa apoiou a iniciativa.
Há uns anotes, vivi no Algarve, na mesma casa onde estava um outro hóspede, alentejano. Numa das primeiras conversas entre nós, atrevi-me a uma gracinha das tais. E ele, com toda a pachorra que se adivinha, perguntou-me em resposta: sabes porque é que o Alentejo é tão plano? Foi a primeira das milhentas vezes que ouvi a resposta: porque os calhaus foram todos para o norte.
Humor nacional… espanhol
Em Espanha também há “alentejanos”. Os “alentejanos” espanhóis são os habitantes de Lepe, um município na província andaluza de Huelva. Além dos morangos, Lepe produz muito humor. Um humor com popularidade mais do que suficiente para o movimento político Esquerda Unida ter posto já a hipótese de o candidatar a Bem de Interesse Cultural (BIC), bem imaterial da localidade. São tantas as anedotas sobre leperos que…
…um dia, ao chegar ao sítio, um forasteiro deparou-se com tudo deserto, sem vivalma… até que, finalmente, encontrou uma velhinha a quem perguntou: “ó minha senhora, não há ninguém em Lepe?”. E ela esclareceu: “Não, não. Os leperos estão todos nas anedotas”.
Os leperos…
…que atiram relógios ao chão para matar o tempo e colocam no frigorífico uma jarra vazia para os que não queiram tomar nada,
também eles lidam bem com as anedotas tão tontas como as alentejanas e onde a sua falta de inteligência é ridicularizada. A partir de finais de 1980, Lepe converteu-se na capital nacional do humor, com “semanas culturais” incluindo exposições de humor gráfico, conferências e debates sobre a importância do humor, com a participação de humoristas de primeira linha, jogos de futebol entre políticos e humoristas… Com concursos premiando as melhores anedotas, para avivar a tradição do humor.
[foto copiada do texto Museu de caricaturas se dedica ao humor alemão]
As invasões do humor nacional
Embora Lepe ganhe o campeonato, em Espanha há mais duas localidades famosas pelas anedotas que inventam ou exageram características dos seus habitantes: Fernán Núñez (em Córdova) e Tomelloso (em Ciudad Real). E, ao que tudo indica, a moléstia infeta outros países, incluindo o sisudo “império austro-germânico”. Na Áustria, é o Estado Federal de Burgenland. Da Alemanha, diz-se que o menor livro do mundo é o livro de piadas dos alemães. Mas a verdade é que há um Instituto Alemão do Humor; os nativos da Frísia Oriental são os leperos ou alentejanos do país; e, diz-se, até a televisão alemã tem programas satíricos a que nenhum político escapa. Mesmo o ex-ministro Schäuble o Terrível teve alguma piada quando se referiu ao ministro português Centeno como o Ronaldo do Ecofin.
Este clássico sobre os funcionários públicos alemães faz-nos crer que há anedotas universais:
como é que os funcionários públicos jogam ao Mikado? O primeiro que se mexer perde.
Contudo, parece que Mark Twain gracejava que uma piada alemã não é para rir; e, a ser verdade, a opinião do satírico apresentador televisivo Jan Böhmermann ainda nos baralha mais: na Alemanha podemos manifestar tudo – menos ironia e humor.
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||| Este texto…
… é o quinto da série O Humor é coisa séria. O quarto [Brincadeira tem limites?] está aqui. O sexto [A moral do humor] está aqui.
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Artigo interessantissimo. Obrigado!