Os oráculos e a falsificabilidade

Tales de Mileto (624/625 a.C. – 556/558 a.C.) é considerado o primeiro filósofo. Uma das novidades desses homens a quem chamaram filósofos é que se atrevem a procurar a sabedoria pela sua própria cabeça

(recorde: etimologicamente, o filósofo é o amante da sabedoria).

Esta é uma novidade para a época, porque, então, a sabedoria era considerada propriedade dos deuses, os quais a transmitiam aos Homens através de oráculos (adivinhações do futuro, de coisas distantes ou ocultas, da vontade dos deuses,…). Assim, quando, por exemplo, os gregos partiam para uma guerra, consultavam-se os deuses (através de sacerdotes ou pitonisas) para saber qual seria o desfecho da mesma: a mensagem era transmitida através de oráculos.

Oráculo de Delfos, um dos mais famosos da Antiguidade grega.

Talvez nos pareça estranho como é que um oráculo pode “acertar” na adivinhação do futuro, já que é de supor que muitos oráculos seriam desmentidos pelo desenrolar dos acontecimentos. O que acontece é que um oráculo pode ser suficientemente vago ou ambíguo para nunca ser claramente falso

(uma afirmação é ambígua quando possibilita mais do que uma interpretação).

Compreenderemos isto melhor, se recorrermos ao conceito de falsificabilidade, proposto por Karl Popper (1902-1994). Uma afirmação é falsificável se pudermos conceber uma situação empírica incompatível com ela (isto é, um estado de coisas que mostre que essa afirmação é falsa). Por exemplo, a afirmação

“Se o comício do PSD de amanhã tiver pelo menos 5 mil pessoas, este partido ganhará as eleições do próximo domingo”

é falsificável, porque há uma situação empírica que a tornará falsa: o comício ter pelo menos 5 mil pessoas e o partido perder as eleições.

As afirmações não falsificáveis são aquelas que, aconteça o que acontecer, permanecerão sempre… verdadeiras. É o caso, por exemplo, da afirmação

“Se Passos Coelho for persuasivo no comício de amanhã, o seu partido ganha as eleições”.

São possíveis duas situações: o partido ganha ou perde as eleições; em qualquer dos casos, a afirmação é verdadeira. O partido ganhou as eleições? a afirmação é verdadeira. O partido não ganhou as eleições? isso deveu-se a que Passos Coelho não foi persuasivo (e a afirmação continuará… verdadeira: se ele tivesse sido persuasivo, o resultado teria sido outro. 😉

O discurso dos políticos está carregado de afirmações com as características dos oráculos: são afirmações de tal forma vagas ou ambíguas que, por isso mesmo, não são falsificáveis.

Querem um exemplo? Paulo Portas previu, no Algarve, que

“O CDS pode eleger um segundo deputado em Faro”.

Curiosamente, o dirigente do CDS acrescentou: “E sei do que falo”. Talvez Paulo Portas saiba que a sua afirmação não é falsificável. O seu partido elege mais um deputado? a previsão de Paulo Portas confirma-se, é verdadeira. O seu partido não elege outro deputado? houve factores que, entretanto, intervieram nesse sentido — porque, verdadeiramente, teria sido possível essa eleição e, portanto, também nesta segunda situação a afirmação é verdadeira.

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Desafio: encontrem outras afirmações não falsificáveis, de outros políticos.

Para saber mais: leitura sobre os oráculos, na Wikipédia ou n’O Canto [a escrever]; sobre a falsificabilidade [a escrever]; sobre as pitonisas e o oráculode Delfos, um dos mais famosos oráculos da Antiguidade grega.

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||| Este texto pode servir de apoio ao estudo da rubrica Estatuto do conhecimento científico do programa do 11º ano de filosofia do ensino secundário.

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