Ovos, folares e amêndoas da Páscoa

No dia de Páscoa, ainda se conserva a tradição do folar. As famílias fazem folares para ofertarem às pessoas amigas ou familiares. Sobretudo na zona do Barrocal [região algarvia], a tradição ainda permanece viva.

Em São Brás de Alportel, como noutras zonas algarvias e de Portugal, é tradição na segunda-feira de Páscoa ir até ao monte ou para junto de uma ribeira comer o folar.

Folar
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Não há uniformidade na confecção deste bolo. Uns fazem-no com canela, outros com muita erva doce ou mel. Quando se deita mel ou canela fazem-no em camadas e ao cortar-se o bolo surgem rodadas onde se salientam estes ingredientes. O folar mais tradicional de São Brás de Alportel é o confeccionado com erva doce. Na zona de Olhão e Faro aparece feito com mel ou canela.

O folar é um bolo arredondado que pode ser ornamentado com ovos no exterior. O folar rico também tem ovos no interior, sobretudo na zona do Barrocal. Modernamente, o folar comercial vende-se sem ovos. Há quem pinte de amarelo os ovos do folar.

Folar
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Os ovos colocados no folar e os bolos feitos com muitos ovos, que encontramos por todo o país, têm um sentido simbólico  Cristo venceu a morte saindo do túmulo. O ovo, uma espécie de túmulo, recorda a vida que ressurgiu da morte. Cristo ressuscitou. Nos nossos dias o povo coloca os ovos mas não sabe o sentido religioso que já se perdeu (GENNEP, Arnold van, 1947, “Cerémonies périodiques cycliques” in Manuel de folclore français contemporain, tom. I chap. III, p. 1321).

A igreja implantou 0 jejum e a abstinência de certos alimentos, ao longo da Quaresma, como sinal penitencial, porque se comia exageradamente. No século IV a Igreja proíbe os ovos na Quaresma. Na Idade-Média também foram proibidos durante o tempo quaresmal. Os ovos recolhidos ao longo da Quaresma abundavam na Páscoa e as pessoas não sabiam que destino dar-lhes. Para se verem livres deles, começaram a fazer bolos para serem oferecidos como prenda pascal às crianças. Estes bolos, primitivamente, tinham figuras de animais (Gennep, 1947, p. 1321). Os folares das crianças estenderam-se depois a toda a família e hoje é tradição oferecer-se um folar aos familiares e amigos.

Só em 1564, por um édito de Carlos IX, rei de França, se determina que o ano civil, em França  comece no dia 1 de Janeiro. Até aqui o ano começava na Páscoa, pois Cristo com a sua morte fez ressurgir uma vida nova para toda a humanidade (GOFFIC, de Charles, 1923, Fêtes et Coutumes populaires, Librairie Armand Colin, Paris, p. 60). Até ao século XVII, foi tradição  em França  desejar um bom ano no dia de Páscoa. Os ovos da Páscoa e o folar podem remontar a esta época em que se desejavam as boas-festas, segundo a opinião de alguns etnógrafos franceses.

O primeiro relato que existe dos ovos pintados vem na vida da São Luís  escrita por Jean Joinville. Em 1250, quando o rei e os seus cavaleiros cativos foram libertos, depois da derrota na batalha de Mansourah, os inimigos ofereceram ao rei um pouco de carne, pedaços de queijo e ovos cozidos. Para testemunharem a honra que tinham em oferecer tais ofertas, pintaram os ovos de diversas cores. A coloração dos ovos era para realçar a qualidade da oferta. (LAPAGNOL, Catherine et COCHET, Michèle, 1982, “Catalogue d’exposition – Coutumes Pascales en Limousin”, in Bibliothèque Municipal de Limoges, Avril 1777, p. 27).

[…]

No século XVII, em França  na região de Limoges, era costume pintar os ovos de encarnado na festa da Páscoa. Cristo ressuscitado, vestido de branco, tinha um manto encarnado ao ombro. Falar de ovos encarnados era sinónimo de ovos da Páscoa (Matinée senonoises, p. 69).

Pintar os ovos de várias cores é tradição que encontramos em toda a Europa. Em Limoges, França, em 1900, os ovos da Páscoa pintavam-se de amarelo com as cascas de cebola, em verde com folhas de hera, e de vermelho com a ajuda de anilina (Le Courrier du Centre, 7 Avril, 1901). O mesmo encontramos no Algarve, não só para pintar os ovos mas também para peças de vestuário.

Antigamente, em Quinta-Feira Santa, as pessoas dependuravam ovos pintados, porque acreditavam que estes ovos tinham a virtude de livrar as pessoas da mordedura das serpentes.

Algum dia, 0 prior da freguesia visitava os seus «fregueses», ao longo do tempo pascal, para cumprimentar as pessoas e receber o «prémio» ou côngrua. No Cartório da Colegiada de São Tiago, de Coimbra, em 1357, e no de São Cristóvão, em 1436, há referências ao prior que andava com os seus raçoeiros a pedir ovos, com cruz alçada e água benta, pela Páscoa da Ressurreição  (Cfr. João Pedro Ribeiro, Dissertações, t. I, pp. 315-316; ANTT — Colegiada de San Cristóvão de Coimbra, maço 22, n.° 4). Era tradição oferecer também um folar ao sacerdote. O folar estava na casa de fora, em cima de uma mesa, coberto com uma toalha de linho. O povo do Barrocal e da Serra oferecia também trigo ou centeio. O sacristão acompanhava 0 prior para ajudar no transporte.

[…]

Na vila de São Brás de Alportel ainda se confeccionam artesanalmente as «amêndoas tenras» ou «amêndoas de pinhão. Durante toda a Quaresma uma família passa 0 dia e parte da noite a balançar uma grande tacho de arame com amêndoas e açúcar. Por baixo do tacho outrora colocava-se um fogareiro a carvão. Hoje é a gás  O tacho é dependurado pelas asas, com o apoio de uma corda presa no tecto da casa, para balançar com a ajuda de uma mão ágil. Os vizinhos e quem passa na rua pode escutar o «rum… rum…» do roçar das amêndoas no tacho de arame. É um trabalho duro e difícil. Antigamente vendiam-se para fora do concelho. Presentemente, só uma família se dedica a este trabalho de confeccionar artesanalmente as conhecidas «amêndoas tenras» de São Brás de Alportel: a família de José Silvério Matilde (José Pépé).

Na Páscoa não se deve comer ave de pena, diz-se em S. Brás de Alportel, porque o galo denunciou, por três vezes, a negação de Pedro.

(CUNHA, Dr. Pe. Afonso; DUARTE, Pe. J. Cunha. “A Festa da Páscoa, o canto de Aleluia e a Procissão das Tochas: São Brás de Alportel” in Algarve: tradições musicais: III. Faro: Grupo Musical de Santa Maria / Casa da Cultura António Bentes, 1997, p. 50-52)

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