Lawrence M. Krauss é um físico estado-unidense, polémico divulgador da ciência. Na sua última obra (com posfácio do também polémico Richard Dawkins), A Universe from Nothing: Why There is Something Rather than Nothingg, procura desmontar, a partir da Cosmologia, a crença no sobrenatural como origem do universo.
A obra foi traduzida para castelhano, com o título Un universo de la nada: ¿Por qué hay algo en vez de nada? (Barcelona: Pasado & Presente, 2013. 251 páginas) e sobre ele o suplemento Babelia do diário espanhol El País de 2 de julho passado publicou uma resenha, que traduzo, a seguir:
Há três poderosas razões para ler este livro, e o leitor é totalmente livre de escolher a que preferir. A primeira é que Lawrence Krauss (Nova York, 1954) é um dos intelectuais mais interessantes do nosso tempo. Cosmólogo e físico teórico de primeira linha, director do Projeto Origens da Universidade de Arizona e polemista de nível — chegou a desafiar o papa Ratzinger a retratar-se da sua teologia, nas páginas de The New York Times —, Krauss é um desses raros cientistas que levantam os olhos das suas equações para ver o que estas implicam no grande quadro das coisas e das ideias. Uma inteligência do futuro, com toda a ciência, a profundidade e a arte na sua pluma. E não sem uma certa “segunda intenção”.
A segunda, muito relacionada com o último ponto, é que Un universo de la nada pode ler-se como um argumento contra a religião, ou contra qualquer crença no sobrenatural, e que tanto o autor como os seus editores tornam explícito esse ponto de vista, com transparente intenção polémica. O biólogo, divulgador e ateu militante Richard Dawkins exprime-o admiravelmente no posfácio: “Se A origem das espécies foi o golpe mais letal da biologia na crença no sobrenatural, talvez acabemos por ver que Un universo de la nada é o seu equivalente na cosmologia; o título quer dizer o que diz; e o que diz é devastador”.
E a terceira é que o último livro de Krauss — oitavo num currículo que inclui o super-vendido, no ano passado, La física de Star Trek — é seguramente a melhor explicação da cosmologia moderna para o leitor comum disponível no mercado. Krauss é um divulgador de ciência fantástico, rápido, transparente e penetrante, e a sua escrita está cheia de chama e digressões anedóticas, com um sedutor sentido de humor. Um dia virá em que toda a espécie humana será assim.
Há poucas aventuras intelectuais tão cativantes como a cosmologia do século passado, em que ainda continuamos imersos. Em princípios do século XX, segundo a sabedoria convencional, a nossa galáxia, a Via Láctea, ocupava a totalidade de um universo estático e imanente; hoje sabemos que é apenas uma entre os 400.000 milhões de galáxias que povoam o universo observável. Um universo que, para cúmulo, parece absorto numa expansão acelerada que só pode conduzir à sua morte, não já térmica, mas por falta de substância.
Parecemos viver, por outro lado, num período privilegiado da história do cosmos. Num futuro longínquo, devido à expansão acelerada de tudo quanto existe, cada galáxia parecerá estar isolada: parecerá, de facto, ser a única galáxia do universo, como acreditávamos na Via Láctea em princípios do século XX. A expansão será tal que qualquer outra galáxia ficará fora de qualquer observação e qualquer interação permitida pela relatividade de Einstein, que fixa um limite máximo para a velocidade da luz e qualquer outra coisa.
Os astrónomos do futuro serão muito mais ignorantes do que os nossos, em flagrante contradição com qualquer ideia intuitiva de progresso. Como Krauss diz, “vivemos num tempo muito especial, o único tempo em que a observação permite verificar que… vivemos num tempo especial”. Trata-se de um paradoxo antrópico, um termo quase cabalístico usado pelos físicos para se referirem aos possíveis vieses que pode introduzir nos nossos modelos do mundo o simples facto de nós estarmos a observar. O mero facto de vivermos no tipo de universo que nos permite que vivamos, se me é permitido o gongorismo.
Un universo de la nada expõe magistralmente os imensos avanços na nossa compreensão do mundo que se fizeram nos últimos cem anos da cosmologia. Desde a grande contribuição de Einstein, com a sua teoria do tempo, do espaço e da matéria (a relatividade geral), passando por Henrietta Swan Leavitt, a mulher que converteu as cefeidas numa fita métrica para medir o cosmos; o astrónomo e ex-advogado Edwin Hubble, que demonstrou a expansão do Universo através do seu telescópio e utilizando a teoria de Henrietta, e o físico teórico e sacerdote Georges Lemaître, que leu o Big Bang nas equações de Einstein e é sem dúvida um dos dois grandes sacerdotes da história da ciência, com o fundador da genética, Gregor Mendel.
O título desta resenha é o subtítulo do livro de Krauss, e também a sua coluna vertebral: Por que há algo em vez de nada? Uma pergunta milenar e, segundo o autor, o último reduto dos teólogos e outros pensadores crentes. Mesmo que a ciência consiga explicar as leis que regem o comportamento da natureza e do ser humano dentro dela, sustenta esta corrente teológica, jamais poderá responder a essa última das questões. Por que há algo em vez de nada?
Apontado à cabeça, Un universo de la nada propõe-se nada menos do que responder a essa última das perguntas. Não lhe vou estragar o final: leia o livro.