- Um brainstorming que constituísse uma rede conceptual do Carnaval incluiria, obrigatoriamente (digo eu) o conceito de folia. Folia, dizem os dicionários, é uma festa alegre e ruidosa. Mas é igualmente uma dança e uma canção dançável, de origem popular portuguesa
(o próprio termo folia é português),
que se desenvolveu em finais da Idade Média
(na obra de Gil Vicente, aparece como dança energicamente interpretada por pastores ou camponeses).
Como amostra, aconselho o cd La Folia, uma compilação de folias compostas por vários autores entre 1490 e 1701 e interpretadas por um conjunto de músicos de onde sobressai Jordi Savall (editora Alia Vox).
- No Carnaval da Roma antiga (as festas de Saturno – as Saturnais – que tinham lugar em Dezembro), rompiam-se todos os cânones da vida normal. Aos escravos era permitido disfarçarem-se de senhores e as festas convertiam-se em autênticas orgias. As máscaras permaneceram ao longo dos séculos e continuam a dominar festividades carnavalescas do nosso tempo: atrás delas, pessoas de condições diferentes podiam comportar-se livremente, sem complexos… e sem qualquer freio.
Entre os séculos XV e XVI desenvolveu-se em Florença o Canto Carnascialesco (canto carnavalesco), um tipo de balada de assunto cómico, próprio do Carnaval, executada sobre carroças sumptuosas por cantores disfarçados. Ganhou particular notoriedade nos tempos de Lorenzo, o Magnífico: o seu “Trionfo di Bacco e Arianna” é um exemplo típico e o mais famoso dos cantos carnavalescos
(ouça-se o cd Lorenzo Il Magnifico / Trionfo di Bacco – Chants de Carnaval / Interpretação do Doulce Mémoire Ensemble, dir. Denis Raisin-Dadre / Auvidis:Astrée).
No século XX, as máscaras inspiraram ao dinamarquês Carl August Nielsen (1865–1931) a ópera Maskerade.
- Veneza é uma das capitais do Carnaval – e das máscaras. O Carnaval de Venezaé o título de uma comédia lírica barroca de André Campra (1699), exemplo do “teatro dentro do teatro”. Assim se chama também a ópera composta por Ambroise Thomas (1857); e variações para violino e orquestra sobre uma canção, de Paganini; e variações para trompete de Joseph Jean-Baptista Arban Laurent (1825-1889), que o trompetista de jazz Wynton Marsalis gravou em 1987.
- Há outros carnavais conhecidos: o exuberante e alvoroçado Carnaval Romano de Berlioz; o provençal de Le Carnaval d’Aix – baseado em canções populares francesas com arranjo jazzístico – ou Le boeuf sur le toit – onde se misturam tangos, sambas, algum fado e áreas populares – ou Carnaval de Londres, todos do francês Darius Milhaud; o Carnaval em Praga do checo Smetana; o Canadian Carnival de Benjamin Britten; o brasileiro Carnaval das Crianças, de Heitor Villa-Lobos
(ou, dele também, Momoprecoce, uma composição para piano e orquestra que recicla material composto para O Carnaval das Crianças).
Mas o mais famoso é, certamente, O Carnaval dos Animais de Camille Saint-Saëns, uma “fantasia zoológica” – cisne, tartaruga, elefante, canguru, peixes volteando, asnos urrando, leões rugindo, fósseis chocalhando os ossos,… Nas duas primeiras interpretações públicas (a primeira, na terça-feira do Carnaval de 1886) o autor esteve ao piano com nariz e barbas postiças.
I. Introdução e Marcha Real do Leão (Introduction and Royal March of the Lion) / II. Galinhas e Galos (Hens and Roosters) / III. Mulas (animais velozes) (Wild Asses – quick animals) / IV. Tartarugas (Tortoises) / V. O Elefante (The Elephant) / VI. Cangurus (Kangaroos) / VII. Aquário (Aquarium) / VIII. Personagens com orelhas compridas (Characters with Long Ears) / IX. O cuco nas profundezas dos bosques (The Cuckoo in the Depths of the Woods) / X. Pássaros (Aviary) / XI. Pianistas (Pianists) / XII. Fósseis (Fossils) / XIII. O Cisne (The Swan) / XIV. Final
[texto inspirado nas revistas Amadeus de Mar/1995 e Fev/1996]
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