Cervantes, Miguel de

No ano de 1547 nasceu em Alcalá de Henares, talvez em 29 de setembro, Miguel de Cervantes Saavedra, oriundo de uma família fidalga completamente arruinada, exercendo seu pai o mister de cirurgião para sustentar a prole numerosa — sete filhos, dos quais Miguel era o quarto.

Cervantes
[Retrato de Cervantes, feito por Juan de Jáuregui, por volta de 1600]

Sabe-se que frequentou as universidades de Alcalá e de Sevilha, mas não completou os estudos, possivelmente por falta de recursos paternos. Vivia em Madrid entre 1566 e 1569 onde frequenta a escola de Humanidades regida pelo padre Juan López de Hoyos. Data dessa época a sua estreia literária: um soneto, cinco redondilhas e uma elegia à morte de Isabel de Valois, mulher de Filipe II.

No final de 1569 inicia-se um novo período decisivo na vida de Miguel de. Cervantes. Tendo partido para Roma como camareiro do cardeal Julio Aquaviva, alista-se em 1570 numa companhia do regimento de infantaria de Miguel de Moncada, às ordens de Marco António Colona. No dia 7 de outubro toma parte na batalha de Lepanto, onde é gravemente ferido, perdendo a mão esquerda. Em fins de Abril de 1572, após prolongada convalescença num hospital de Messina, incorpora-se no tércio de Lope de Figueroa.

Desvanecida a esperança de melhorar a sua situação pela carreira das armas — depois de cinco anos de vida militar continuava com o posto de soldado — pediu para ser licenciado e embarcou para a pátria na galera Sol. Cansado e desiludido, procurava refazer-se. Mas, no dia 26 setembro de 1575 o navio em que viajava foi abordado por corsários mouros que, vencendo a resistência dos espanhóis, levaram os sobreviventes cativos para Argel.

São para Cervantes cinco anos de duríssimas provações, em que a inteireza do seu carácter se temperou e revelou de forma a granjear o respeito dos seus captores. Vendido ao rei de Argel por quinhentos escudos, é finalmente resgatado em 19 de setembro de 1580.

Cervantes em Lisboa

Ocorre então o «episódio português» da vida de Cervantes. Em Agosto de 1581, quando em Portugal já reinam os Filipes, o nosso homem encontra-se em Lisboa onde conhece uma dama portuguesa, Ana França, de quem tem uma filha ilegítima: Isabel de Saavedra. Não totalmente desiludido com a possibilidade de alcançar honras na carreira das armas, entra nas campanhas de 1581-1582 e bate-se nas águas dos Açores, sob o comando de D. Álvaro Bazan, contra a frota francesa que apoiava o pretendente D. António, prior do Crato.

Em 12 de dezembro de 1584 casa-se em Esquivias, nos arredores de Madrid, com Catarina de Palácios Salazar y Vozmediano. Perdidas de vez as suas ilusões «militares», instala-se em Esquivias e começa aí realmente a sua atividade como escritor. Em 1585 publica a Galateia e escreve depois umas trinta peças de teatro, na sua maior parte desaparecidas, que não alcançaram qualquer êxito.

Dom Quixote

Sem meios para viver, aceita o cargo de Comissário Real para os abastecimentos da Invencível Armada e do Exército. A sua honestidade vale-lhe uma censura eclesiástica. Como recebedor de contribuições em Granada, é detido em 1597 sob a acusação de ter praticado um alcance de 2$641 réis. Embora posto em liberdade pouco depois por se ter descoberto o autor do desfalque, a sua inocência só é formalmente reconhecida em 1603. Presume-se que nesse mesmo ano, ao mudar-se para Valladolid, Cervantes já levaria consigo completo o manuscrito da primeira parte do DOM QUIXOTE. Impressa em 1604 e publicada em 1605, a novela obtém um acolhimento extraordinário. Num ano alcança seis edições em castelhano: duas em Madrid, duas em Lisboa e duas em Valência. É rapidamente traduzida para as principais línguas europeias, iniciando-se assim a carreira triunfal do cavaleiro manchego e do seu escudeiro.

Triunfal não seria, porém, a existência do seu criador. Além das permanentes dificuldades financeiras, Cervantes sofreria ainda vexames de outra ordem. Em 27 de junho de 1605, ia alta a noite, Cervantes saiu de casa a acudir ao cavaleiro Gaspar de Ezpeleta que, provavelmente envolvido nalguma aventura galante, era atacado por homens armados. Dom Gaspar morreria dois dias depois e seguiu-se uma devassa. O facto de terem encontrado as roupas do cavaleiro ferido em casa de Cervantes e os mexericos malevolentes das mulheres ouvidas nos autos pelo juiz de instrução deram azo a que Cervantes fosse preso, tal como sua irmã, filha e sobrinha, sob a acusação de lenocínio. Dias depois, reconhecida a sua inocência, foi posto em liberdade. Tendo necessidade de ganhar a vida, Cervantes continua a exercer os mais diversos misteres, que o impedem de consagrar-se inteiramente à literatura. Surpreendido em 1614 pela publicação de uma «continuação» do Dom Quixote da autoria de Alonso Fernández Avellaneda, publica no ano seguinte a segunda parte do seu romance imortal.

Morte

Mas é agora um homem gravemente doente, e no dia 23 de abril de 1616, com sessenta e nove anos, cerra para sempre os olhos o maior génio que a literatura ibérica jamais produziu.

Sepultado na igreja das freiras da ordem da Trindade, o tempo obliterou o epitáfio da sua sepultura, e hoje não se sabe ao certo onde repousam os restos de Miguel de Cervantes Saavedra.

[texto “introdutório” ao volume I de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha. Porto: Livraria Civilização Editora, 1999. Subtítulos meus]


||| 23 de abril está consagrado como o Dia do Livro, porque neste dia morreu Cervantes e Shakespeare.

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