Dietrich Fischer-Dieskau

A 18 de maio de 2012, morreu Dietrich Fischer-Dieskau, uma das grandes vozes líricas do século XX (nasceu a 28 de maio de 1925).

 

“Mais ano menos ano, a carreira de Dietrich Fischer-Dieskau durou meio século (a estreia oficial foi aos vinte e dois anos, em 1947, com um Requiem alemão cantado em Friburgo). Como quase sempre acontece com os cantores, o período de máximo esplendor do ponto de vista vocal estende-se desde os trinta até aos quarenta ano, entre 1960 e 1970. Nessa época já era muito famoso e tinha gravado uma grande quantidade de discos importantes. Podemos até encontrá-lo no papel de Kurwenal (um Kurwenal insólito, quase imprevisivelmente elegante e composto) no lendário Tristão de Furtwängler, gravado em 1952; e também em muitas outras obras registadas por Ferenc Fricsay e outros grandes da época.

Mas se queremos identificar Fischer-Dieskau dentro de um período histórico determinado, temos sem dúvida que nos transportar para diante, para os anos sessenta e setenta. Para uma etapa concreta — já acabada e encerrada, ainda que ainda se discuta sobre o seu contributo para o nosso tempo — que, graças ao desenvolvimento  dos meios de gravação e aos diversos festivais do centro da Europa, assistiu ao triunfo de muitos grandes intérpretes, vistos como embaixadores da cultura: a época de Karajan, para fazer uma simplificação fácil e rápida. Com este maestro Fischer-Dieskau não trabalhou, em termos quantitativos, mais do que com outros; e no que se refere a gravações discográficas, apenas se encontraram em O ouro do Reno, gravado em 1967, com o nosso cantor no papel de Wotan. Com quem se encontrou frequentemente, fazendo gravações de grande valor artístico, foi com Karl Böhm.

Fischer-Dieskau está considerado não apenas um grande intérprete, um dos cantores mais importantes do século XX, como também um dos grandes embaixadores da cultura. É apoiado por uma bagagem intelectual tão rica que escreveu vários e importantes ensaios sobre Schubert e Schumann, graças aos quais o seu nome está incluído no grupo dos mais importantes biógrafos do Lied, género de que é um excelso intérprete. No campo da ópera, o seu repertório é vastíssimo: centrado nos grandes papéis de barítono do drama musical wagneriano (Wotan e Kurwenal, tal como o Holandês e Telramund, Wolfram e Amfortas), estende-se até à ópera italiana (Macbeth, Rigoletto, num disco tão polémico como esplêndido com Kubelik; Yago e, sobretudo, Falstaff, na extraordinária gravação de Bernstein). E, recuando no tempo, até Mozart, outra referência no seu repertório (Don Giovanni, Don Alfonso, Papageno), Gluck e Haendel, de que interpreta os papéis de contralto masculinizados, seguindo a moda pre-filológica. E ainda Richard Strauss (Jochanaan, Oreste, Barak, Faninal, o mestre de música de Ariadne, Mandryka), Bartók, Berg (Wozzeck, Schigolch em Lulú).

Junto com todos estes grandes papéis, ainda nos anos de grandes êxitos, enfrenta uma série de obras de grande dificuldade, ainda que em teoria pouco valorizadas pelo grande público: Palestrina de Pfitzer, Fausto de Busoni e Cardillac ou Mathis de Hindemith, junto com estreias contemporâneas, como a de Elegia para jovens apaixonados de Henze.

Dietrich Fischer-Dieskau demonstra uma ductilidade quase insuperável, fruto também de uma grande disciplina e capacidade para superar qualquer dificuldade vocal. A sua clara voz de barítono, comparada com a tradicional tessitura de baixo-barítono alemã, foi sempre excecional pela sua qualidade e pela sua solvência técnica.

Mas a base do êxito de Fischer-Dieskau reside na contínua e extraordinária atenção prestada ao facto musical em si: para ele, como para qualquer outro grande do nosso tempo, ser cantor não é mais do que uma especialização, ainda que aperfeiçoada ao máximo. Outro elemento chave é o cuidado na dicção, da palavra lida também a partir do seu significado poético: consegue assim uma inconfundível combinação entre o canto delicado e a intensidade declamatória.

Aqui reside o segredo do Fischer-Dieskau cantor de Lieder. Claro, é elegante, talvez até mais do que no teatro, mas, sobretudo, capaz de levar a dimensão íntima da lírica até um autêntico drama musical, concentrado num microcosmos rápido e muito intenso de poesia e som. A verdadeira lição de Richard Wagner e daquele expressionismo de que Fischer-Dieskau foi um dos máximos defensores, parece que se reflete também nestas miniaturas do Romantismo, levando-as até uma dimensão dramática nova, através de um percurso que vai de Franz Schubert a Johannes Brahms e Gustav Mahler e se estende a toda a literatura sinfónica e da oratória“.

[BALLOLA, Giovanni Carli. Dietrich Fisher-Dieskau: El triunfo del intérprete. Amadeus. Nº 49 (fevereiro/1997), p. 26]

Como Fiescher-Dieskau é a grande voz do lied (no plural, lieder, composições que são a adaptação musical de um poema lírico a voz e piano), particularmente dos Lieder de Schubert, o maior mestre do lied, deixo 3 Lieder de Schubert interpretados pelo barítono que agora nos deixou:

Die Forelle (o conhecido A Truta). Sobre um poema de Daniel Schubart, nele ouvimos a corrente do rio; no final, interrompendo a repetição, transmite-nos a luta do peixe na água:

An Silvia. Baseado num texto de Shakespeare, está baseado numa simples estrutura estrófica, com três versos de repetição exata quer na melodia quer no acompanhamento. Ouve-se, no final dos dois primeiros, um breve e delicado eco do piano no último compasso do canto:

Der Leiermannn (O homem do realejo). Poema de Wilhelm Muller, retrato de um velho que toca o realejo às portas da aldeia. Ninguém lhe presta atenção; tem a lata vazia. O poeta pergunta ao velho se o pode acompanhar cantando ao som da música. O acompanhamento representa a toada monótona do realejo, contrapondo-se à qual a voz canta uma melodia melancólica, cheia de pesar, como um lamento antigo (Douglas Moore). Ao piano, Murray Perahia:

 

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