Tirania eletiva

  1. O atual governo português tem tiques não democráticos. Esses tiques englobam atitudes, decisões, conceções,… Bem sei que é um governo resultante de uma maioria de votos obtidos em eleições livres, mas isso não basta para ser democrático.
  1. Vivemos, em Portugal, numa democracia representativa. Numa democracia direta, os eleitores pronunciam-se não sobre candidatos mas sobre leis ou políticas, apreciando, através de referendo, todas as questões importantes; na representativa, os eleitores escolhem os seus representantes, que são quem redige as leis.

Presume-se que os representantes dos eleitores sejam profissionais, isto é, pessoas com conhecimentos superiores aos da “populaça” em domínios importantes para a governação; o objetivo é que para os problemas sejam encontradas soluções inacessíveis a um não especialista.

Um dos problemas reconhecidamente urgentes do nosso tempo português é o desemprego. Que soluções tem proposto este governo? O convite à emigração, com indicações (do primeiro ministro) de preferenciais destinos (Angola, Brasil,…) e áreas (ensino, tecnologias de informação e do conhecimento…). Só que, para descobrir estas soluções, os portugueses não precisam de governantes profissionais: a “populaça” conhece-as bem (até por tradição e desde os anos 60 do século passado) e tem já estado a “executá-las”, por “livre iniciativa”.

  1. A democracia é, diz-se, o governo do povo, pelo povo e para o povo. É complexo determinar o que significam estas três condições, em particular a terceira (“para o povo”), aplicadas à democracia representativa: havendo, inevitavelmente, interesses contraditórios, o que é “governar em proveito dos cidadãos”?

Seja como for, as nossas democracias estão cada vez mais próximas de tiranias eletivas. Não vejo outra leitura possível para um fenómeno cada vez mais comum e aceite: os candidatos apresentam-se a eleições com um programa que depois é contradito na governação. Uma característica essencial na distinção entre democracia e tirania são as eleições; mas na condição de as eleições legitimarem programas de ação e não apenas pessoas. Não vejo nenhuma diferença substancial entre o tirano que governa sem eleições e o governante eleito que governa contra o programa que apresentou aos eleitores.

Comportamentos como a subida de impostos e o corte de vencimentos, contra todas as promessas eleitorais, não é, infelizmente, característica exclusiva do presente governo. Mas há uma “novidade” na sua atuação que considero particularmente grave, na perspetiva da democracia: a justificação do secretismo com que decretou a suspensão de reformas antecipadas. Com esse secretismo, o governo fintou a “populaça”; ganhou uns milhões de euros, mas perdeu a legitimidade da atuação democrática: como pode estar democraticamente legitimada uma atuação propositadamente escondida do povo?

  1. Sobre o povo inglês, escrevia Rousseau, no século XVIII que “acredita ser livre, mas está redondamente enganado; só é livre durante as eleições parlamentares. Mal os deputados são eleitos, a escravatura passa a vigorar e o povo fica reduzido a nada. O uso que faz dos escassos momentos de liberdade mostra bem que merece perdê-los”.

[foto rapinada daqui]

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