A importância das eleições

  1. Se votar mudasse alguma coisa, os políticos tornariam o voto ilegal. A ideia é de Emma Goldman (1869-1940), uma anarquista nascida na Lituânia e que, em 1885, emigrou para os Estados Unidos da América, onde fez parte do movimento anarquista, em cujo desenvolvimento teve um papel fundamental.

Na verdade, todo o sistema político tolera as eleições na medida (e apenas na medida) em que estas o não põem em causa. Todos os eleitores “sabem” que, em Portugal, a escolha determinante do voto levará ao poder o PS ou o PSD – na perspetiva do sistema, duas opções equivalentes. E o mesmo poderíamos dizer de Espanha, de França,… ou da Grécia.

  1. Parece que é o próprio sistema que gera mecanismos automáticos com que se defender de eventuais “percalços”. Nas recentíssimas eleições gregas, a coligação da esquerda radical Syruza obteve uma importância surpreendente, por passar a ser a segunda maior força do parlamento. Surpreendente e, de imediato, preocupante (para o sistema, em particular para os chamados mercados. É só ouvir os comentadores…), já que a referida coligação rejeita totalmente as medidas de austeridade vindas do estrangeiro. Nada de mortalmente grave: sendo grande a dificuldade de formar, assim, um governo estável, o mais provável é que a Grécia tenha de… ir a votos proximamente (para resolver a “coisa” de outro modo, até a resolver… “como convém”).
  1. Quando o sistema prevê que os possíveis resultados das eleições não interessam, anula-as. Seja um exemplo nosso. Em 2004, José Sócrates, então secretário-geral do PS, garantia que, “desta vez, tem de haver referendo” sobre a Europa. E sublinhava: “Acho que esse é o compromisso mais importante que é preciso assumir com os portugueses”. Mas, já no poder e perante os resultados negativos das consultas populares à Constituição Europeia em França e na Holanda, os receios do primeiro-ministro (e ordens do exterior) levaram-no a desistir da consulta popular e propor a ratificação do novo Tratado da UE por via mais segura – a parlamentar (na Alemanha, o euro não foi a referendo porque dois terços dos eleitores votariam contra).
  1. Quando os efetivos resultados eleitorais não interessam ao sistema, este encontra formas de os anular: os irlandeses disseram “não” ao Tratado de Lisboa em referendo – e o referendo foi repetido até… atingir os objetivos pretendidos: o “sim”.
  1. Nenhuma revolução se fez através de eleições. Quando, em 1973, parecia que o Chile de Allende seria a negação desta tese, o golpe de Pinochet encarregar-se-ia de a confirmar.
  1. E a razão para a vitória segura do sistema parece ser esta: o sistema (o económico, em última instância; que é o que efetivamente manda) tem o dinheiro e a influência suficientes para determinar as coisas a seu favor. Com garantias. Por isso, não me parece que a vitória de François Hollande, em França, represente qualquer perigo para o sistema (mercados incluídos). O novo presidente apenas representa o movimento crescente de rejeição da política global de austeridade, em cujas fileiras militam oficiais do sistema: o prémio Nobel estadounidense Joseph Stiglitz, o social-democrata Martin Schulz, presidente do Parlamento europeu… e até um comentador português declarava, na noite da vitória de Hollande, que, embora Sarkozy fosse da sua área política, preferia aquele vencedor. O sistema “sabe” que tem que dar algumas migalhas, para continuar a comer o bolo. Como quem diz, mitigar a austeridade para evitar o risco de revoltas sérias.

1 thought on “A importância das eleições”

  1. Eu concordo.Infelizmente,no nosso país é o contrário. As eleições têm um objetivo único, que é consolidar a paz e a reconciliação dos angolanos, amadurecer a democracia.

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