ECOS: 2. Wittgenstein e Heidegger

Mario Bunge é um filósofo argentino. Aos 92 anos, continua ativo: nos últimos anos publicou várias obras importantes, como Filosofía política, Matter and Mind e Las pseudociencias: ¡vaya timo!. É pouco conhecido entre nós, apesar de mais de meia centena de livros e de meio milhar de artigos publicados, de 19 doutoramentos honoris causa, e do Prémio espanhol Príncipe de Asturias,  em 1982.

O nº9 da revista Filosofía Hoy incluiu uma interessante entrevista com Mario Bunge. Cito uma das perguntas e a respetiva resposta:

Filosofía Hoy: Segundo a opinião filosófica dominante, Wittgenstein e Heidegger seriam os dois grandes filósofos do século XX, o primeiro para os filósofos analíticos e o segundo para os filósofos continentais. Segundo este parecer, hoje não se pode fazer filosofia ignorando as contribuições destes dois astros. Que opinião lhe merece esta análise?

Bunge: Para avaliar uma filosofia, há que perguntar que problemas ela contribuiu para resolver. Wittgenstein negou a existência de problemas filosóficos, e Heidegger não fez outra coisa senão juntar palavras. Wittgenstein é popular porque é trivial, e Heidegger porque é hermético.

36 thoughts on “ECOS: 2. Wittgenstein e Heidegger”

  1. Sobre a “charlatanice académica“:

    “Entendo por “charlatanice académica” a que se produz em certas universidades: consiste numa mistura de [teorias] sem-sentido, falsidades e trivialidades enunciadas numa linguagem hermética e mais ou menos bombástica. O primeiro e pior de todos os charlatães foi Hegel, a quem ninguém teria levado a sério se tivesse escrito em castelhano ou em catalão, numa vilória espanhola. A sua prosa foi tão opaca que gerou duas ou talvez três alas de “intérpretes” que disputaram entre si o seu legado. Hoje em dia o charlatanismo académico provém principalmente de Paris, urbe que, de “Cidade da Luz” a partir de 1750 passou a ser “Cidade das Trevas”, dois séculos e meio depois, graças a Sartre e demais discípulos de Heidegger. Felizmente, o charlatanismo académico não se pratica nas faculdades sérias: as de ciência, engenharia, medicina, farmácia e agronomia. Nestas, tem de se fundamentar o que se afirma e explicar, sempre que alguém admita não entender o que se diz”.

  2. Eis um homem que pensa pela sua cabeça. É talvez demasiado radical em relação a Wittgenstein, que tem umas poucas ideias filosoficamente prometedoras e interessantes. Mas a qualidade filosófica de Wittgenstein está longe da fama que tem. Quanto ao resto, de acordo no essencial.

    A propósito, Mario Bunge tem um livro traduzido entre nós (infelizmente não muito bem traduzido), que o seu A Filosofia da Física, nas edições 70.

  3. Não concordo. Nem em relação a Wittgenstein, nem em relação a Heidegger e também não em relação a Hegel. Não posso montar aqui um caso em relação a nenhum deles, mas o valor de Wittgenstein é óbvio pelas suas enormes contribuições à filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da psicologia (basta ver as discussões de Anscombe, Kripke e Charles Travis sobre ele); Heidegger influencia hoje em dia até àreas tão remotas como a filosofia da inteligência artificial, para além de uma crítica séria à filosofia da mente e epistemologia (ver Dreyfus e Richardson, por exemplo). A quantidade de filósofos que interpretou Hegel como Charles Taylor, Peter Singer e Robert Brandom, para não falar de outros grandes filósofos é imensa e a maior parte das pessoas que o critica não o leu com seriedade. Cometem falácias? Por vezes, mas todos os filósofos que conheço cometem. São difíceis de interpretar? Sim, mas também Kant e Aristóteles. São pouco claros? Não lemos os filósofos pela sua clareza mas pelas suas ideias. Desprezam os valores cognitivos? Só quem não leu estes filósofos diligentemente pode dizer tal coisa. Há boas objecções às suas teses? Todas as teses filosóficas interessantes têm no mínimo uma dezena de boas objecções. Fazem confusões conceptuais e dão maus argumentos? No que li e estudei não fazem tanto como muita gente acusa, e novamente em todos os bons filósofos há uns bons quantos non sequitur flagrantes.

    1. Que não lemos os filósofos só pela clareza parece-me óbvio. Mas seguramente que os lemos por serem esclarecedores, coisa que é muito difícil de alcançar quando se procura deliberadamente obscurecer as próprias ideias e tornar a sua discussão mais difícil do que exige a dificuldade do assunto.

      1. “Mas seguramente que os lemos por serem esclarecedores…” Num sentido trivial sim, isto é claro que lemos filósofos porque achamos que as suas ideias são de grande importância teórica, mas isto é perfeitamente compatível com “…coisa que é muito difícil de alcançar quando se procura deliberadamente obscurecer as próprias ideias e tornar a sua discussão mais difícil do que exige a dificuldade do assunto.”. Parece-me que a utilização da palavra “esclarecedores” é ambígua entre uma interpretação que é claramente correcta e ninguém nega e outra que tem haver com utilizarem uma linguagem ou estilo de pensamento claros. Mas um filósofo pode ser esclarecedor num sentido sem o ser no outro.

        1. Não estou a usar “esclarecedor” no sentido de pensar que as ideias do autor são muito importantes teoricamente (há dois modos de as ideias de um filósofo serem importantes: serem teoricamente importantes, por si mesmas, e pela influência que exercem noutras pessoas, independentemente de serem teoricamente triviais ou até falsas).
          O sentido de “esclarecedor” que estou a usar é mesmo o de produzir compreensão do mundo. Podes ripostar a isto que qualquer pessoa pode alegar que compreende melhor as coisas depois de ler Heidegger. Mas eu duvido muito sinceramente que isto seja verdade. Se é possível formarem-se “escolas” interpretativas que disputam ferozmente o título de “verdadeiras intérpretes” do santo padroeiro, e quando a enorme influência e popularidade do santo padroeiro se exerce sobretudo pelo legado menos feliz destas escolas de interpretação, há razões para duvidar de que as ideias do autor sejam de todo esclarecedoras. Inclino-me mais a pensar que é a sua obscuridade que as torna populares, num sentido semelhante àquele em que a trivialidade dos slogans políticos os torna aptos para o fim que desempenham: frases que ou nada afirmam ou com nada se comprometem e que depois cada leitor preenche com os seus próprios desejos e receios.

          1. “O sentido de “esclarecedor” que estou a usar é mesmo o de produzir compreensão do mundo.”

            Mas é trivial que, se as ideias têm grande importância teórica então produzem compreensão do mundo. Para negares o consequente, tens de negar o antecedente, mas agora o que não podes fazer é admitir o antecedente e rejeitar o consequente. A partir do momento que admites a compatibilidade entre linguagem obscura e ideias teoricamente importantes, admites a compatibilidade entre linguagem obscura e compreensão do mundo. Ou estou equivocado?

  4. Não concordo com o José. Como referi antes, Bunge exagera um pouco, mas tanto Wittgenstein como Heidegger são sobrevalorizados. Com isto não quero dizer que nenhuma ideia deles tenha interesse, mas apenas que a sua enorme popularidade não corresponde à sua qualidade filosófica. Wittgenstein, por exemplo, tem do melhor e do pior, mas às vezes parece que é a sua biografia que o torna particularmente especial. O José diz que esses filósofos são frequentemente lidos de maneira pouco séria, e que isso explica certas críticas que lhes são feitas. Mas também podemos dizer que a forma pouco séria (ou acrítica) como são lidos explica também a sua popularidade. Que tanto Wittgenstein, como Heidegger ou Hegel, foram muitíssimo influentes, não há dúvida alguma. Tal como têm sido enormemente influentes o Derrida e o Foucault, por exemplo, não só na teoria literária, como nas ciências sociais, na arquitectura, etc. Mas isso não mostra que são bons filósofos ou que as suas ideias são sequer interessantes. Não é mesmo nada difícil encontrar carradas de pessoas influentes que em nada contribuiram para uma melhor compreensão do mundo. Claro que muitos filósofos se deram ao trabalho de interpretar Hegel, Heidegger e outros, precisamente porque são influentes e isso justifica que se lhes preste atenção. Por exemplo, Heidegger tem sido muito influente no que diz respeito ao seu desprezo pela racionalidade e, sinceramente, do que li dele não vejo grande interesse nos valores cognitivos.

    1. Sobre Derrida e Foucault não conheço o suficiente, apesar de partilhar a opinião que as suas reputações ultrapassam de longe as suas capacidades. Derrida fez trabalho sério inicial, interpretando Husserl principalmente, mas depois entregou-se à charlatanice. Foucault não é primariamente um filósofo, é mais um autor em estudos culturais – mas basta ver a sua discussão com Chomsky, por exemplo, para reconhecer que é muito melhor que o Derrida…

      É claro que há muitos charlatões que se intitulam filósofos e professores do filosofia, tanto da universidade como do liceu, que precisavam de, no mínimo, um bom curso de pensamento crítico e lógica informal (e a formal também não lhes fazia mal nenhum), que pensam que a filosofia é apenas história da filosofia, que estão com duzentos anos (e às vezes mais) de atraso em relação à investigação actual… No fundo, que não fazem a mais pequena ideia (para não usar uma expressão mais forte) do que é pensar filosoficamente. Mas isso não implica rejeitar ideias valiosas e originais simplesmente porque alguém escreve com um estilo para enganar papalvos, até porque no caso de Hegel todos os filósofos da altura escreviam assim (será que por isso não podiam ter boas ideias?), no caso de Heidegger ele achava que tinha razões para isso (e Husserl não é propriamente cristalino) e Wittgenstein era o primeiro a admitir que não tinha escrito um bom livro em termos de estilo.

      Bem, não cabe aqui provar que Heidegger e Wittgenstein (ou Hegel) estão ao nível da sua reputação (nem sei bem o que um argumento para isso seria), mas posso certamente apontar que apesar de haverem muitos livros a tentar mostrar porque Heidegger e Wittgenstein são merecidamente grandes filósofos, não conheço livros a tentar mostrar o contrário (mas pode ser ignorância minha). Se isto for assim, parece-me claro onde recai o ónus da prova.

  5. José, é natural que não conheças livros a mostrar que Heidegger ou Wittgenstein são pouco importantes. Mas também não vais encontrar livros desses sobre que filósofo for. Simplesmente não é habitual escreverem-se livros a mostrar tal coisa, e parece-me que muito bem. Os filósofos e historiadores de filosofia têm coisas mais importantes sobre o que escrever do que gastar o seu tempo com o que consideram digno de pouca atenção. Seria até algo incoerente fazê-lo.

    Ora, a falta de tais livros não lança sobre quem diz que Heidegger é um mau filósofo o ónus da prova, ao contrário do que alegas. Já agora, digo “mau filósofo” em vez de “pouco importante” porque, ao influenciar tanta gente, não podemos negar que foi importante e, como parece claro, esse não é o meu ponto. Mas o mais curioso é que Heidegger é, precisamente, dos raros filósofos acerca de quem se escreveram livros a mostrar que o seu pensamento é pernicioso e filosoficamente mal motivado. O enorme best seller do Victor Farias deu muito que falar e procurava mostrar precisamente isso. Mas tens muitas passagens de prestigiados filósofos, como Russell e, mais recentemente, Scruton, por exemplo, entre muitíssimos outros. Scruton chega mesmo a dizer que, quando se entende o que escreve (o que nem sempre se consegue), aquilo é de uma banalidade hilariante. Seja como for, acho que não é contando espingardas que se mostra que Heidegger é bom ou mau filósofo, pelo que ambos temos de justificar o nosso veredicto sem recorrer a isso.

    Pessoalmente, acho que o esforço que exige para se compreender alguma coisa em heidegger, não compensa o que se compreende. Veja-se a concepção dele da arte como desvelamento do Ser (com maiúscula!). Não temos tempo nem espaço para discutir isso aqui, mas atrevo-me a dizer que se trata de uma metáfora que nos deixa praticamente na mesma. Pode até ser uma metáfora inspiradora, como muitas das metáforas dos poetas, mas a filosofia propriamente dita começa quando se explicam e se sustentam ou justificam tais metáforas com argumentos. Ora, encontrar argumentos em Heidegger é uma tarefa realmente espinhosa e só com muita caridade interpretativa lá chegamos. E, mesmo assim, não podemos estar seguros de que tais argumentos reflictam bem o que Heidegger tem em mente (é por isso que tem batalhões de seguidores a intepretá-lo de modos diferentes e muito poucos a discuti-lo). Ora, isto torna quase impossível a discussão filosófica, pois não sabemos muito bem que argumentos estamos a discutir (e há sempre alguém que responda: mas não era bem isso que ele queria dizer).

    Hegel já é diferente, embora também quase não se dê ao trabalho de argumentar. Tal como para Heidegger, parece que a verdade atingiu as sua cabeça como uma espécie de revelação, pois o seu discurso é quase sempre do género: isto é assim e assim e assado. Compreende-se tudo muito bem, mas são só afirmações umas atrás das outras informando-nos como as coisas são, em vez de argumentar. Não nego que o quadro geral faça sentido e que não haja aspectos interessantes ou mesmo filosoficamente inspiradores. Mas creio que, apesar da influência que exerceu à época, essa influência foi esmorecendo e tem sido ultimamente referido quase só de relance.

    Quanto a Wittgenstein, o caso é diferente. É um filósofo que tem do pior e do melhor, mas é frequentemente o pior que é incensado acriticamente por muito aprendiz apressado e encandeado com o brilho romântico da biografia do génio irascível e incompreendido. Quando Bunge fala das trivialidades de Wittgenstein, está certamente a pensar na história dos jogos de linguagem e de muita coisa do tipo que se encontra sobretudo nas Investigações Filosóficas. Mas, insisto, entre Wittgenstein e Heidegger só há de comparável a idolatria cega que muitos idólatras lhes devotam. E, por vezes, alguma tendência de Wittgenstein para o discurso algo metafórico e sugestivo. De resto, a diferença entre ambos é enorme.

    Voltando ao princípio, reconheces que Derrida foi um charlatão. Mas há carradas de livros a tentar mostrar que é um grande filósofo. Aponta-me um livro a mostrar o contrário. Parece que tu próprio reconheces implicitamente que o critério por ti apontado para decidir se Heidegger é ou não um bom filósofo não funciona.

    1. Eu não estava a propor nenhum critério para mostrar que Heidegger é um grande filósofo (até disse que não sei o que seria um argumento conclusivo a favor disso), mas apenas que se defendemos a tese que Heidegger é um mau filósofo temos o dever de ler a melhor literatura que defende o contrário.

      Eu fui talvez demasiado exagerado a dizer que não havia nenhum livro ou, digamos, artigos e passagens a tentar mostrar que Heidegger é um mau filósofo. Mas note-se que esse livro do Victor Farias é sobre se o nazismo influenciou o pensamento de Heidegger, não de maneira nenhuma um tratamento sistemático imparcial da sua filosofia.

      Em relação a Derrida, de facto não conheço nenhum livro contra ele, mas eu comecei por dizer que não estudei o pensamento dele a sério e, logo, admito que a minha opinião é superficial. Mas há por exemplo Anthony Kenny que na sua história da filosofia avalia Derrida muito criticamente (mas não é assim com Heidegger). Só há um livro escrito de modo imparcial e com conhecimento da filosofia analítica actualizada que eu conheço defendendo Derrida de Barry Stocker (e acho que saiu outro recentemente da Routledge, mas não li), mas não me convenceu. Em relação a Heidegger existem muitos filósofos que têm um bom conhecimento da tradição analítica e com um bom nível argumentativo a escrever sobre ele, como Hubert Dreyfus, Sean Dorrence Kelly, William Blattner, Daniel Dahlstrom, Jeff Malpas e muitos muitos mais.

      A minha queixa, posto de modo simples, é que quem acha que Heidegger é um mau filósofo não leu a melhor literatura a respeito dele (em conjunção com os textos do próprio Heidegger obviamente).

      Mais do que isso, para perceber Heidegger é necessário perceber Husserl, porque as teorias de Heidegger sobre, por exemplo, a experiência da passagem do tempo e sobre a verdade são sempre avançadas tendo por pano de referência Husserl (que a maior parte das pessoas que critica Heidegger também não leu). E Husserl? Também consideras que é um mau filósofo, Aires?

      Sobre Wittgenstein a história é diferente. Há filósofos inegavelmente bons que acham que há muito a encontrar na obra dele e, até Russell, o achava um filósofo de génio (apesar de não gostar das Investigações Lógicas). Mas, não se pense que estou a usar um argumento da autoridade! O que estou a dizer é que houve grandes filósofos como Dummett, Anscombe, Kripke, Wright, McDowell, Brandom, Travis e outros que escreveram sobre Wittgenstein encontrando lá ideias geniais e altamente valiosas. Admites isto, espero, mas dizes que também há muito do que é mau. Bem, isso também é verdade de Aristóteles e Kant, mas não é por isso que os deixamos de considerar grandes filósofos. Ou, para dar um exemplo mais recente, Quine que tinha opiniões radicais, outras claramente falsas e outras ainda de dúbia coerência sobre o naturalismo, analiticidade, modalidade, linguística e o behaviourismo. Mas não é por isso que o deixamos de ler, aprendemos é a separar o joio do trigo.

  6. Ocorre-me que a popularidade de Wittgenstein também deve algo à popularidade que todas as filosofias que pretendem “superar a filosofia” inevitavelmente têm. Pensando bem, este é um elo comum a Hegel, Marx, Heidegger, Wittgenstein e a lista prolonga-se até aos ataques mais recentes do pós-modernismo. A polémica anti-filosófica excita as paixões e o carácter auto-derrotante desses esforços nunca os impede de se renovarem como moda a cada geração que passa. A ideia do “ciclo que se fecha e do novo que se abre” exerce uma forte atracção em quem é incapaz de se excitar com as pequenas, quase invisíveis, articulações claras mas realmente produtivas, de que a filosofia é feita.
    Que tudo isto é compatível com a presença de ideias interessantes em qualquer destes autores é que parece mesmo uma trivialidade. Mas esta compatibilidade não mostra que a observação de Bunge está errada.

    1. Mas também não mostra que está certa. Dêem-me um exemplo de algo associado a Wittgenstein que seja trivial? O argumento da linguagem privada? Não. A ideia dos jogos de linguagem? Não (pode ser falso mas isso seria ainda outra coisa), na realidade isto implica a falsidade de muitas das teses de Carnap, por exemplo. Semelhanças de família e sensitividade ao contexto? Não, como o mostrou durante uma carreira inteira Charles Travis de oposição às suas ideias. As suas ideias em filosofia da matemática? Não, como Wright e Dummett se fartaram de discutir.
      As suas ideias em filosofia da mente e da psicologia? Não, como Bennett e Hacker mostram aplicando as ideias de Wittgenstein para criticar muita ideia influente em Neurociência e a ideia de que somos os nossos cérebros ou o que quer que seja (para não falar das investigações de Budd e McGinn)… Por fim, a sua visão quietista da filosofia? Então a mesma objecção aplica-se a McDowell, por exemplo. Qualquer acusação da trivialidade das ideias de Wittgenstein espalha-se imediatamente para muitos autores merecidamente influentes. Se é uma queixa contra o primeiro, também o deve ser contra os segundos. Mas eu penso que não o é contra os segundos. E, por consequência, também não o é contra o primeiro.

  7. José, dizer que quem não acha Heidegger um bom filósofo é porque não conhece bem o que ele escreveu e o que os outros escreveram sobre ele (presumo que a melhor literatura a respeito dele é apenas aquela em que diz bem dele como filósofo), é apenas uma maneira de bloquear a discussão. Na verdade, o que estás a fazer é utilizar repetidamente o argumento de autoridade. É certo que nem todos os argumentos de autoridade são maus, mas o teu é. E é mau porque apontas selectivamente apenas os que defendem que Heidegger é merecidamente um bom filósofo. Como sabes, quase sempre há gente a defender de tudo e, portanto, não é difícil encontrar quem esteja do lado que queremos. No caso de Heidegger até há muitíssimos outros filósofos reputados que, ao contrário do que sugeres, leram não só Heidegger como Husserl com mais profundidade que nós os dois (alíás, com mais profundidade do que tu, uma vez que sugeres que eu não o li com atenção, se é que o li de todo). Mas Heidegger, ao contrário de Aristóteles, Descartes, Hume, Kant e outros, não é consensualmente um bom filósofo. Pode haver quem se queixe do estilo, bastante retorcido e mastigado, de Aristóteles e de Kant, mas não de misticismo ou de tratar de pseudo-problemas, como muito boa gente sustenta a propósito de Heidegger. Já agora, o livro do Farias vai um pouco mais longe do que dizes, pois não se trata apenas de mostrar a influência do nazismo em Heidegger, mas também de mostrar que essa ligação não é meramente acidental e que há aspectos do seu pensamento que apontam claramente para algumas das ideias nazis (aliás, é sabido que Heidegger não foi um nazi ingénuo e enganado, mas consciente e activo). De resto, a sua crítica mística à razão ocidental casa muito bem com o nazismo.

    Mas não é por isso que acho que é um mau filósofo. Poderia ser nazi e ter dado contributos importantes para a filosofia, como foi o caso de Frege, outro simpatizante (menos empenhado) do nazismo. Só que os contributos filosóficos de Frege têm tanto de intrínsecamente nazi como a engenharia naval de comunista. Os contributos de Frege para a lógica e para a filosofia da linguagem estão conceptualmentre muito distantes da ideologia nazi. Já no caso de Heidegger, as coisas aproximam-se perigosamente.

    Quanto a Wittgenstein, as coisas não se colocam da mesma maneira e já aqui disse repetidamente que não acompanho o exagero de Bunge. Claro que todos os filósofos têm ideias erradas. O problema com Wittgenstein é precisamente serem algumas das suas ideias erradas (associadas à sua biografia de enfant terrible) a dar-lhe tanta popularidade. E tudo isto começa logo com uma questão filosófica de base, que é o cepticismo que sustenta a sua concepção metafilosófica. Como refere o Vitor, isto dá logo uma certa pica a algumas mentes apressadas e preguiçosas. Resolver problemas é uma tarefa muito cansativa, mais cansativa do que simplesmente dissolvê-los.

    1. Talvez eu devesse ter feito uma formulação mais cuidadosa. Não estou a utilizar qualquer argumento de autoridade (como afirmei na minha resposta – e, sim, eu sei que do facto de eu dizer que não estou a utilizar um argumento da autoridade não se segue que eu não esteja a utilizar um argumento de autoridade), o que estou a defender é a seguinte tese com pressupostos mínimos: Se alguém critica o autor x, então tem o dever de ler o autor x e a bibliografia secundária de melhor qualidade acerca do autor x. Isto a mim parece-me inegável, mas, pelo menos grande parte das pessoas que critica Heidegger que eu tenha lido (não fiz qualquer comentário acerca de pessoas particulares, muito menos de ti Aires), caí nesta categoria. E a melhor bibliografia secundária a respeito de Heidegger NÃO é a que diz mais bem a respeito dele (como é óbvio, só numa leitura muito pouco caridosa da minha expressão “melhor bibliografia” é que se poderia ler “diz melhor a respeito de”), na realidade muitos comentadores acham que os vários argumentos e teorias dele falham, o que não significa que não tenha outras teses e argumentos interessantes ou que as teses e argumentos que falham não o façam por razões interessantes.

      Sobre o Farias, é verdade que ele tenta argumentar que o pensamento de Heidegger implica o nazismo, ou talvez de modo mais fraco, que a política nazista é a mais compatível com a filosofia de Heidegger. Não é nada líquido que assim seja, dado que houve muitas respostas a esse livro. Mas, mesmo assumindo isso, as teses de Heidegger em epistemologia, fenomenologia, filosofia da linguagem e filosofia da mente certamente não implicam o nazismo e como é nisso que eu estou interessado, posso muito bem ignorar as outras partes…

      Sobre o facto de haver filósofos muitíssimo reputados que leram Heidegger e Husserl com muito mais profundidade do que eu (o que se poderia dizer a respeito de qualquer filósofo)e acham que Heidegger é um charlatão, a única coisa que posso dizer é que não conheço os seus trabalhos a apresentar essas conclusões. É claro que podes dizer que ninguém tem a obrigação de andar aí a criticar os outros porque é uma perda de tempo, mas se não publicam como posso eu avaliar a justiça das suas críticas (para além de que, se aceitam que Heidegger é assim tão nocivo, então parece-me que de facto têm a obrigação intelectual de publicar algo a respeito).

      Não me parece que estejas a fazer uma leitura caridosa do que eu estou a dizer, acontece simplesmente que avaliamos alguns dados e chegamos a conclusões opostas. A única maneira de te convencer que Heidegger é um filósofo decente é publicar artigos explorando ideias dele (o que muita gente fez), mas agora se me disseres que mesmo que eu faça isto não tens de ler nada do que eu escreva, então não tenho como te convencer! Eu, longe de fechar a discussão, estou a abri-la. Estou a dizer: Se acham que Heidegger é péssimo tudo bem, mas mostrem-me as vossas críticas detalhadas para eu as poder avaliar e concluir pela sua correcção ou não. Enquanto tu não me estás a dizer o que seria preciso para mudares de opinião. A acusação que estou a agir de má-fé ou que sou um discípulo dogmático não poderia estar mais longe da verdade.

      1. José, parece-me que insistes em aspectos que nem sequer disputo, pelo que talvez eu não tenha conseguido ser claro. Por exemplo, quando reafirmas que «se alguém critica o autor x, então tem o dever de ler o autor x e a bibliografia secundária de melhor qualidade acerca do autor x», dás a ideia de que me opus a isso. Claro que não me passa pela cabeça dizer que não é preciso ler o autor, pois seria demasiado tolo da minha parte negá-lo. O que estranho é estares subtilmente a presumir que quem não acha Heidegger um bom filósofo é porque não o leu (ou, pelo menos, não o leu com atenção, ou com profundidade, ou sem preconceitos, ou seja o que for). Não vamos, pois, insistir nisso, dado que não ajuda a justificar qualquer dos nossos juízos sobre Heidegger.

        Mas também falas em ler a «bibliografia secundária de melhor qualidade». Em relação a isso, não digo que não seja importante. O que digo, sim, é que isso não tem de ser decisivo para avaliar a qualidade do autor. Em primeiro lugar, porque a avaliação está muito longe de ser consensual. Em segundo lugar, porque mesmo que o fosse, isso não seria razão suficiente para nos impedir de discordar. Imagina que os primeiros quatro ou cinco estudos sobre Heidegger eram francamente positivos em relação à sua qualidade filosófica. Dado o consenso verificado, ficaria então estabelecido de uma vez por todas que Heidegger é um bom filósofo. E se houvesse um sexto estudo sobre o mesmo autor a defender o contrário, esse estudo seria necessariamente tolo. Ora, isto não faz sentido, como certamente concordas.

        Outra coisa que não me parece razoável da tua parte é dizeres que não conheces os trabalhos de outros filósofos que alegam não ser Heidegger um bom filósofo, depois de me apontares alguns trabalhos favoráveis à boa reputação de Heidegger. Bom, eu poderia também responder que não conheço esses trabalhos e as coisas ficavam assim. Tu deste-me nomes a favor de heidegger e eu dei-te nomes contra heidegger. Parece-me até que os nomes que te dei são bem conhecidos: um deles até é autor de uma das mais famosas histórias da filosofia ocidental e o outro também tem publicado abundantemente sobre a história da filosofia. Estou a falar de Russell e de Scruton, como poderia falar de muitos outros. Mas, seja como for, nós temos também de tentar pensar por nós quando lemos Heidegger, que é o mais importante, e ser capazes de justificar os nossos juízos, nem que seja muito resumidamente, coisa que penso ter feito. De resto, não consigo ver qualquer propósito na tua ideia de que, escrevas o que escreveres sobre Heidegger, nunca terei de te ler e nunca me irás convencer. Sinceramente, preferia que não tivesses dito isso. Eu, pelo contrário, acredito que és capaz de avaliar cuidadosamente o que eu escrever sobre o assunto e que não o irás ignorar apenas porque não vai de encontro ao que já pensavas antes disso. Além disso, não te acuso de rigorosamente nada. Estou só a trocar argumentos contigo sobre a relevância filosófica de Heidegger e, tal como não espero ver aqui «argumentos detalhados» teus a favor do que afirmas, também não me parece razoável pedires-me argumentos detalhados em sentido contrário neste curto espaço da caixa de comentários de um blogue.

        Quanto à bibliografia secundária sobre Heidegger, é natural que a maior parte dela apresente uma perspectiva positiva sobre ele, pois não faz grande sentido alguém achar que um certo autor não tem grande interesse filosófico e dedicar-se a publicar obras inteiras sobre ele. Mas uma coisa é dedicar-lhe obras inteiras, outra é manifestar, de forma justificada, a sua opinião negativa sobre ele em diversas passagens dos seus livros ou de outra forma qualquer publicamente acessível.

        Uma última nota: falas da importância de Heidegger na epistemolgia, na filosofia da mente e na filosofia da linguagem (excluo obviamente a fenomenologia, que creio não ser uma disciplina filosófica tradicional). Mas gostaria que me desses exemplos de boas introduções à epistemologia, à filosofia da mente e à filosofia da linguagem em que as referências a heidegger sejam compatíveis com tal importância. Bom, penso que tenho algumas boas introduções a essas disciplinas filosóficas e, quando Heidegger é referido (o que na maior parte dos casos nem sequer acontece), é-o quase só como curiosidade ou nota de rodapé.

        Mas posso estar enganado, claro. Pelo que não te sintas tentado a abandonar esta saudável discussão.

        1. Novamente, admito que a minha forma de expressão não foi clara. De facto quando eu falei de acusação, uma leitura natural era ver como implicatura que eu me estava a referir a ti. Cancelo explicitamente a implicatura, o que eu queria dizer é que se alguém me acusasse de ser um discípulo que venera as teses de Heidegger, não poderia estar mais longe da verdade. Ou seja, eu estou perfeitamente disponível a mudar de opinião, caso o argumento aí conduza… Sobre a ideia que não me tens de ler se escrever um artigo hipotético sobre Heidegger, estava a partir do pressuposto, que já vi que é falso, que tu pensavas que não era necessário ler bibliografia de qualidade sobre Heidegger quando se o critica. Mas, deixemos isso que nem é o mais importante.

          Sobre Russell e Scruton, bem a única coisa que eu li que Russell tenha escrito sobre Heidegger foi: “Highly eccentric in its terminology, his philosophy is extremely obscure. One cannot help suspecting that language is here running riot. An interesting point in his speculations is the insistence that nothingness is something positive. As with much else in Existentialism, this is a psychological observation made to pass for logic.” Que provavelmente foi um comentário passageiro, não há provas que Russell tenha lido Heidegger seriamente. A crítica é facilmente vencida pela réplica que as observações sobre o nada de Heidegger não são nem lógicas, nem psicológicas, mas fenomenológicas (a ideia de que a filosofia tem de separar claramente questões lógicas de qualquer referência à mente ou ao sujeito é algo que está em disputa no pensamento de Frege e Husserl, apesar de Husserl também rejeitar o psicologismo na sua filosofia madura – estou convencido que as disputas, aparentemente superficiais para um observador da época, entre Frege e Husserl estão profundamente implicadas na divisão entre fenomenologia (e todas os grandes nomes continentais posteriores foram informadas por ela) e filosofia analítica). Scruton, vou ler o que ele diz.

          Atenção, quando eu digo que não conheço, não significa que não li, mas simplesmente que não ouvi sequer falar pelo que não posso dar uma resposta apropriada a esses autores sem me familiarizar primeiro com as suas críticas.

          Uma boa introdução à filosofia da mente e ciências cognitivas é dada por Shaun Gallagher e Dan Zahavi, que conheçi pessoalmente e cujo conhecimento da filosofia analítica da mente e capacidade crítica são de nível elevado, no livro The Phenomenological mind: an introduction to the philosophy of mind and cognitive ciences. Ou no trabalho de Andy Clark, Being There: Putting Brain, Body and World together again (um título com óbvias ressonâncias Heideggerianas), em que ele, como é costume nos seus excelentes livros, diz o que pensa sobre a direcção do estado actual da filosofia das ciências cognitivas.

          Já agora, neste link http://philosophyandpsychology.com/?p=771 encontra uma boa resposta para a relevância de Heidegger para o século XXI, na filosofia da mente pelo menos.

          Em relação à epistemologia, confesso que não conheço nenhuma obra introdutória que fale extensamente de Heidegger mas a sua influência é óbvia através da distinção de Ryle entre Knowing how e Knowing that admitidamente inspirada em Heidegger (que Ryle leu). Para além disso, há dois excelentes livros dedicados exclusivamente há relação da obra de Heidegger com Epistemologia, um do Richardson e outro de Guignon. Mas também é normal que o pensamento de Heidegger não se encontre abordado em boas obras de introdução à epistemologia, por duas razões. A primeira é que as obras de introdução que tenho não se dedicam geralmente a autores da história da filosofia mas ao tratamento contemporâneo dos assuntos e a segunda é que Heidegger nunca foi muito estudado entre maior parte dos filósofos da tradição analítica (apesar de, pessoalmente, não gostar nada de falar da tradição analítica como se fosse uma coisa homogénea, mas neste contexto a expressão é útil). Mas, note-se que na primeira metade do século seria impensável estar em Oxbridge ou numa Ivy league university na América a escrever sobre Nietzsche ou Hegel e hoje em dia há filósofos analíticos a escrever sobre isso. Penso que o pensamento de Heidegger vai ser cada vez mais estudado quando as pessoas começarem a aperceber-se que contém ideias importantes. Já agora, Jason Stanley (um autor de ponta), por exemplo, cita ainda algumas vezes Heidegger quando discute esta questão do Know How (que ele disputa com Williamson que seja mesmo distinto de Know that).

          Na filosofia da linguagem, não me quero compremeter com nada muito forte (mas é claro que a ideia de Searle de background, que Searle acha essencial à referência e intencionalidade, já se encontra em Heidegger, o que faz o próprio Fodor – um autor que está acima de qualquer suspeita de parcialidade para com Heidegger – dizer que acha que Searle a emprestou dele, penso que no livro The Mind doesn’t work that way . Mas também, eu não disse que Heidegger era amplamente creditado com teses importantes nestes domínios, mas só que eu estava interessado em algumas ideias dele nestas áreas.

          É verdade que é injusto pedir-te criticas detalhadas num pequeno post, mas penso que é razoável pedir ao menos exemplos de críticas. Falaste da aplicação da teoria de verdade de Heidegger à arte, mas Heidegger não faz isso como eu fiz no meu artigo, ele discute a questão da arte na “Origem da Obra de Arte”, mas nunca se propôs que eu me lembro a dar um tratamento sistemático das questões da filosia da arte. Eu é que acho que se pode aplicar ideias Heideggarianas à filosofia da arte dando-lhes um tratamento sistemático. Falas também repetidamente de Ser com “S” maiscúlo, mas não conheço nenhum intérprete que ache que isso signifique uma espécie de entidade etérea (na realidade, todos unanimemente rejeitam explicitamente isso) , na realidade o que Heidegger diz é precisamente oposto disso. Como ele diz repetidamente, ser é sempre ser de um ente. Se te faz confusão falar de ser podes sempre falar da inteligibilidade como Dreyfus faz. Da caneca que é inteligível como canece, o ser da caneca não é mais do que a inteligibilidade da caneca qua caneca.

          Ideias que eu acho interessantes em Heidegger incluem: o seu óbvio externalismo, a sua teoria da verdade (que na realidade não é bem uma teoria da verdade strictu sensu, mas está relacionada), o seu contextualismo, as suas ideias sobre o significado e referência, as suas ideias sobre estados mentais e é claro as suas contribuições à fenomenologia. Já agora, é curioso que não incluas a fenomenologia nas áreas da filosofia, o que me lembra que não me respondeste ao que afinal pensas sobre Husserl (era, de facto uma pergunta, não era uma expressão de indignação nem nada do género, embora não sejam mutuamente exclusivas).

          Mas é claro que eu posso estar errado e as ideias de Heidegger nestes domínios serem insustentáveis.

  8. Não estou a negar que uma ideia teoricamente importante *pode* ser formulada obscuramente, nem penso que Wittgenstein fosse trivial, nem que um autor importante nunca diz trivialidades (pelo que não se mostra que um autor é trivial apenas citando algumas trivialidades que tenha dito – é por isso que a afirmação sobre Wittgenstein é exagerada – era preciso que o autor não tivesse dado qualquer contributo substancial).

    Se uma ideia obscura é importante porque a discussão das diversas reconstruções racionais possíveis dessa ideia produz compreensão do mundo então há lugar para perguntar se o valor das reconstruções racionais não é independente do valor da ideia original (que na verdade até pode ser mais fielmente representada pela pior reconstrução disponível).
    O que afirmei, em resumo, é que o obscurantismo verbal deliberado impede inclusive que uma boa ideia dê frutos. O que isso vai gerar é escolas de interpretação a chamarem-se mutuamente de “revisionistas” e muita “leitura pouco séria” como se referiu aqui. As pessoas vão perder imenso tempo só a tentar estabelecer o que o autor quis realmente dizer e muitas vezes o progresso está não na própria ideia mas de discutir as diversas reconstruções disciplinadas dessa ideia. Pergunto-me é se essa reconstrução vale realmente a pena, a menos que sem o autor que se exprimiu obscuramente nem sejamos capazes de identificar o problema acerca do qual podemos conceber esses argumentos, sejam estes ou não reconstruções adequadas do que o autor quis dizer.
    Seja como for, não me parece nenhum escândalo afirmar que Heidegger é popular *por causa* da sua obscuridade. Mas há dúvida de que isto é mesmo verdade, por muitas ideias interessantes que possamos encontrar nos seus textos? Acaso não é verdade que o misticismo verbal é precisamente o que mais atrai as pessoas em geral para autores como Heidegger?

  9. Além de que “interessante” é uma palavra ela própria nebulosa. Se Heidegger tem ou não ideias nazis isso é seguramente interessante. Nem todas as ideias interessantes têm de ser contributos cruciais para a história da filosofia e para a nossa melhor compreensão do mundo.

  10. Sim, concordo com o que disseste Vítor. De facto, o que atraí as pessoas a Heidegger é o seu obscurantismo e claro que as reconstruções têm valor por si, independentemente de serem o que o autor realmente disse ou não. Nesse aspecto não tenho nada a criticar, mas subscrevo completamente ou quase completamente ao que disseste.

  11. José, respondo mais abaixo, pois o espaço disponível acima começa a ser tão estrito que a leitura deixa de ser confortável.

    A melhor maneira de avaliar o impacto das ideias de um filósofo é ver se tais ideias foram frutuosas, isto é, se alimentaram a discussão filosófica subsequente. Isto é relativamente fácil de verificar: é uma questão de ver até que ponto outros grandes filósofos se referem a ele, utilizam as suas ideias, lhes respondem, enfim, se discutem com ele. Isso não se avalia normalmente pelo que os estudiosos e comentadores do filósofo dizem dele. Por exemplo, para avaliares a importância de Frege basta leres Russell, Strawson, Donnelan, Kripke e muitíssimos outros filósofos de primeiro plano, mostrando assim que as suas ideias continuam a ser discutidas. Russell, responde a Frege, Strawson responde a Russell, Donnelan e Searle respondem a ambos, Kripke responde a todos e poderia continuar. Isto para referir apenas o caso da filosofia da linguagem. Mas poderia falar de outras disciplinas filosóficas, em que vês os grandes filósofos discutirem as ideias uns dos outros, num diálogo filosófico que continua.

    Ora, fora do existencialismo e da fenomenologia (já agora, claro que incluo a fenomenologia nas áreas da filosofia, onde foste buscar a ideia de que não incluo?), são raros os filósofos que se dão ao trabalho sequer de discutir Heidegger, ainda que possas encontrar de quando em quando uma ou outra referência, como as que indicaste (como referi antes, não digo que não haja uma ou outra ideia filosoficamente inspiradora em heidegger, como haverá em todos os filósofos). Quanto a comentadores e especialistas em Heidegger, claro que os há aos montes e é o caso de alguns dos que apontaste: o Charles Guignon e o Hubert Dreyfus são precisamente dois bons exemplos. São quase só conhecidos pelos estudiosos de heidegger e, fora disso, não escreveram grande coisa que se destaque em termos filosóficos. Aliás, é suposto que o Cambridge Companion to Heidegger reúna os melhores scholars sobre o assunto. Tirando o Charles Taylor (que curiosamente começa por advertir para a evidente falta de consenso sobre a importância filosófica de heidegger) e o Rorty (que, apesar de ter dito que heidegger era opaco, ou coisa parecida, acabou por se tornar o grande responsável pelo interesse que heidegger veio a despertar nos EUA) todos os outros são ilustres desconhecidos fora do círculo dos estudos heideggerianos. De resto, o interesse por Heidegger nos EUA e em Inglaterra, tal como o enorme interesse por Derrida, Deleuze, Foucault, Irigaray e outros, verifica-se sobretudo nos departamentos de estudos sociais e das chamadas ciências humanas, além dos estudos literários. Nos departamentos de filosofia o seu impacto é pouco menos que residual. Suspeito mesmo que, em alguns casos, é apenas para não se ser acusado de politicamente incorrecto (ok, aqui há um pouco de provocação minha).

    Seja como for, se fizeres uma lista dos 30 ou 40 melhores e mais discutidos filósofos dos últimos 30 ou 40 anos, verás que as referências a Heidegger são quase inexistentes, ao contrário do que acontece com Frege, Moore, Russell, Wittgenstein, Quine, Carnap, Ayer, Searle, Popper, Ryle, Grice, Kripke, Lewis, Rawls, Nozick, Kuhn, Dennett, Goodman, Davidson, Nagel, Hare, McGinn, Blackburn, Williamson, entre outros. E, sim, também Husserl. É frequente encontrares qualquer um destes referirem-se abundantemente uns aos outros e discutirem as ideias uns dos outros (bom, claro que Frege não poderia discutir as ideias de Kripke, mas acontece o inverso). Note-se que a lista atrás não são os meus filósofos preferidos, pois até acho que alguns deles estão errados na maior parte do que defendem.

    Mais, se Heidegger é assim tão influente na epistemologia, na filosofia da mente e na filosofia da linguagem, por que razão as melhores histórias da filosofia, como a de Kenny, nem sequer o referem nos capítulos exclusivamente dedicados a essas disciplinas? O quarto volume da história do Kenny (um filósofo cuja formação teve durante longos anos lugar em Roma), sobre a filosofia do final do século XIX e o século XX, nem uma nota de rodapé fala de Heidegger a propósito da discussão dos problemas dessas disciplinas. No caso da filosofia da mente fala, até bastante, de Husserl e mesmo de Freud. Mas nada sobre Heidegger. A noção de intencionalidade introduzida por Husserl (ou antes, por Brentano, mas trabalhada por Husserl) veio a ser uma das noções centrais da filosofia da mente. Por isso Husserl é frequentemente referido nas discussões sobre filosofia da mente, mas não Heidegger.

    Outra das melhores histórias da filosofia contemporânea é a de Scott Soames, em dois suculentos volumes, onde passa em revista, e com alguma minúcia, as discussões de filosofia da linguagem, da mente, da epistemologia, da metafísica, da filosofia da ciência e da ética. Mas Heidegger não é citado uma única vez. A mais conhecida antologia de filosofia da linguagem, de Martinich, nada tem de Heidegger, nem a introdução de William Lycan, nem qualquer das outras que eu conheça. A Antologia da Blackwell, Philosophy of Language: The Big Questions, da autoria de Andrea Nye, também nem sequer fala de Heidegger. E nem sequer se pode dizer que é apenas uma perspectiva analítica, pois a antologia inclui textos de Benveniste, Foucault e Irigaray, entre outros continentais.

    O mesmo em relação à filosofia da mente e à epistemologia. Até nas melhores introduções à metafísica, área na qual é suposto Heidegger ter-se destacado (Charles Taylor diz que o problema central de toda a filosofia de Heidegger é o do sentido do ser (ok, com minúscula, isso é lateral) o autor de Introdução à Metafísica e de Ser e Tempo desaparece por completo: veja-se, por exemplo, a introdução do Michael Loux (a melhor que conheço) ou a do Michael Jubien.

    Mas dizes duas coisas que penso merecerem uma pequena nota. A primeira é que a paternidade da distinção entre saber que e saber como é de Ryle, introduzida no seu The Concept of Mind, e não de Heidegger. Pelo menos é que isso que se lê em todo o lado. Que Ryle se inspirou em Heidegger (que, já agora, criticou fortemente, embora acabasse por moderar as suas críticas) é algo que não acrescenta muito ao currículo filosófico de Heidegger. Até se podia ter inspirado num poeta qualquer, como tantas vezes aconteceu. Com já aqui disse repetidamente, não nego que haja ideias inspiradoras em Heidegger, o que não mostra que é um grande filósofo. Também foi inspirador para Newton apanhar com a maçã na cabeça, mas a física começou apenas quando tentou justificar isso cientificamente.

    A segunda é apenas um pormenor. Jason Stanley e Tim Williamson não disputam que o saber como e o saber que sejam ou não coisas diferentes. Pelo contrário, ambos defendem num ensaio escrito a meias que o saber como se pode reduzir ao saber que. Já agora, o ensaio, que até penso conhecer razoavelmente, é este: http://www.rci.rutgers.edu/~jasoncs/JPHIL.pdf

    Quanto ao Stanley referir Heidegger, tais referências não mostram nada. No referido ensaio não há qualquer referência a Heidegger e também penso que conheço suficientemente as posições de Stanley (por simples curiosidade, até já falei pessoalmente com ele) para me convenceres que tem Heidegger em grande conta como filósofo.

    O que resta? O link que indicaste deixa-me exactamente na mesma. Externalismo? Contextualismo? Significado e referência? Bom, do que tenho acompanhado dessas discussões, nada de heidegger. Fenomenologia? Isso sim, mas até aí o principal já está em Husserl, e de forma muitíssimo mais clara. Há umas coisitas sobre filosofia da arte no texto que referiste. Mas acho que não responde a problema algum de filosofia da arte. Pelo menos não o faz de forma clara a argumentada.

    1. Primeiro, é claro que uma das maneiras de “avaliar o impacto das ideias de um filósofo é ver se tais ideias foram frutuosas, isto é, se alimentaram a discussão filosófica subsequente.” Não sei se é a melhor, pois há casos em que a tradição se engana, como por exemplo o caso de Malebranche que muitas pessoas achavam que era o melhor filósofo do seu tempo durante décadas, no entanto hoje quase não é lido… Mas, seja como for Heidegger alimentou a discussão filosófica no Continente de tal modo que não há ninguém na chamada tradição Continental (que também não é uma tradição, mas pronto) que escreva depois de Heidegger que não se refira a Heidegger como Cassirer, Sartre, Merlau-Ponty, Deleuze e Habermas, por exemplo. E, Husserl obviamente reconhecia o mérito de Heidegger quando dizia “A fenomenologia somos eu e Heidegger” (apesar da história não acabar por aqui). O que tu queres dizer penso eu é que Heidegger não alimentou a discussão na tradição analítica… Bem, mencionaste Rorty, que, já agora, o acha um dos 3 maiores filósofos do século e há outras pessoas que reconhecem o mérito de Heidegger que eu já citei atrás. Kripke, Russell e Donnelan não se referem a Heidegger… e depois? Se houver alguma referência a Husserl é algo passageiro, mas isso não significa que Husserl não tenha boas ideias (Frege, de facto referiu-se a Husserl, numa famosa crítica nada amigável – será que daí se pode concluir que são esses os frutos das ideias de Husserl?). Já agora, Davidson discute Gadamer, por exemplo, e escreveu a Jeff Malpas muito elogiosamente acerca de um livro da relação da sua filosofia com o pensamento heideggariano.

      Segundo, acho que agora és tu que me estás a atribuir teses que eu nunca sustentei. Onde é que eu disse que as ideias de Heidegger foram muito influentes nesses domínios? Pelo contrário, elas parecem-me importantes principalmente porque se encontrem relativamente inexploradas (apesar das pessoas estarem pouco a pouco a aperceber-se da importância de Heidegger, não é por acaso que Sean Dorrence Kelly que publicou um livro sobre a relação entre fenomenologia e filosofia da linguagem é agora Director do Departamento de Filosofia em Harvard, algo que há 50 anos atrás provavelmente era impensável). Penso que importância de Heidegger vai ser reconhecida, Nietzsche só muito recentemente é que é discutido na filosofia analítica, mas a sua importância parece-me clara (discutido, por exemplo, por Philippa Foot e Bernard Williams na Ética). Algo de semelhante acontecerá com Heidegger… Até o Scruton, que me disseste para ler, admite que Heidegger tem momentos de “verdadeira penetração filosófica”, apesar de ele lamentar a falta de argumentos (É mentira, há muitos argumentos em Ser e Tempo).

      Terceiro, é claro que não encontras muitas referências na História do Soames (que já agora intitula-se Análise Filosófica no Século XX e não pretende ser A História da Filosofia Contemporânea – Onde está Fodor, por exemplo?), e exclui propositadamente todos os autores da tradição Continental (na realidade foca-se na filosofia da linguagem). Na do Kenny, não encontras discussões nas partes sistemáticas porque a filosofia de Heidegger e difícil de meter nas divisões habituais devido à sua rejeição do vocabulário tradicional da filosofia. E é claro que não encontrarás referências a Heidegger nos livros sobre metafísica standard, dado que Heidegger pensa que a metafísica é impossível (tal como Wittgenstein e Kant, diga-se de passagem). Mas encontrarás Heidegger mencionada na História de Metafísica de primeira linha de A.W.Moore (10 vezes mais rigorosa e fiável que a do Soames se me perguntas a mim, que foi criticada tanto por filósofos como Rorty e Hacker como por historiadores da filosofia analítica…)

      Quarto, quando dizes que Dreyfus quase só é conhecido como intérprete de Heidegger não estás só a ser injusto, mas também a dizer algo falso. Dreyfus é muito conhecido pela sua crítica ao programa de Investigação Artificial, quase todos os livros de introdução o citam como crítico e explicam a sua crítica (que grande parte das pessoas aceitou como certa em alguns pontos fundamentais, umas décadas depois).

      Quinto, uma nota sobre Ryle. Eu nunca neguei que foi Ryle quem formulou a distinção, mas a verdade é que também muitas pessoas acham que ele se inspirou em Heidegger. E, o caso não é igual ao do poeta ou da maçã, porque Heidegger utilizou e empregou essa distinção na sua filosofia de modo implícito. É certo que não achamos que a maçã de Newton é genial, mas e se Newton tivesse formulado a lei da gravitação universal a consultar outro físico da altura que cujas teorias pressuponham essa lei?

      Um bocado à parte, creio que a tua ligeira correcção do que eu disse em relação a Stanley e Williamson é injustificada, pois afinal quando eu disse que eles negam que knowing how e knowing that são realmente distintos, não estava a dizer que eles neguem que há uma distinção aparente e trivial a fazer (penso que pelo contexto é claro que eu não disse isso), mas uma distinção substancial, como eles dizem no seu paper, “In this paper, we contest the thesis that there is a fundamental distinction between knowledge-how and knowledge-that.”. Eu também conheço razoavelmente bem este artigo e outros do Stanley (apesar de não ter lido os seus livros ainda – não estão na faculdade e o dinheiro não dá para tudo…).

      Por fim, Heidegger TEM influenciado aquilo a que poderíamos chamar Pragmatismo Analítico e certos ramos da filosofia das ciências cognitivas e inteligência artificial (John Haugeland e Mark Rowlands são exemplos). A propósito, o McGinn tem respeito por Sartre, por exemplo. E, dado que grande parte das ideias de Sartre este foi buscá-las a Heidegger… A influência de Heidegger na filosofia analítica ainda é ténue, mas tem subido com o tempo e não dá qualquer sinal de parar…

  12. José, acho que estamos a ter uma discussão um bocado enviesada (utilizo o plural, sim). Parece mesmo que estamos a contar espingardas e a atirar nomes para cima de nomes, em que tu seleccionas criteriosamente os que apoiam a tua opinião e eu selecciono os que apoiam a minha. Mas tenho de dizer que não é o tipo de discussão que me entusiasme, apesar de ser tanto responsável por ela como tu.

    Deixa-me, então, precisar apenas dois ou três pontos:

    1. Haverá carradas de gente que se refere a Heidegger e que o acham muito interessante. Ponto assente, que eu nunca disputei. Mas há carradas de gente que acha muitos outros autores muito importantes e isso não impede seja quem for de se encolher perante tais opiniões. Não vale a pena ires buscar todos os que alguma vez proferiram ou escreveram o nome de Heidegger, alguns dos quais até se lhe referem para o criticar, como é o caso de Cassirer, por ti referido. E tens razão ao afirmar que influenciou filósofos como Sartre e Merleau-Ponty. Como não, se pertencem à mesma família filosófica? Já agora, aproveito para dizer que, em minha opinião, Sartre, sem ser um grande filósofo, é melhor filósofo de que Heidegger. Ao menos as teses de Sartre são apresentadas de uma forma mais clara e sem recurso ao nevoeiro místico que caracteriza Heidegger. Além disso, há um verdadeiro esforço em argumentar, mesmo se grande parte dos argumentos são casos mais ou menos óbvios de non sequitur. Também é muito respeitado por Deleuze e Habermas? Certo. Surpreende que te tenhas esquecido de Derrida. Como já sugeri antes, creio que a influência de Heidegger é notória no pior caminho que alguma filosofia acabou por tomar. Mas isto é só a minha opinião.

    2. Quando falo do impacto de Heidegger na própria história da filosofia subsequente, não estou a falar da sua popularidade, mas de as suas ideias terem ou não despertado interesse junto de outros filósofos e de fazerem parte da discussão nas diferentes áreas tradicionais da filosofia. Insistes em mostrar pressurosamente que influenciou este e aquele e que fulano e cicrano até se referem a ele. Mas isso mostra muito pouco, pois eu nunca disse que nenhum outro filósofo se lhe refere nem que nenhum o cita em tom elogioso. O que estou a dizer é que isso não acontece tanto como seria de esperar de um grande filósofo. Aliás, tu próprio acabas por o admitir implicitamente quando dizes que o seu mérito há-de um dia ser reconhecido, como aconteceu com Nietzsche. Adivinho a tua resposta: estás a falar da tradição analítica e não da filosofia tout court. Mas a verdade é que a esmagadora maioria da discussão filosófica mundial dá-se cada vez mais no seio desta tradição (tanto em número de revistas, de publicações, de encontros internacionais, etc.). E esta tendência está cada vez mais a acentuar-se. Tanto que, arrisco-me a prever, se tu próprio fizeres uma lista dos 20 ou 30 mais importantes filósofos vivos, serão esses que irão predominar.

    3. De modo algum te disse para leres seja o que for, pelo que também não o fiz em relação a Scruton. Mas acho curiosíssimo aproveitares uma linha ou outra em que este se refere a Heidegger de forma positiva, como se fosse a prova de que acha Heidegger um grande filósofo. José, podes coleccionar frases dessas aos montes, que não é difícil encontrá-las. Mas isso não ilude o facto de Scruton considerar efectivamente Heidegger como mau filósofo. Mas achas que até Scruton considera Heidegger um grande filósofo e se os outros casos que referes a favor dele são assim, fico mais esclarecido.

    4. A História da Filosofia do Kenny não fala de Fodor porque, como o próprio Kenny diz na introdução geral, decidiu não tratar de filósofos ainda vivos. Ele explica esse critério e só muito raramente faz alguma breve referência a filósofos vivos. Quanto à de Soames (isso de não ter a palavra “História” no título não mostra que não o seja), o facto de Rorty ter dito muito mal dela não é mesmo nada de espantar. Pessoalmente acho até que a opinião de Rorty, vinda de quem não dá grande valor aos argumentos, só abona a favor dela.

    5. Lamento insistir, mas Dreyfus é praticamente desconhecido enquanto filósofo. Ele é conhecido sobretudo como exegeta de Heidegger. Basta ver a sua bibliografia. Sim, há aquele argumento sobre a inteligência artificial e tal. Pois.

    6. Sempre que tento mostrar que Heidegger não é assim tão discutido nesta ou naquela área, dizes que há alguma razão por detrás disso: não é, por exemplo, referido nas introduções à metafísica porque, como dizes, é difícil, meter nas divisões tradicionais da filosofia. Pois, é mesmo isso: é tão difícil metê-lo nas grandes discussões filosóficas, que praticamente desaparece delas.

    7. Estamos a discutir a importância filosófica de Heidegger, não de Husserl, nem de Gadamer nem de Nietzsche.

    Mas, ou muito me engano, ou a discussão chegou a um impasse.

    1. Atrás escrevi, mal:

      «Mas há carradas de gente que acha muitos outros autores muito importantes e isso não impede seja quem for de se encolher perante tais opiniões.»

      claro que devia ser: «…isso não obriga seja quem for a….»

  13. De facto, a discussão chegou a um impasse e concordo que não é com citações de autores que se chega lá, só se chegaria lá fazendo filosofia, coisa que não se vai fazer à pressa num pequeno comentário num blog.

    Mas agora, acho que há certos pontos que preciso mesmo de retificar.

    1. Eu não citei o Scruton para dizer que ele acha Heidegger um grande filósofo, pelo contrário, foi precisamente por ele não ter uma boa opinião de Heidegger que eu o citei. O meu ponto era que até alguém como Scruton reconhece que Heidegger tem momentos de verdadeira penetração filosófica (e, já agora, quando eu disse que tu me disseste para o ler, não te estava a criticar de modo algum, pelo contrário, até fico contente quando me indicam livros que não conheço)…

    2. Sobre Fodor e a história da filosofia analítica leste-me efectivamente muito mal. A minha pergunta não era onde está ele no livro de Kenny, mas onde está ele no livro de Soames (para provar que Soames se estava a focar, principalmente, embora não exclusivamente, na filosofia da linguagem ou, mais concretamente, na análise filosófica e a sua relação com as distinções analítico-sintético, a priori- a posteriori, contingente-necessário)! E, repara, que habilmente falaste da crítica de Rorty ao livro de Soames (que, por acaso, está invulgarmente boa), mas esqueceste-te de mencionar P.M.S. Hacker (cuja opinião considerarás relevante) e mais importante do que tudo isso, pessoas que se ESPECIALIZARAM na história da filosofia analítica, como Peter Livingstone, Christopher Pincock, Michael Kremer e outros que criticaram muito duramente Soames por ter feito MÁ história da filsofia analítica do ponto de vista profissional…

    3. Aires, também lamento insistir, mas Dreyfus é conhecido como um dos maiores críticos do programa de Inteligência Artificial. Eu não conheço nenhum livro de introdução à àrea que não o cite, mas podes-me indicar um se o conheceres (apesar de isso não apagar o facto de a maior parte citar). É tão conhecido que debateu com Marvin Minsky a questão e até Dennett, se bem me lembro, achou que Dreyfus tinha bastante razão nalgumas coisas que dizia – apesar de, nada surpreendentemente, discordarem sobre muita coisa. Do facto da maior parte da bibliografia de Dreyfus ser sobre Heidegger, não se segue que Dreyfus não seja dos críticos mais conhecidos (arrisco-me a dizer o mais influente dos conhecidos) da inteligência artificial. Na realidade, Dreyfus foi tão influente, que tem um artigo na Wikipedia só dedicado à sua crítica ao programa de inteligência artificial (quantos críticos do mesmo programa é que podem dizer o mesmo?). Citarei mais nomes se os pedires, mas Dreyfus foi e é considerado um dos maiores críticos a nível mundial do programa de Inteligência Artificial como concebido por Marvin Minsky, entre outros.

    Nota – encontrei um bom link sobre uma discussão de Dreyfus e Dennett aqui, se estiveres interessado: (http://dl.tufts.edu/ProxyServlet/?url=http://repository01.lib.tufts.edu:8080/fedora/get/tufts:ddennett-2005.00002/bdef:TuftsPDF/getPDF&filename=tufts:ddennett-2005.00002.pdf)

    Não é preciso estar aqui a dizer quem penso que são os 30 mais importantes filósofos vivos. Basta dizer quem penso ser os melhores, que seriam Hilary Putnam, Saul Kripke e, talvez Kaplan e Donellan (claro que Michael Dummett teria sido incluido, mas faleceu recentemente). Todos os outros vivos, para mim, situam-se numa categoria inferior (apesar de serem excelentes, como o Fodor, Searle, McGinn, Wright, Williamson, Peacocke, G. Strawson, Chalmers, McIntyre, Ernest Sosa, Alvin Goldman, Plantinga, Yablo, Shoemaker, John Lucas, Lockwood e muitos mais para enumerar – bem, sem querer acho que acabei a fazer a tal lista – não incluo Habermas porque não li o suficiente para fazer uma decisão informada…). E é verdade que todos os autores desta lista são da tradição analítica, mas eu acho que isso reflecte também as minhas leituras (não faço mais do que a menor ideia como vai a filosofia francesa e alemã no momento). Seja como for, do facto dos melhores filósofos hoje serem da tradição analítica, não se pode inferir que Heidegger seja um mau filósofo. E os casos de Husserl, Gadamer ou Nietzsche foram mencionados porque pelo critério que propuseste, não penso que nenhum deles seja extensamente citado por nenhum dos autores acima mas isso pode-se ser explicado por factores sociológicos e de formação profissional do que pela qualidade da filosofia produzida (se reparares, todos os filósofos acima são ingleses ou americanos… será que os alemães e franceses são simplesmente maus a filosofar?).

    Mais uma coisa, a maior parte dos autores que cito não se referem a Heidegger apenas como nota de rodapé, mas pelo contrário, o seu trabalho é bastante informado e influenciado por ele.

    O Michael Dummett tardio, no seu último livro, falou de várias coisas que ele achava que tinham de ser feitas para mexer a filosofia para a frente. Entre elas incluía-se perceber melhor as relações entre Frege e Husserl, tentar que a tradição analítica explorasse o que ocorreu na Continental e vice-versa e, por curiosidade apesar de não vir muito ao caso, que os filósofos precisavam de aprender mais física, pois esta área está cheia de problemas a que os filósofos mais influentes nem se referem quase. Como sustentava todas estas opiniões com vigor alguns anos antes de ler o livro de Dummett, fiquei contente por ver que um filósofo cuja opinião respeitava tanto, concordava comigo em todos os pontos essenciais. E, mais, há um filósofo genial que tentou fazer grande parte disto e por isso é quem mais admiro e prezo em todos os filósofos actuais. O filósofo é, nada mais nada menos, do que Hilary Putnam.

  14. Para mim, Heidegger já merece ser colocado entre os mais importantes do século XX, só por deixar a seguinte pergunta:

    “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?”

    Se a Heidegger parece usar uma linguagem obscura, com o uso de palavras como o “Nada”, não consigo imaginar outra maneira mais clara de dizer algo tão evidente, como é abrir minha janela e perceber que experienciar a luz do Sol é anterior e mais fundamental que qualquer ideia que se tenha sobre a luz, Sol, linguagem, lógica ou mesmo sobre filosofia.

  15. José, cá continuamos a martelar na mesmíssima tecla.

    Eis alguns exemplos:

    Dizes: «O meu ponto era que até alguém como Scruton reconhece que Heidegger tem momentos de verdadeira penetração filosófica»

    Pá, pela enésima vez me obrigas a repetir o que disse desde o princípio: não é isso que está em causa e parece-me claro que não estamos a discutir se Heidegger tem ou não momentos de penetração filosófica. Já aqui disse e repito que mesmo filósofos menos bons podem ter ideias filosoficamente interessantes. Não percebo por que insistes em desviar a discussão.

    Dizes: «quando eu disse que tu me disseste para o ler, não te estava a criticar de modo algum».

    OK, eu sei. Simplesmente não disse para leres seja o que for. Só isso.

    Dizes: «habilmente falaste da crítica de Rorty ao livro de Soames (que, por acaso, está invulgarmente boa), mas esqueceste-te de mencionar P.M.S. Hacker (cuja opinião considerarás relevante)»

    Não aqui habilidade alguma e não me esqueci seja do que for. Não referi o Hacker simplesmente porque não o conheço. Portanto, não posso considerar a sua opinião relevante nem irrelevante. Mas mesmo que o Hacker diga o que sugeres, que diferença faz? Já agora, também não conheço o Christopher Pincock (ou quererás dizer Peacock?) nem o Michael Kremer. Sinceramente, o meu tempo não dá para tanto.

    Dizes: «Dreyfus foi tão influente, que tem um artigo na Wikipedia só dedicado à sua crítica ao programa de inteligência artificial (quantos críticos do mesmo programa é que podem dizer o mesmo?).»

    Estás mesmo a falar a sério? Pá, se a tua referência é a Wikipedia, então estão explicadas muitas das coisas que dizes. Custa-me a acreditar que tenhas a Wikipedia em grande conta, pois em termos científicos é algo que ninguém se arrisca a citar sequer. Tu próprio poderias ter escrito o artigo da Wikipedia sobre o Dreyfus a dizer tudo isso, caso lá estivesse a faltar. A verdade é que nem sequer se sabe quem são os autores dos artigos da Wikipedia. Mas adiante.

    Aproveito para dizer que a IA é uma área que não acompanho grandemente. Mas não deixa de ser surpreendente que o longo artigo sobre IA do Companion to Philosophy of Mind, do Samuel Guttenplan, no qual se faz um historial da discussão filosófica sobre o tema, não refira uma única vez o Dreyfus. Pois, deve ser caso raro, dirás. Só que vais ver o artigo, também sobre IA, no gigantesco Companion to Cognitive Science, de William Bretchel e George Graham e, mais uma vez, nem uma referência a Dreyfus. Mas lá estão referidos o Searle e outros. Mas se tu dizes que estes é que estão mal informados, ok.

    Seja como for, eu não neguei que o Dreyfus tenha dado contributos para a discussão, nem sequer que esses contributos não sejam importantes. Mais uma vez, o que disse é que Dreyfus não é uma grande referência assim tão importante na filosofia contemporânea e que, a parte este aspecto, ele tem-se dedicado sobretudo à exegese heideggeriana. E isso veio a propósito de Heidegger ter ou não influenciado de forma vincada a discussão filosófica entre os grandes filósofos posteriores.

    Dizes: «Seja como for, do facto dos melhores filósofos hoje serem da tradição analítica, não se pode inferir que Heidegger seja um mau filósofo.»

    Mas quem inferiu uma coisa da outra? Claro que não pode, nem eu fiz tal inferência. Vamos ver: eu apenas me limitei a refutar o teu argumento de que Heidegger foi muito importante para a discussão filosófica subsequente, dado que desfiaste aí uma quantidade de nomes influenciados por ele. Apenas mostrei que a discussão filosófica tem tido como principais protagonistas outros nomes, que não esses. Protagonistas que filosofam quase como se Heidegger não tivesse existido.

    Dizes: «O Michael Dummett tardio, no seu último livro, falou de várias coisas que ele achava que tinham de ser feitas para mexer a filosofia para a frente. Entre elas incluía-se perceber melhor as relações entre Frege e Husserl, tentar que a tradição analítica explorasse o que ocorreu na Continental e vice-versa»

    Mas a discussão não é sobre Heidegger? Estás a fugir constantemente ao assunto. Aliás, a discussão até começou a propósito de Heidegger e de… Wittgenstein.

    Já agora, que falas nisso, o melhor acesso ao pensamento dos mais importantes pensadores continentais ainda se encontra em livros escritos originalmente em inglês por autores de formação analítica. Parece que os analíticos estão a fazer bastante mais pela compreensão dos continentais do que o inverso. Veja-se, por exemplo, o Brian Leiter sobre Nietzsche e os exemplos que tu referes sobre o próprio Heidegger.

    Para terminar e não voltarmos ao mesmo:

    Heidegger pode ter tido ideias filosoficamente interessantes?

    – Sim, claro que pode.

    Heidegger é um filósofo muito popular?

    -Sim, é.

    Heidegger é referido por muitos outros filósofos?

    – Sim, é.

    Tudo isso mostra que Heidegger é um grande filósofo?

    – Não, não se segue tal coisa do que foi dito atrás.

    – Heidegger influenciou de forma evidente a discussão filosófica contemporânea (na metafisica, na epistemologia, na lógica filosófica, na filosofia da linguagem, na filosofia da mente, na ética, na filosofia da ciência, na filosofia prática)?

    – Pode ter dado aqui e ali alguns pequenos contributos, mas a sua influência não é compatível com o estatuto de grande filósofo.

    E acho que tudo isto é factual.

    Isto assim fica um pouco penoso. Seria de esperar que a discussão avançasse e não andássemos aqui às voltas a esclarecer o que cada um disse. Acho que não é assim tão difícil compreender o que cada um de nós diz. Mas ok, no meio de tanto nome e de tanta referência é natural que nos percamos um pouco.

  16. Aires,

    1. O Christopher é mesmo Pincock, que ao contrário do outro se especializou em história da filosofia analítica. Claro que não conheces esses nomes, eu só os conheço porque li as críticas à obra de Soames (e as respostas de Soames e a crítica às respostas de Soames…) antes de a encomendar (o que faço com todas as obras – encomendar obras não é nada barato e eu gosto de saber ao que vou).

    2. A minha referência não é a Wikipedia, como é óbvio (o livro do Jack Copeland é uma das minhas referências, por exemplo). Era só para ilustrar que Dreyfus foi influente (é claro que não é uma prova decisiva, mas não me parece irrelevante… seja como for, não vamos debater isso também) – e é claro que não fui eu a escrever o artigo porque isso seria desonesto (e, sim, eu sei que não me estavas mesmo a acusar de ter escrito o artigo, apenas a ilustrar que qualquer um o pode ter escrito – o que me parece irrelevante, o meu ponto é que a maior parte dos críticos a GOFAI não tem uma página na Wikipedia dedicada a eles, por autores profissionais ou amadores, e isso prima facie dá apoio ao facto de serem menos influentes… E, seja como for, o meu caso para a influência de Dreyfus não se baseava, primariamente, nisso – mas, já sei que não negas isso por isto não vamos continuar a debate-lo…)

    3. Falei de Dummett não porque estava a desviar a discussão, mas porque me parece que esta conversa também está a ser influenciada por uma certa imagem muito negativa da filosofia continental, e mesmo que não esteja, essa imagem influencia pessoas suficientes para me dar uma razão para eu mostrar que nem toda a gente concorda publicamente. Penso que é fácil de ver que uma discussão sobre os méritos de Heideger, facilmente se torna numa discussão sobre a relevância da filosofia continental…

    4. Dás a entender ou dizes ou pode-se depreender do que dizes que eu ando aqui a citar autores pelo amor de os citar, mas isso é falso. Eu fiz as citações para mostrar que apesar de Heidegger não ter influenciado as pessoas mais importantes, ainda assim influenciou muita gente competente na filosofia analítica. Dir-me-às que isso não é relevante, mas a mim parece-me relevante, mais relevante do que se ele não tivesse influenciado ninguém certamente (apesar de ser óbvio que não é nenhuma prova conclusiva nem nada do género)….

    5. Por fim, é claro que eu não provei que Heidegger foi um grande filósofo, comecei esta discussão a dizer que nem sabia o que um argumento conclusivo para isso seria. Digo e repito, a única maneira de tentar mostrar que Heidegger foi um grande filósofo é fazer filosofia, mostrar que as suas ideias são férteis e merecem ser exploradas, mas isso é tarefa de um artigo, um livro, uma vida… não um comentário num blog.

    1. José, só um um pequeno comentário ao teu último ponto. Concordo, no essencial, com o que aí afirmas. Talvez venhas a escrever tu esse artigo ou esse livro, quem sabe. Pessoalmente, estou sempre aberto a surpresas e não me custa rigorosamente nada mudar de opinião, caso me dês boas razões para isso. Por enquanto ainda não mas deste e até encontro melhores razões para manter a opinião, que é tudo menos leviana. Afinal a minha formação universitária foi toda ela na tradição continental (como se os chamados filósofos analíticos nunca tivessem existido) e com doses diárias maciças de Heidegger, em especial.

      Ora, o meu ponto em toda esta discussão foi apenas o de que não é verdade que as ideias de Heideggger tenham fertilizado por aí além a discussão filosófica subsequente, uma vez que quase todos os grandes filósofos posteriores (exceptuando os fenomenólogos, os hermeneutas e os existencialistas) passam quase completamente ao lado de Heidegger. É certo que isto mostra que teve, afinal, alguma influência filosófica, mas não a influência compatível com o que se esperaria de um grande filósofo. De resto, o existencialismo e até a fenomenologia têm um impacto muito residual na discussão filosófica actual (atenção, não estou a afirmar que não têm qualquer impacto). Seja como for, é bom que haja lugar para todos e acho que toda a investigação é legítima. Tal como acho que toda a produção musical ou literária é legítima, apesar de haver músicas e obras literárias que acho boas e outras que acho más.

      Quanto ao pano de fundo da filosofia analítica versus filosofia continental, é algo que não me interessa muito. Há muito que decidi avaliar cada um dos filósofos que leio ou estudo por aquilo que neles encontro e que possa contribuir para uma melhor compreensão dos problemas filosóficos e sua discussão. Mas confesso que é frequente abandonar a leitura de filósofos como Derrida, Heidegger, Deleuze, Foucault e Zizek, entre outros, a meio. Simplesmente porque me custa ver quais são exactamente os problemas filosóficos a que procuram responder, porque me custa ver claramente quais as teses que defendem e porque me custa muito encontrar lá argumentos. Pior, quando encontro argumentos, parecem-me tantas vezes obviamente fracos. Em contrapartida, não falta lá o discurso opaco e o nevoeiro verbal sempre à espreita de mais uma inovação terminológica injustificada. Talvez isso seja bom e não nego que no meio disso tudo haja umas quantas ideias isnpiradoras. Mas, caramba, a que preço!

  17. Olá José e Aires,
    Assisti de bom grado à vossa discussão. Ainda que as referências quase nada servissem os argumentos, elas foram úteis para mim já que aprendi maus um pouco. Não queria alongar mais a discussão que já chegou ao seu ponto máximo e não pretendo tornar os argumentos ainda mais circulares. mas há um ponto que me parece assente, mas que cria muitas confusões principalmente para quem começa a estudar filosofia. Autores como Heidegger são imensamente populares em meios académicos pouco produtivos, como é o caso do português. Mas tendo em conta a quantidade da produção não são populares em meios académicos mais sofisticados. Claro que me podem dizer que nos EUA se estuda muito Heidegger. Acontece que nos EUA se estuda muito de tudo. O país é maior e tem um ensino universitário mais alargado. nem tenho dúvidas (mas também não tenho certeza) de que se estude muito mais Heidegger em muitas universidades do que autores considerados analíticos. mas se formos ver os curriculos dos cursos das melhores universidades os Heidegers, aí, são residuais. Em todo o caso podemos fazer um exercício: se queremos uma obra de Derrida, por exemplo, não faltam traduções em português. mas se queremos uma obra de um autor da tradição analítica o mais provável é não encontrar nada em português. isto mostra bem o interesse que a academia portuguesa nutre por Derrida. E quem diz Derrida, diz Foucault ou Ricoeur ou até Lévinas, os pensadores do Vaticano. Mas ao mesmo tempo uma pesquisa no amazon, a maior livraria on line e a mais fiável, se queremos algum estudo sobre um problema da filosofia temos muito maior oferta de obras na tradição analítica do que na hermenêutica ou pós moderna. Creio que estes indicadores nos podem dizer alguma coisa do interesse que as coisas têm. Ora, é natural que quem estude filosofia em Portugal, ao fim de 2 ou 3 meses de curso, considere Heidegger o maior filósofo do sec. XX. Foi assim que mo venderam e durante uns anos eu pensava que isso era mesmo verdade, até ter acesso a obras estrangeiras e ao contacto que a internet me possibilitou para ver o que está a acontecer no mundo. Abraços

    1. “Autores como Heidegger são imensamente populares em meios académicos pouco produtivos, como é o caso do português. Mas tendo em conta a quantidade da produção não são populares em meios académicos mais sofisticados.”

      Não acredito que produtividade possa ser um bom indicador de qualidade em filosofia. Os EUA de fato são produtivos, em todas áreas acadêmicas, e não raramente a academia é avaliada pelo número de publicações. Em outras áreas como física ou biologia, talvez este seja um indicador importante, representando indiretamente o alargamento do conhecimento científico. Mas em filosofia?

      Em relação ao impacto acadêmico, busquei por “Martin Heidegger” e “Bertrand Russell” no Google Scholar e obtive 63.000 e 59.900 resultados, respectivamente.

  18. Rolando, creio que o André tem razão ao dizer que o número nem sempre diz tudo. Antes mesmo dele referir os números que referiu, eu já imaginava que Heidegger era, no geral, mais citado e referido do que Russell. Mas, como referi mais atrás, Heidegger é estudado e referido muitíssimo mais do que Russell em áreas extra-filosóficas, como é o caso dos estudos literários, estudos culturais, cultura pós moderna e até em estudos sobre o género e pensamento feminista. Nos departamentos de filosofia as coisas são muitíssimo diferentes.

    Não te esqueças que o misticismo filosófico de Heidegger dá para tudo, ao passo que o rigor de Russell é um instrumento de precisão, que dificilmente serve os propósitos dos franco-atiradores.

  19. Bom, vou aceitar o argumento de que a quantidade não se traduz em qualidade. Daí segue.se que os números apresentados sobre Heidegger, as vezes que é citado e o número de publicações sobre o filósofo alemão, nada diz sobre a relevância do mesmo.

  20. Povo que não sabe falar pouco. Wittgenstein foi um grande Iceberg filosofico o qual partiu a filosofia em partes assimétricas. O que é trivial, é apenas sua biografia, porquanto muitos, desconhecem a diferença entre um gênio e um intelectual. Darwin, Einstein, Wittgenstein foram gênios. Qual a diferença? certamente, o intelectual lê Aristóteles, o gênio nem sequer lê, seu saber é fruto de um talento imanente que pouco se nutri de leituras exaustivas. Charlatanismo acadêmico, ao meu juízo é “intelectualismo”, gente que só sabe ler, falar sobre o que já foi inventado e lido. Não é preciso dizer sobre a filosofia clássica, espero, grande inutilidade.

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