“Estranhas coincidências”, de José Vieira

Estranhas coincidências

Estranhas Coincidências é o título do primeiro livro de Teresa Vieira Lobo, publicado sob pseudónimo de José Vieira, pela Chiado Editora (1ª edição, 2014). É o mesmo título da última e a mais interessante das quatro breves estórias recolhidas nas cerca de cinquenta páginas com que se estreia na escrita pública esta “jovem nascida no Portugal rural no final da década de 80”.

E deste facto se infere, pensamos nós, uma das vertentes mais marcantes e singulares da obra agora publicada – a ruralidade, presença determinante na maioria dos ambientes e das personagens dos contos. É desta ambiência/temática que são enformados: a castidade, a virgindade, o pecado, a importância da família, os pecadilhos, a mexeriquice… “Filosoficamente”, o que nos aparece (será o que a autora defende?) é uma essência/natureza humana amarga/pecaminosa e a sua inevitabilidade, a “obrigação da existência”.

Mas não se depreenda desse pressuposto um tratamento filosófico relevante, antes uma existência germinal que se aflora ao olhar atento do leitor, latente na segmentação de pequenos mundos emotivos, marcados pela dor e ausência que se cruzam na vivência de dramas do quotidiano – metáforas da existência. Por outras palavras, um ciclo que se desenrola na vertigem da “coincidência” de existir e na comum tensão entre, por um lado, o desejo de escapar a uma vida sufocante, consequência da tacanhez ou da estreiteza de horizontes e, por outro, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de partir.

Tal como salientado anteriormente, é a demanda interior, ou física, na necessidade da “descoberta de si e quiçá de alguém”, em Isaac; a busca frustrada de melhores terras por familiares de “Samuel, o pastor envelhecido” “que não pode sair daquele lugar” – a metáfora da terra na dupla aceção – chão da criação/chão de aprisionamento; a partida, essa componente de fuga em demanda de si próprio, para a guerra e para a morte, do noivo de Salomé; a fuga de Pedro e Simão, para poderem concretizar o seu amor.

É, em última análise, a antevisão dessas “estranhas coincidências” marcadas por uma coincidência maior – a vida subjugada a esse elemento preponderante: o fatum

“Se não houvesse a tempestade, se as pessoas não rumassem à Igreja, se os três não se tivessem voluntariado para salvá-los, nunca os dois casais viveriam o seu amor …”

É neste contexto que Judite e Isaac, Salomé, João e Dalila e Pedro e Simão são parte integrante da vulnerabilidade da existência humana: amor, perda, dor, sonho, desejo de evasão, revolta, resignação são o leitmotiv que sustenta as suas vivências. Pelo exposto, consideramos que deveria ter sido investido mais na construção das personagens, dotando-as de maior densidade psicológica, o que emprestaria às histórias outra cor e profundidade (sendo este um livro de clara projeção da mundividência da interioridade) e mesmo em relação a certos objetos, enquanto prolongamento dessa interioridade.

No que concerne à vertente formal, o público leitor facilmente se apercebe da existência de algumas incoerências, situação a ultrapassar numa revisão posterior. Consideramos ainda que deve ser investido algum trabalho na valorização estética do texto – o pendor conotativo permitirá, em última análise, o seu enriquecimento — e ao leitor, a construção de significações paralelas.

Globalmente, uma obra fluente, de fácil e rápida leitura, que se pauta por ser um agradável e interessante ponto de partida nos meandros da escrita.

[texto de Ana Paula Menezes e António R. Gomes]

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