- Um cínico é, define o dicionário, uma pessoa dissoluta, sem pudor, insolente, obscena, um desavergonhado e desprezável.
O conceito, este conceito bem negativo, é-nos familiar; mas transforma-se em estranho, quando sabemos que os cínicos foram filósofos gregos, que pertenceram a uma escola fundada por Antístenes, um discípulo de Sócrates, e que a origem etimológica de cínico é a palavra grega cynós, cujo significado é “do cão, relativo ao cão ou que se assemelha a um cão”.
- Um dos cínicos mais conhecidos é Diógenes de Sínope (séc. V-IV a.C.), que levou vida… de cão: dormia num tonel usado frequentemente para abrigo dos cães, defecava e mijava e masturbava-se na praça pública…
Não admira, assim, que, com alguma frequência, os cínicos sejam expulsos das histórias da Filosofia. Aqueles comportamentos não são “normais” numa pessoa comum – muito menos, em filósofos. No entanto, o que o cínico pretende é, digamos assim, filosofar com o corpo todo – e não apenas “com a língua”, ao jeito de outros filósofos, como Platão. Como observa Peter Sloterdijk, os cínicos, subversivamente, “opõem uma reflexão essencialmente plebeia” à maneira aristocrática de conceber e transmitir o saber. E pretendem, desse modo, evidenciar o seu desprezo pelas convenções, a pouca importância das ilusões da vida social.
- Os cínicos foram considerados, no seu tempo, modelos de virtude e sabedoria. Mestres na arte do desapego em relação a coisas e ideias supérfluas e inúteis. Das estórias que envolvem Diógenes, a mais conhecida é aquela em que o filósofo está a “apanhar” sol, quando dele se aproximou o imperador Alexandre Magno, que lhe disse: “pede-me o que quiseres”. Ao que Diógenes respondeu: “Quero que não me faças sombra”.
- A masturbação em público é particularmente significativa, a este respeito: masturbando-se no mesmo sítio onde se filosofa, Diógenes filosofa com a masturbação, sublinhando a naturalidade desse ato, face aos tabús e eufemismos da civilização – e face a atos, praticados em públicos, contrários às exigências da nossa natureza, como roubar dinheiro, as calúnias, a perseguição…
Tudo o que é natural é respeitável e decente. Por que razão não aceitamos, culturalmente, a natureza, quando esta nos não provoca nenhum dano? A vida correta é aquela em que temos as necessidades mais simples possíveis e as satisfazemos do modo mais simples. Se temos fome, comemos; temos sede, bebemos; por que havemos de nos esconder, quando se trata de desejos sexuais? Em palavras do próprio: “Ah! Se pudéssemos acabar com a fome apenas esfregando a barriga!”
- Por síndrome de Diógenes designa-se uma doença caracterizada pelo desejo compulsivo, sobretudo de idosos, de acumular bens ou objetos descartados como lixo, e pela incapacidade de se desprender deles, mesmo quando são inúteis ou perigosos para a saúde. Sabendo que o verdadeiro Diógenes foi mestre na arte do desapego, aquela designação é ilustrativa do desprezo pela razão cínica.