humor soviético

Humor soviético

A darmos crédito (e não é difícil dar) ao que por aí se lê, o humor soviético pagava-se caro. O preço usual era 5 anos de cadeia. As piadas eram consideradas um ato de rebelião, tanto pelos políticos (para quem eram ‘propaganda anticomunista’: corro sério risco de algum leitor fazer o mesmo juízo sobre este meu texto 😉) como (com um significado diferente) pelo cidadão comum.

Há quem distinga dois conjuntos de humor soviético: o desenvolvido durante os governos de Lenine e Estaline e o posterior à morte de Estaline. O primeiro, com uma quantidade menor de piadas; o posterior, com mais piadas e uma menor repressão do humor.

No segundo período, as piadas ridicularizam a violência do regime político e os seus políticos (Andropov foi Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, tendo sucedido a Brejnev, em 1982):

– Ouviu a notícia? O Andropov partiu um braço.
– A quem?

Criticam a falta de liberdades, como a liberdade de expressão:

– A nossa Constituição garante a liberdade de expressão – diz o professor
– E também garante a liberdade a quem empregar essa expressão? – pergunta um dos alunos

A liberdade de expressão é algo… complexo, particularmente para quem não gosta dela:

Durante o governo de Gorbachov, um velho comunista ortodoxo discute a Perestroika com um jovem comunista revolucionário, num café de Moscovo, e diz-lhe: “Agora, camarada, com a ‘glasnost’ já há liberdade de falar”. Responde-lhe o jovem comunista radical: “Pois, camarada, mas eu continuo a lutar por um comunismo onde haja liberdade mesmo depois de falar”.

humor soviético

Algum deste humor soviético é sarcasticamente mordaz – Yeltsin (1931-2007) teve fama (e provavelmente proveito) de gostar dos copos:

Manhã cedo de 1 de janeiro de 2000. Ieltsin está às portas do Kremlin a saltar e a repetir: – É preciso beber menos… É preciso beber menos…

A decisão de burlar o regime na economia exprimiu-se em máximas como esta:

Eles fazem de conta que nos pagam, nós fazemos de conta que trabalhamos.

Quando se fala(va), (mesmo) em Portugal, da União Soviética e de outros países socialistas, era muito comum referir as filas para comprar alimentos (e a falta deles):

Um socialista, um capitalista e um comunista acordaram encontrar-se. O socialista chega atrasado.
– Desculpem pelo atraso, estive numa fila para comprar mortadela – diz.
Capitalista: – O que é uma fila?
Comunista: – O que é mortadela?

Esta última anedota mostra que as anedotas facilmente veiculam preconceitos: se no capitalismo não há filas, então eu não vivo num país capitalista 😉. Por outro lado (tal como acontecia, por exemplo, com as anedotas em que Samora Machel era protagonista), algum humor soviético é mais uma prova de que há piadas cujos alvos poderiam ser muitos outros, para além do(s) aí atingido(s); é o caso desta – tente o leitor, e verá que é fácil adaptar ao seu país, colocar outro adjetivo no lugar de comunista:

– Será preciso pagar as quotas do Partido tendo em conta os subornos recebidos?
– Se fores um verdadeiro comunista, sim!

O sentido da palavra comunismo está ligado com o pensamento e a atividade de Marx e Engels (século XIX). O “pontapé de saída oficial” foi a publicação do seu Manifesto do Partido Comunista, que, entre outras medidas, preconiza para o Estado socialista a eliminação gradual da diferença entre campo e cidade. O humor, a atingir essa ideia:

– O que há de semelhante entre uma bomba atómica e o comunismo?
– Ambos põem rapidamente fim às diferenças entre o campo e a cidade.

As piadas anteriores, à exceção da que envolve Gorbachov (que me foi enviada por um amigo), fico a devê-las a um comentador político relativamente pouco conhecido: José Milhazes. Milhazes espalhou “anedotas soviéticas” pelas páginas do seu livro As minhas aventuras no País dos Sovietes (desta utilização, não se conclua qualquer apreciação minha, positiva ou negativa, sobre a obra ou o seu autor).

E termino com uma que é atribuída a Ronald Reagan, cujo sentido de humor é bem conhecido: diz-se que era frequente terminar discursos com uma piada. Discursos ou outros atos oficiais, como a assinatura do tratado para eliminar mísseis nucleares de médio alcance, em 1987. Na ocasião, o presidente estado-unidense ironizou a educação superior soviética: “Quando são questionados sobre o que querem fazer depois de se formarem, os universitários americanos respondem: ‘Ainda não sei, não decidi’. E os russos: ‘Não sei, não me disseram’.

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||| Este texto…

… é o décimo segundo da série O Humor é coisa séria. O décimo primeiro [Piadas escolares: o humor na sala de aula] está aqui. O décimo terceiro [Rir é o melhor remédio] está aqui.

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