Três significados de “conhecer”

Um dos problemas importantes da Teoria do Conhecimento (Epistemologia) é O que é conhecer (o que é o conhecimento)?. Não irei agora responder a esse problema, mas a um outro que pode ajudar a resolvê-lo: que tipos de conhecimento há?

Árvore do Conhecimento

 

aqui analisei as diferenças entre conhecimento a priori e conhecimento a posteriori, entre conhecimento inferencial e conhecimento primitivo e as combinações entre esses quatro tipos. Esta classificação baseia-se no critério da origem do conhecimento. Agora, tratarei das diferenças entre o conhecimento por contacto, o conhecimento proposicional (saber que) e o conhecimento como saber-fazer.

  1. Antes de mais, recordo que, em português e dependendo do contexto, ora utilizamos o verbo conhecer ora o saber. Por exemplo, dizemos Eu conheço Viseu como as minhas mãos e Sei onde estiveste ontem à noite (no segundo caso, sei é “equivalente” a conheço).
  2. Numa definição muito geral, podemos dizer que o conhecimento é uma relação entre um sujeito (quem conhece) e um objeto (que é conhecido). Por exemplo, quando digo Conheço todas as pedras da calçada da minha rua, eu sou o sujeito e as pedras da calçada, o objeto.
    Claro que o objeto não tem que ser uma coisa, pode ser uma(s) pessoa(s), como acontece na frase Conheço o maestro António Victorino de Almeida.
  3. Quando dizemos que alguém sabe/conhece algo, o verbo saber/conhecer pode dizer coisas diferentes, como se pode ver nos exemplos seguintes:
    • Ex. 1: Sei que a capital de França é Paris.
    • Ex. 2: Messi sabe jogar futebol como ninguém.
    • Ex. 3: O meu vizinho conhece muito bem o Porto.

. No Ex.1, o objeto do conhecimento é uma proposição (a proposição a capital de França é Paris). A este tipo de conhecimento chamamos conhecimento proposicional (saber que).
[veja aqui o que (não) é uma proposição].

. O conhecimento do Ex.2 é um saber como, um saber-fazer. Neste sentido, quando afirmamos que A sabe (como fazer) X, está implícito que A tem a capacidade/competência para (fazer) X. Como quando digo Sei nadar.

. O conhecimento do Ex.3 é um conhecimento por contacto. Normalmente, quando afirmamos que A conhece B, está implícito que A e B, de algum modo, já estiveram presentes um ao outro.
Claro que o objeto conhecido por contacto tanto pode ser uma pessoa como uma coisa — um local, um objeto,… Como quando se conhece Lisboa por lá ter estado ou o sabor do maracujá, por o ter provado.

  1. Às vezes, a linguagem complica um pouco as coisas. Vamos pensar no seguinte:
    • Fulano sabe como se reparam rádios avariados. Parece estarmos, neste caso, perante um saber fazer — e de facto estaremos, se Fulano souber (tiver as competências para) efetivamente fazer as reparações.
      Mas pode acontecer que Fulano tenha apenas um conjunto de conhecimentos (ainda que seja um conjunto grande) sobre o assunto, mas não os consiga reparar: neste caso, estaremos perante um conhecimento proposicional.
      Ou seja, há um conhecimento que dizemos saber como/fazer mas que é proposicional.
    • Portanto, podemos ter bué de conhecimento proposicional sobre algo sem o saber-fazer: é o caso de alguns treinadores desportivos.
      Mas há também o caso inverso: pode-se saber-fazer algo sem ter conhecimento proposicional. O exemplo mais simples é o de uma criança que começa a andar: sabe andar mas sem conhecimento proposicional sobre como se anda.
    • É preciso também ter cuidado com a possível confusão entre conhecimento por contacto e conhecimento proposicional. Diz-se que o filósofo alemão Kant (1724-1804) nunca saiu da sua terra natal e que, apesar disso, conhecia bem muitos países: se Kant nunca esteve lá, só pode ter deles um conhecimento proposicional. Do mesmo modo, imagine o leitor que leu muito sobre os Beatles e sabe imensas coisas sobre eles; quando diz Conheço muito bem os Beatles, este conhecimento não é por contacto, mas proposicional.
  2. Proponho-lhe os seguintes exercícios:
    1. Identifique o tipo de conhecimento referido em cada uma destas alíneas:
      1. Toda a gente sabe que é a Terra que gira em volta do Sol.
      2. Os teus seios, sei-os de cor (adaptação de versos de Alexandre O’Neill).
      3. Fartou-se de estudar espanhol e só sabe meia dúzia de palavras.
      4. — Sabe a que horas chega o comboio? — Sei! Às quatro.
      5. Amo Paris. Conheço-a bem: já lá estive várias vezes.
      6. Teve um acidente? Pudera! Ele nunca soube conduzir!
      7. É impossível saber, pelo seu aspeto, quantos anos tem.
      8. Os quartetos de Haydn? Conheço-os todos!
    2. Considere os seguintes profissionais (relacionando-os com os três tipos de conhecimento antes referidos):
      • um matemático
      • um filósofo
      • um mecânico
      1. Exemplifique os três tipos do conhecimento, construindo uma afirmação sobre cada uma das profissões.
      2. Podemos dizer que em cada uma dessas profissões predomina um tipo de conhecimento diferente? justifique-se.

O pretexto para a escrita deste texto foi o tema Estrutura do ato de conhecer do programa de Filosofia do 11º ano. Aqui encontram-se outros elementos de apoio a esse e outros temas do programa: textos, testes,…

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