“Ao analisar como se originam as primeiras sociedades, os pensadores modernos utilizaram a expressão “estado de natureza” para ilustrar esse momento prévio, anterior ao aparecimento dos primeiros agrupamentos humanos, no qual reinava a maior das liberdades, isto é, no qual o homem vivia de acordo com a natureza, sem nenhuma restrição social — nem leis, nem normas, nem deveres… –, como os animais; estado no qual imperava a lei do mais forte, na expressão de Hobbes, numa espécie de “guerra de todos contra todos“. Semelhante estado de natureza teria mais um valor hipotético do que real: serviria para, a partir dele, reconstruir racionalmente o aparecimento do “estado civil“. Face a esse estado “selvagem” levantar-se-ia o “estado civil“, no qual o homem decidiria conviver pacificamente regendo-se por normas. Os motivos que levam o homem natural a ceder a sua liberdade absoluta, bem como a forma de realizar esse pacto ou contrato social, será o que caracteriza a conceção dos diversos pensadores”
[leia aqui a resposta de Thomas Hobbes a estes problemas].
(GONZÁLEZ RUIZ, Fernando. GONZÁLEZ RUIZ, Agustín. Filosofía: Bachillerato: 1º. Madrid: Ediciones Akal, 2002, p. 341)
Jonathan Wolff [Introdução à filosofia política. Lisboa: Gradiva, 2004, p. 18-20] pergunta se alguma vez terá existido um estado de natureza:
“Muitos filósofos parecem relutantes em comprometer-se relativamente a este assunto. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), por exemplo, pensava que levaria tanto tempo a passar de um estado de natureza para a «sociedade civil» (uma sociedade governada por um estado formal), que se tornava blasfemo supor que as sociedades modernas teriam surgido dessa forma. Afirmava que o tempo necessário à transição seria superior à idade do mundo, tal como registada nas escrituras. Por outro lado, Rousseau também pensava que havia exemplos contemporâneos de povos a viver num estado de natureza, enquanto John Locke (1632-1704) pensava que isto se aplicava a muitos grupos que viviam na América do século XVII.
Mas mesmo que nunca tenha existido um verdadeiro estado de natureza, podemos, ainda assim, considerar como seria a vida se, hipoteticamente, nos víssemos sem um estado. Thomas Hobbes (1588-1679), profundamente preocupado com a guerra civil inglesa, pensou ver o seu país afundar-se num estado de natureza. Em Leviatã, traçou um quadro negro dessa situação hipotética, esperando convencer os leitores das vantagens do governo. Da mesma forma, para os fins deste capítulo, não precisamos de dedicar muito tempo a debater a questão de saber se, na verdade, os seres humanos alguma vez terão vivido num estado de natureza. Só precisamos de defender que isso é possível.
É possível? Por vezes, diz-se que não só os seres humanos sempre viveram sob um estado, como essa é a única forma de eles conseguirem viver. De acordo com esta perspetiva, o estado existe naturalmente, no sentido de ser natural para os seres humanos. Talvez não fôssemos seres humanos se vivêssemos numa sociedade sem estado. Talvez fôssemos uma forma inferior de vida animal. Se os seres humanos existem, também existe o estado. A ser verdadeira esta perspetiva, a especulação acerca do estado de natureza revela-se redundante.
Reagindo a esta ideia, alguns filósofos afirmam que temos inúmeras provas de que os seres humanos foram capazes de viver sem estado. Estas afirmações foram vitais para a teoria apresentada pelos autores anarquistas […]. Mas mesmo que os seres humanos nunca tenham vivido, durante tempo algum, sem estado, é muito difícil perceber como se pode afirmar que é absolutamente impossível fazê-lo. E assim, para tentar compreender por que temos estado, partiremos do princípio de que os seres humanos podiam dar conseigo num mundo onde este não existisse. Como seria esse mundo?”
[já lhe indiquei, acima, a resposta de Hobbes a esta pergunta]
O pretexto para a escrita deste texto foi o tema Ética, direito e política, da rubrica A dimensão ético-política do programa de Filosofia do 10º ano.