Quando, há uns anos, fotografava o exterior de uma catedral espanhola, fui surpreendido por uma senhora que, de longe, avançou para mim gritando e gesticulando. Já próxima, percebi que reclamava, indignada, por eu a ter fotografado.
Expliquei-lhe que a fotografia não tinha sido feita a ela, mas ao edifício. Não valeram de nada os meus esforços: continuavam os protestos. Entendi então o motivo de tanta ira: a senhora não queria ser fotografada porque, pensava, ao fotografá-la aprisionava-lhe a alma.
Mantenho viva a cena: ela chamou-me a atenção para a necessidade de o fotógrafo conhecer as tradições e a etiqueta dos locais que visita — conhecê-las para estar atento a elas e as respeitar. Normalmente, o desconhecimento, mais do que a má fé, é origem de comportamentos inadequados, como entrar calçado num espaço sagrado onde a tradição manda descalçar.
Mais genericamente, consciencializei o dever (e o interesse) de planificar as viagens, numa perspetiva fotográfica.
- E uma das áreas onde a preparação da viagem é importantíssima é, exatamente, essa: conhecer os locais de destino: o mundo e as pessoas.
Deixar que a sorte nos ofereça as tais fotos… de sonho? A sorte desempenha um papel de destaque, é verdade; mas não é menos verdade que o conhecimento e as competências do fotógrafo dão uma grande ajuda para que a sorte aconteça. Para antecipar/”adivinhar” momentos.
Conhecer a história e as características dos lugares a visitar contribui para no final da viagem ter um álbum fotográfico onde se conte uma história, em vez de um amontoado de simples fotos de turista.
Pode ajudar a análise de fotografias de outros viajantes — encontram-se, por exemplo, através de uma pesquisa nas imagens do Google.
Conhecer os costumes e tradições dos locais a visitar, os comportamentos a adotar e a evitar: nalguns locais pode não ser permitido usar flash ou o tripé ou até fazer fotos.
E decidir da segurança do equipamento: até que ponto é perigoso sair à noite (ou em determinados locais) com a máquina fotográfica…
Atender às previsões meteorológicas. De ter um tempo de chuva ou de sol, dependerá uma série de decisões.
- Escolher o equipamento a levar (e onde o levar).
Possuindo várias — por quais máquina(s) fotográfica(s) optar? basta uma compacta de bolso, para simples registos? E a(s) objetiva(s)?
O tripé também vai ou é muito pesado ou para as fotos previsíveis basta apenas um monopé? Ou o tripé pode ser perfeitamente substituído por um bean bag (se não sabe o que é isso… já aqui tentei explicar o que é, para que serve e como se pode fazer um)? Pode pôr-se a hipótese de substituir o tripé por engenhocas como um pedaço de corda (um dia destes, explicarei como fazer um “tripé” desses).
E o(s) flash(es) (como/onde o(s) transportar)? E as baterias e carregador(es) respetivo(s)?…
E os cartões?… O espaço necessário para guardar as fotos (e, portanto, o maior ou menor número de cartões) varia em função de vários fatores:
se se vai fotografar em jpg ou em raw (as imagens ocupam bastante menos espaço, na primeira hipótese);
se se leva modo de descarregar e fazer cópia de segurança (precisará de um computador?) — uma precaução a não descurar sobretudo quando se vai a sítios onde, presumivelmente, se não voltará;…
Dependente das respostas anteriores (bem como do meio utilizado para a viagem: de carro próprio? de avião?) está a escolha do saco/mochila (que deverá, em todos os casos, ser discreta para não atrair as atenções de “amigos do alheio”).
Já agora… vai alugar carro? não será melhor fazer a reserva antecipadamente?
- A luz é um “segredo” maior de qualquer fotografia.
A luz pode fazer ou desfazer uma fotografia.
Fotografar é escrever com luz; mas nem toda a luz é boa para uma boa escrita. Daí, a necessidade de fazer uma lista prévia com os locais e a hora certos para carregar no botão da máquina; a melhor hora e sítio a partir do qual fotografar o tal monumento ou paisagem…
Em fotografia de exterior, a luz ideal não é a do intervalo entre as 12 e as 14 horas, quando o contraste entre luz e sombra ultrapassa as capacidades do sensor de qualquer máquina fotográfica; a melhor luz é a que chega pela manhã ou ao entardecer: a hora dourada dos 45 minutos anteriores ao pôr do sol ou os posteriores ao nascer do mesmo. A hora da luz difusa, quente, e das sombras suaves; da ausência dos grandes contrastes.
Há instrumentos que podem ajudar o fotógrafo a calcular o melhor momento para as melhores imagens: por exemplo, as aplicações que nos informam da hora do nascer e do pôr do sol e da hora azul (já aqui escrevi sobre estes 30 fugazes minutos azuis).
Para dar um exemplo concreto… The Photographer’s Emeris oferece informação sobre, entre outras coisas e num determinado lugar,
a hora e a direção do nascer e do pôr do sol;
a hora e a direção do aparecimento e desaparecimento da lua;
a fase da lua e o nível de iluminação.
- A sorte
E voltamos à sorte, porque ela é o ingrediente que fará uma boa foto. Depois de toda a preparação anterior à viagem e o “esforço” no local.
- Já no local, dar tempo ao tempo.
Contra as pressas de viagens de grupo programadas “para ver tudo”, eu gosto de ir e “ir de novo” aos sítios. E… ficar por lá. A andar pelas ruas. Ou, de um banco de uma esplanada, saborear os locais. O tempo, escreve-se na Photo Solution de dezembro/janeiro de 2014, é o terreno no qual podem desenvolver-se as mais belas descobertas, os encontros inesperados, a magia.
O conhecimento, antes referido, conjugado com esta “perda” de tempo, podem fazer com que o fotógrafo esteja no local certo à hora certa. Para captar a tipicidade dos lugares, dos costumes, das “personagens” quotidianas…
…depois de pedir autorização. Isto é, com discrição, educação, respeito; procurando a melhor abordagem às pessoas; evitando situações delicadas; exprimindo gratidão ou, em caso de erro, pedido de desculpa; tomando nota dos nomes e endereços das pessoas, para lhes enviar as fotos, caso elas desejem. Resistindo à tentação de acreditar que se pode passar por cima disso tudo… porque se está de passagem, nunca mais cá voltarei…
- Em conclusão…
O artigo do número referido da referida revista canadiana de fotografia que serviu de inspiração a este meu texto conclui com uma “simples equação”:
o conhecimento permitirá [ao fotógrafo] ter tempo, o tempo recompensá-lo-a com a sorte que por sua vez lhe oferecerá a luz. Tão simples quanto isso.
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E o leitor…
- …discorda de algo que escrevi?
- …que “recomendações” acrescentaria?
- …tem alguma experiência que queira partilhar connosco?
Hum, oh Gomes, imagine “444” gajos em fila para tirar o mesmo boneco, quero eu dizer que isso de ir ao Google ver o que “toda a gente” fez também tem o seu lado negativo, não acha?
P.S. é evidente que existem as “obrigatórias”, mas………..
José Carlos,
se em vez de “444” fossem “888”, o caso seria ainda mais (duplamente) “grave”. 😉
A sério… Nós (eu, pelo menos) já preparamos uma viagem, quando a preparamos, seguindo “táticas” do género. Talvez não na perspetiva fotográfica, mas com o objetivo de fazer um plano dos sítios a ver. Eu faço: pergunto a alguém que já lá esteve por aquilo de que mais gostou; consulto guias para decidir da importância relativa do que há para visitar; procuro na Internet por opiniões de viajantes…
É isso que se propõe, mas numa perspetiva fotográfica. Não sei se isso aumentará o número de pessoas a fotografar determinado boneco, mas pelo menos permite-nos programas as visitas em função da melhor hora para a fotografia e decidir do sítio a partir do qual fotografar.
Recordo-me, a propósito, de uma viagem… de um dia em que fui visitar um castelo à hora de almoço. Em interior, a coisa correu mais ou menos bem. Mas no exterior… foi uma desgraça. Se tivesse pensado melhor no plano, poderia ter trocado a visita com outro sítio — sei lá… um museu onde não fosse permitido fotografar.