Agostinho da Silva (1906-1994) [1/5]

Da vida e da obra

Agostinho da Silva, de seu nome completo George Agostinho Baptista da Silva, nasceu no Porto em 1906 e faleceu, 88 anos depois, em 1994, em Lisboa, depois de ter andado por todo o mundo, nomeadamente pelo Brasil e América Latina.

Foi prolixo na diversidade de géneros literários que cultivou, como é evidenciado nas dezenas de livros que assinou abrangendo mais de uma dúzia de ensaios, dezenas de trabalhos de carácter biográfico e autobiográfico, um considerável número de novelas, centenas de poemas, assídua colaboração em revistas e jornais, centenas de cadernos e de opúsculos, diversas traduções e centenas de cartas.

Utilizou determinados factos, obras, assuntos para falar de coisas que lhes parecem totalmente alheias, usando uma escrita algo desordenada, em que os títulos nem sempre reflectem o conteúdo dos textos e em que, não raras vezes, os propósitos anunciados para uma publicação acabavam por não serem respeitados, tal como se pode ver, por exemplo, em Vitória – para a quinta classe. Introdução, em Goa – cadernos teológicos ou em Compostela – carta sem prazo a seus amigos. Primeira de 71. Foi também o que aconteceu com várias biografias que redigiu, cujo estrito carácter biográfico nem sempre foi cumprido.

Pese embora a multiplicidade dos textos autobiográficas que nos deixou, convém destacar que, da sua vida íntima, nunca nos disse nada de relevante, tendo sempre separado a vida pública da vida privada.

Os primeiros escritos, publicados entre 1925 e 1933, prendem-se com as questões escolares ligadas à sua formação universitária, com alguma polémica à mistura.

Parte das suas publicações resultaram da compilação de textos que tinham conhecido edição anterior na revista Seara Nova, como é o caso das Glossas, das Considerações e do Diário de Alcestes.

A análise à obra ficcionada que nos deixou revela um fundo trágico, de cunho individualista e pessimista, onde os protagonistas acabam resignadas perante o que lhes parece ser uma fatalidade, revelando uma concepção trágica da vida, de herança grega, que o aproxima de Nietzsche e de Schopenhauer.

Os textos produzidos depois de Reflexão à margem da literatura portuguesa (1957), tornam-se repetitivos, versando, essencialmente, o ideário da organização sócio-política que esperava ver restaurada em Portugal e alargado a todo o Mundo.

Foi um intelectual de amplos consensos e não pertenceu, em termos de militância, a este ou àquele grupo, sendo estimado por uma larga camada da intelectualidade portuguesa, colaborando, quase em simultâneo, com movimentos culturais dissonantes, como foram a Renascença Portuguesa e a Seara Nova. Mas se colaborou com estes dois movimentos, que embora antagónicos comungavam do mesmo princípio republicano, também colaborou com os movimentos monárquicos que se expressavam nas publicações Acção Académica e Id’ea Nacional. Esta versatilidade levou um seu amigo a afirmar: “Defini-lo como integrado a uma qualquer corrente política bem determinada é tarefa impossível. Antifascista, certamente! Mas nessa designação cabem, felizmente, nomes os mais diversos, desde monarquistas-socialistas como António Sérgio, a comunistas, como Álvaro Cunhal passando por republicanos da linha democrática, católicos progressistas, sociais-democratas e até fascistas sinceramente arrependidos como Humberto Delgado. Agostinho, pelo que escreveu e disse publicamente não se encaixa em nenhuma destas ou de qualquer outra classificação.”

[Silva, José L P L C, “Um Agostinho da Silva”, em Agostinho, S. Paulo, Green Forest do Brasil, 2000, p. 217].

A evolução da sua obra aponta para uma evolução paralela do seu pensamento em três fases que, por vezes, se interpenetram.

Uma primeira fase, de formação, dominada pelo neoclassicismo e na qual as novelas publicadas em O Comércio do Porto marcaram o pessimismo existencial que nos textos ficcionados nunca chegou a abandonar, onde tentou conciliar várias e opostas tendências como o nacionalismo monárquico, o republicanismo espiritual, que se abrigava na Renascença e o republicanismo laico e racionalista, que a Seara Nova acarinhava.

Uma segunda fase, iniciada com as Glossas, em 1932, caracterizada pela procura de um sentido ético para a vida e a defesa de uma existência heróica e santa, heroísmo que extraiu da herança cultural grega, pela reflexão dos seus mitos (paganismo) e da santidade pensada a partir de uma perspectiva cristã.

Por fim, uma terceira fase, iniciada com a publicação, no Brasil, em 1957, do ensaio Reflexão à margem da literatura portuguesa, caracterizada pela redescoberta dos arquétipos míticos de Portugal que o levaram a considerar o reinado de D. Dinis como a época de ouro portuguesa, que tinha, em seu entender, como manifestação principal, o culto popular do Espírito Santo, que passou a considerar como o pilar fundamental do Portugal-Ideia.

[Artur Manso]

[A passagem do aniversário de Agostinho da Silva é o pretexto para a publicação deste texto — o primeiro de uma série de cinco. O seguinte: Ideias pedagógicas]


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