CETICISMO

Num sentido comum, um cético é uma pessoa que tende a duvidar das crenças aceites pessoas ou que habitualmente desconfia das pessoas ou das ideias em geral. 

Neste sentido, o ceticismo poderá ser caracterizado como uma saudável e descomprometida tendência para testar e sondar as crenças tidas como populares. Um tal estado de espírito constitui normalmente uma defesa útil contra a credulidade, mas pode por vezes resvalar para uma tendência a duvidar de tudo, independentemente da justificação que possa existir para o fazer.

Mas, quer isso seja bom ou mau, ser-se cético nesse sentido mais popular é bastante diferente do seu uso filosófico.

O ceticismo afirma, não que, tal como se diz por vezes, a verdade é inacessível, mas sim que não podemos ter a certeza de a alcançar — nega a capacidade da razão para estabelecer verdades conclusivas. Filosofar deve então consistir na prática da dúvida, em vista da suspensão da opinião.

O cético filosófico não defende, ao contrário do que por vezes se diz, que a verdade é inacessível ou que nós não sabemos nada

(até porque fazê-lo seria, obviamente, uma forma de autodepreciação: não sabendo nada, o cético deixaria de conseguir saber que não sabemos nada).

A posição do cético consiste antes em afirmar que não podemos ter a certeza de alcançar a verdade — consiste em negar a capacidade da razão para estabelecer verdades conclusivas. 

Julgamos conhecer imensas coisas, mas como podemos nós defender tais pretensões? Que fundamentos poderemos nós apresentar para justificarmos qualquer pretensão particular ao conhecimento? O suposto conhecimento que temos do mundo baseia-se nas perceções obtidas através dos nossos sentidos, normalmente mediadas pelo uso que fazemos da razão. Mas não estão tais perceções sempre sujeitas ao erro? Poderemos nós estar sempre certos de não estarmos a alucinar ou a sonhar, ou de que a nossa memória não nos prega partidas? Se a experiência do sonho for indiscernível da nossa experiência em vigília, nunca poderemos estar certos de que o que pensamos ocorrer seja verdadeiramente o que ocorre — de que aquilo que julgamos ser verdade seja efetivamente verdade.

Filosofar deve então consistir na prática da dúvida, em vista da suspensão da opinião.

[adaptado de 50 ideias de filosofia que precisa mesmo de saber (dados bibliográficos, aqui), p. 7]

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Leia ainda…

  • Dúvida cética e dúvida cartesiana
  • Propõe-se aqui uma análise filosófica do poema Verdade de Drummond de Andrade: defenderá o poeta uma perspetiva cética?
  • No 2º capítulo de As Perguntas da Vida [dados bibliográficos, aqui], Savater analisa as várias posições (e as objeções contra as mesmas) sobre a verdade: o ceticismo, o relativismo, os defensores da “revelação”.
  • Qualia invertidos: um problema de ceticismo. Os qualia invertidos são uma experiência mental, um dos memes mais virulentos da Filosofia, uma grande introdução à filosofia.

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