O doido e o conhecimento

Esta não é uma anedota candidata aos óscares do humor — mas, volta e meia, recordo-a: acho-lhe graça, porque me foi contada, a primeira vez, por alguém que punha imensa piada em todas as estórias que lhe saíam da boca:

Num hospital psiquiátrico, um médico encontra um louco a arrastar uma vassoura e sorri-lhe:

— Com que então.. a passear o cachorrinho, não é verdade?

O louco responde-lhe:

C’ais cachorrinho, doutor?! então não vê que isto é uma vassoura?!

O médico sorri novamente e decide rever a situação clínica do paciente.

Quando já o médico vai longe, o louco baixa-se  e, afagando a vassoura, sussurra:

— Anda, Buba, que já enganámos outro!

Para rever alguns conceitos de Filosofia do Conhecimento, proponho-lhe este exercício (responda na caixa dos comentários):

Na perspectiva da definição tradicional de conhecimento

(segundo a qual o conhecimento é uma crença verdadeira justificada)…

  1. o doente diz que o objecto é uma vassoura: saberá ele, por isso, que “aquilo” é uma vassoura? Porquê?
  2. podemos dizer que o doente sabe que aquilo é um cachorro (apesar de dizer que é uma vassoura), enquanto que o médico sabe que aquilo é uma vassoura (apesar de dizer que é um cachorro)? Porquê?
  3. considerando o que presenciou, saberá o médico que o doente está bom — ou, pelo menos, melhor? Porquê?

1 thought on “O doido e o conhecimento”

  1. Boa Tarde.
    Formulei uma resposta:

    1. Apesar de o doente dizer que o objeto é uma vassoura, ele não sabe que é uma vassoura, uma vez que não acredita que o é (“Anda, Buba, que já enganámos outro.”). Para saber (isto é, ter conhecimento) é necessário ter uma crença, essa crença ser verdadeira e justificada (definição tradicional de conhecimento). Neste caso, a primeira condição não é respeitada – ter uma crença: a que relaciona o agente cognitivo com a proposição. Quando sabemos algo, acreditamos nesse algo.
    Como ter uma crença é condição necessária para o conhecimento, o doente não sabe que “aquilo” é uma vassoura. Não constitui conhecimento.

    2. Em primeiro lugar consideramos a proposição: “o doente sabe que aquilo é um cachorro.” Segundo a definição tradicional do conhecimento (crença verdadeira justificada) concluí-se que o doente não sabe que aquilo é um cachorro, pelo seguinte motivo: apesar de ele acreditar que o é (tem uma crença) não corresponde à realidade – não é verdadeira. O que nos leva a deduzir que o doente não sabe que aquilo é um cachorro, apenas pensa, mas não sendo factivo, não se trata de conhecimento. Portanto não sabe.
    Em segundo lugar: “O médico sabe que aquilo é uma vassoura.”. De acordo com a definição tradicional de conhecimento, o médico tem uma crença e essa crença corresponde à realidade – é verdadeira e também está justificada (“um médico encontra um louco a arrastar uma vassoura.”) (considerando que o médico tem uma boa visão e está isento a ilusões), sendo então uma boa justificação. Portanto, segundo a definição tradicional de conhecimento, o médico sabe que o objeto é uma vassoura.

    3. Considerando agora a proposição: “saberá o médico que o doente está bom?”
    É verificável que o doente afirma que o objeto é uma vassoura, porém não acredita nisso, não estando curado da loucura.
    Desta forma, o médico possui uma crença, de que o doente está pelo menos melhor e também possui uma justificação, através da atitude que o doente lhe mostrou, negando-lhe que aquilo era um cachorro. Porém, a crença do médico não é verdadeira: o doente continua louco. Então a sua crença não é factiva (não corresponde à realidade) não constituindo conhecimento. O médico não sabe se o doente está bom (ou não).

    Espero que esteja aceitável.
    Cumprimentos.

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