I. CONHECIMENTO A PRIORI E A POSTERIORI
Imagine-se o leitor numa sala, onde decorre uma conferência, e alguém lhe envia um sms a perguntar quantas pessoas há na sala. Como é que o leitor pode sabê-lo? não tem outro modo de o saber senão olhando e contando os presentes. Suponhamos que a resposta (chamemos-lhe P1) é:
(P1) Nesta sala estão 20 pessoas.
Confronte agora (P1) com outra afirmação (chamemos-lhe P2):
(P2) O todo é maior que a parte.
Não precisamos da experiência para saber P2. Mas precisamos da experiência (dos sentidos) para saber P1. Ao primeiro tipo de conhecimento chamamos conhecimento a posteriori; ao segundo tipo, conhecimento a priori.
Portanto, considerando a sua origem, temos dois tipos de conhecimento; assim,
sei A POSTERIORI (porque tenho de recorrer à experiência) que a minha vizinha pintou o cabelo; que houve um acidente no Haiti; que Dilma Rousseff é a primeira presidente eleita do Brasil; …
sei A PRIORI (porque de algum modo não depende da experiência) que 4+3=7; que nenhum solteiro é casado; que o conhecimento é mais desejável do que a ignorância; …
Analisemos um 3º exemplo — agora, um argumento, e não proposições, como anteriormente (identificaremos as premissas com Pr1 e Pr2 e a conclusão, com C):
(Pr1) A cidade de Lisboa é maior do que a de Porto.
(Pr2) Porto é maior do que Viseu.
(C) Logo, Lisboa é maior do que Viseu.
Faça o exercício: as premissas são a priori ou a posteriori?
Claro! são ambas são a posteriori. Quando pelo menos uma das premissas de um argumento é a posteriori, estamos perante um argumento a posteriori: é o caso do anterior. Um argumento é a priori quando todas as suas premissas são a priori.
Convido-o a mais um exercício (4º exemplo): este argumento é a priori ou a posteriori?
(Pr1) Deus é o ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
(Pr2) Mas se Deus não existir, não é o ser maior do que o qual nada pode ser pensado (porque qualquer ser existente seria mais perfeito do que ele).
(C) Logo, Deus existe.
[Todas as premissas são a priori; logo, é um argumento a priori]
II. CONHECIMENTO INFERENCIAL E PRIMITIVO
Voltemos aos exemplos anteriores. No 4º, a proposição Deus existe resultou de uma inferência
(uma inferência é o processo através do qual passamos da aceitação, eventualmente provisória, de algumas proposições para a aceitação de outras. No caso, passamos da aceitação das premissas Pr1 e Pr2 para a conclusão C).
Dizemos, por isso, que é um conhecimento inferencial. É um conhecimento (com uma origem) diferente daquele que obtenho quando, por exemplo, olho pela janela e verifico que não está a chover. Neste caso, é um conhecimento não inferencial
(não fico a saber que está a chover a partir de outras proposições; seria inferencial se ouvisse a chuva a bater no telhado e daí concluísse que está a chover).
Por razões óbvias, ao conhecimento inferencial chamamos também derivado. E ao não inferencial, primitivo.
III. COMBINAÇÕES DOS 4 TIPOS DE CONHECIMENTO
É isso mesmo: é possível combinar os vários tipos de conhecimento que analisámos. Temos, pois,
a) conhecimento derivado a priori;
b) conhecimento derivado a posteriori;
c) conhecimento primitivo a priori e
d) conhecimento primitivo a posteriori.
Como penso que é fácil entender a distinção (se se entenderam as distinções anteriores), proponho alguns exemplos como exercício. Qual dos 4 tipos acima enunciados é exemplificado por cada um destes casos:
- Sei que está um gato em casa (vi-o passar).
- Nenhum objecto físico pode ser ao mesmo tempo verde e vermelho em toda a superfície.
- Todos os viseenses são portugueses. O John é viseense. Logo, o John é português.
- Todos os números ou são pares ou são ímpares. O número 3 não é par. Logo, é impar.
Não avance para a leitura da minha resposta antes de fazer o exercício.
[1. primitivo a posteriori; 2. primitivo a priori; 3. derivado a posteriori; 4. derivado a priori]
Notas finais:
- O nosso conhecimento resulta, normalmente, da conjugação destes vários tipos e não exclusivamente de um deles.
- A definição de inferência, dada acima, pode causar alguma confusão com a definição de argumento. A diferença entre os dois conceitos é que um argumento é uma inferência usada para persuadir racionalmente alguém.
- Devemos falar de conhecimento a priori e conhecimento a posteriori, em vez de proposições a priori e proposições a posteriori. Saiba porquê, aqui.
[Pretexto para a publicação deste exercício: a rubrica Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva do programa atual (ano letivo 2011/12) do 11º ano de Filosofia]
Bons exemplos!
Excelente! Sugiro ao autor que invista na elaboração de manuais escolares. Pela minha parte, fico-lhe mui grata!
Parabéns pelo blog e pelo desempenho excelente do professor. Os textos são uma referência para as minhas aulas.
Muuuuito obrigada! Continue assim pfvr kk