A priori e a posteriori

Já aqui tentei explicar a distinção entre a priori e a posteriori. Acrescento um esclarecimento: para compreender claramente essa distinção, devemos falar de conhecimento a priori e conhecimento a posteriori, em vez de proposições a priori e proposições a posteriori.

Como vimos, o conhecimento é uma relação entre agentes cognitivos e proposições; logo, as proposições não são primitivamente a priori ou a posteriori — o que elas são é susceptíveis de serem conhecidas a priori ou a posteriori. A distinção pode parecer menor, mas é crucial para evitar confusões. Uma mesma proposição pode ser conhecida, pelo mesmo agente cognitivo ou por diferentes agentes cognitivos, de maneiras diferentes. Por exemplo, na escola, o meu professor pode ensinar-me o teorema de Pitágoras. O teorema foi por mim conhecido a posteriori. Mais tarde, depois de aprender mais geometria, posso demonstrar por mim mesmo o teorema; e quando faço isso passo a ter um conhecimento a priori do teorema. Mas há casos em que isto não pode acontecer; na escola aprendi também que Sócrates foi condenado à morte. Mas, por mais que pense, nunca poderei estabelecer a priori que isso é verdade.

O modo mais justo de entender a distinção tradicional entre o a priori e o a posteriori é o seguinte: há uma classe de proposições que não são conhecíveis a priori (pelos seres humanos). Por uma liberdade de linguagem podemos dizer que essas são proposições a posteriori. Mas é preciso ficar claro que se usarmos esta terminologia, somos forçados a dizer algo que parece uma contradição: que uma proposição a priori pode ser a posteriori. Espero que seja claro que não se trata de uma contradição, mas de um facto banal: quer apenas dizer que uma proposição da aritmética, por exemplo, pode ser conhecida pelo pensamento puro; mas também pode ser conhecida por testemunho, caso em que é conhecida a posteriori. O ponto crucial é que estas proposições que são conhecíveis a priori contrastam com proposições que não são conhecíveis a priori, como a proposição expressa pela frase «A água é H2O». Todas as proposições conhecíveis a priori são conhecíveis a posteriori; mas há uma classe de proposições que só são conhecíveis a posteriori.

[Desidério MURCHO. Essencialismo naturalizado: aspectos da metafísica da modalidade. Coimbra: Angelus Novus, 2002, p. 22-23. Negritos meus]

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