Agostinho da Silva [4/5]

Ideias filosóficas

Quanto à filosofia Agostinho foi um defensor do conhecimento científico e do progresso da Técnica – não sem ter equacionado as consequências éticas dos avanços científicos – porque acreditava que a evolução conjunta da Ciência e da Técnica haveria de eliminar todas as formas de trabalho libertando a Humanidade para o ócio e a contemplação.

Considerou-a como exercício racional em busca da verdade, criticando-a sempre que se assumia como laica. Ainda em termos de especulação filosófica, aproximou-se de um idealismo de feição platónica, revertendo o seu pensamento para um monismo panteísta que se resolveria pelo paradoxo, num meio termo entre o essencialismo e o existencialismo.

Entendeu a Estética quer como conhecimento sensível quer como teoria da arte. Apesar de, na ficção, ter mostrado simpatia pelo esteticismo de Óscar Wilde, que defendia a arte pela arte. Em termos especulativos mostrou-se mais próximo de uma arte realista, tendo-a pensado como um meio privilegiado de acesso à unidade perdida, tecendo várias considerações sobre o artista e a criação e criticando o estatuto da arte moderna.

Agostinho defendeu o paradoxo como forma de conciliar os contrários. Assim, ao entender o paradoxo como categoria fundamental da existência, aproximou-se de Kierkegaard, superando o pensamento do filósofo dinamarquês ao considerar que a missão de todos e de cada um era a santidade, espécie de estádio religioso da vida que o autor de Temor e tremor negava que pudesse estar ao alcance dos homens, superando-o, também, ao não aceitar a obrigatoriedade da escolha, o ou isto ou aquilo em que Kierkegaard firmou o seu pensamento, pois para o nosso pensador a acção de cada um deveria firmar-se simultaneamente no isto e aquilo num eterno jogo conciliatório. Teorizou o misticismo de forma religiosa enquanto forma de abordar a totalidade da vida no sentido de vir a superar o paradoxo do conhecimento humano.

Da sua especulação sobre o Ser e a existência fez coincidir o Ser com Deus, tendo privilegiado o papel do Homem no seio da criação, sem deixar de reconhecer a materialidade implícita à criação, afirmava que o ser do Homem coincidia com o ser de Deus. O seu pensamento em torno da ontologia, ao defender que o Ser contém tudo que existe, mesmo que só seja sustentado pela consciência, aproxima-se da experiência englobante de Karl Jaspers. Quanto à problemática em torno do ser e do ter, ao preferir acolher o ser e rejeitar o ter, aproxima-se de Gabriel Marcel.

Sobre a questão da origem do mundo, defendeu as teorias eternalistas e o panteísmo. Quanto à reflexão sobre a religião, ressalta, desde logo, o tê-la considerado como a forma mais perfeita de conhecimento. O seu pensamento reflecte simultaneamente a herança grega e a vivência evangélica, bem como diversos outras elementos que recolheu nas religiões orientais e africanas, a cujo carácter meditativo e contemplativo se rendeu.

Ao pensamento de Agostinho subjaz um forte pendor antropológico. Usou, de forma indistinta, os conceitos de indivíduo e de pessoa. Em qualquer caso, a pessoa deveria manter o direito fundamental de ser poeta inteiramente à solta, isto é, de ter uma existência heróica e sacrificial, revelando uma forte preocupação social, denunciando a miséria humana e os conflitos sociais.

Quanto à Axiologia, Agostinho seguiu a tradição platónica e neo-platónica, entendendo que os valores eram captados por intuição após um aturado exercício da razão e preferindo os valores espirituais aos valores materiais. Defendeu a perenidade de valores como a vida, a caridade (amor), a amizade, a justiça, a liberdade, ao mesmo tempo que recusou liminarmente o relativismo axiológico.

Na reflexão em torno do Amor, considerou-o quer através da tradição grega, Eros, quer através da tradição judaico-cristã, Agapé. Partindo da herança grega reflectiu sobre o Amor enquanto exercício da inteligência rumo ao Bem, à Verdade e à Beleza, complementando este percurso com a preocupação judaico-cristã, ao pretender que, pelo Amor, se garantisse a efectiva igualdade entre todos os homens, criticando o amor romântico e defendendo o amor místico.

Da organização sócio-económica que preconizou, foi influenciado pelo anarquismo e pelo socialismo utópico de Lesseps, Robert Owen e William Morris. Elogiou a democracia de Péricles e foi condescendente com regimes autoritários e anti-democráticos, criticando a organização democrática dos Estados por a achar insuficiente na promoção de uma verdadeira igualdade. Em termos económicos, foi um crítico quer da economia de mercado quer da economia planificada, e um convicto defensor do comunitarismo cooperativista. Foi um pioneiro do universalismo, de que a globalização é um reflexo, embora, como tantos outros, gostasse de o ver realizado pelo comunitarismo solidário.

[Artur Manso]

[Este é o quarto texto de uma série de cinco. O anterior: Educação para Portugal e para os portugueses. O próximo: Quanto ao Portugal passado e ao futuro anunciado]


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