No texto anterior, tratei de explicitar o conceito de validade, aplicado aos argumentos. Repito: um argumento é válido quando a conclusão se segue das premissas. Dito de outro modo: um argumento é válido quando, se as premissas forem
(hipoteticamente)
verdadeiras, a conclusão for
(hipoteticamente)
verdadeira
[necessariamente ou provavelmente].
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A validade de um argumento é, portanto, condição necessária a um bom argumento. Mas não é condição suficiente. Para verificar que, para um argumento ser bom, não basta ser válido, tomemos este exemplo:
“Se me sair o euromilhões, vou comprar o carro dos meus sonhos. Saiu-me o euromilhões. Então vou comprar o carro dos meus sonhos“.
Se o objectivo deste argumento é provar (por)que vou comprar o carro, o argumento… falha. Falha, embora seja válido: se a condição para eu comprar o carro é sair-me o euromilhões e se me tivesse saído o euromilhões, então não restavam dúvidas acerca da compra do carro. Só que a conclusão é falsa: eu, garanto, não vou comprar carro nenhum. E a conclusão não é (necessariamente) verdadeira porque a segunda premissa não é verdadeira: de facto, não me saiu euromilhões nenhum[atenção: só digo que a conclusão não é necessariamente verdadeira em função da verdade das premissas. De acordo com a definição de argumento válido, apresentada no último texto, a conclusão até poderia ser verdadeira. Mas não em função das premissas: podia sê-lo por outra razão qualquer].
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Ou seja: para um argumento ser bom tem de ser válido e ter premissas verdadeiras: se for válido e tiver premissas verdadeiras, a conclusão será verdadeira. A um argumento com as duas características anteriores chamaremos sólido.
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Para um argumento ser bom tem, pois, de ser sólido. Mas para um argumento ser bom não basta ser sólido. E isto percebe-se analisando este argumento:
“O meu baú é um blogue. Logo, O meu baú é um blogue“.
Este é um argumento válido
[se a premissa for verdadeira, não há dúvida nenhuma de que a conclusão o será também, necessariamente].
E a sua premissa é verdadeira
[ou há alguma dúvida sobre o assunto? ;-)].
E, apesar disso, percebemos facilmente que este não é um bom argumento: se o objetivo deste argumento é justificar a verdade da conclusão com a premissa, é óbvio que não precisamos deste argumento para nada.Dito de outro modo: a força maior dum argumento encontra-se na(s) premissa(s): é a partir dela(s) que se segue a conclusão. No exemplo anterior, uma vez que a conclusão repete a premissa, a premissa não tem mais força do que a conclusão.Tiremos, então, a “lição”: para que um argumento seja bom, é necessário que seja sólido
(isto é, que seja válido e tenha premissas verdadeiras)
e tenha premissa(s) mais plausível(s) que a conclusão.
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Como se percebe do último parágrafo, verdade e plausibilidade são conceitos diferentes: um argumento pode ter premissas verdadeiras ou falsas, mas, em qualquer dos casos, a(s) premissa(s) pode(m) ser mais ou menos plausíveis do que a conclusão. Uma proposição é verdadeira em si própria; a plausibilidade define-se na relação com um sujeito.
“Acabo de saber que João, um jovem simpático cá do bairro, desapareceu. Quem me deu a notícia garantiu que o João caiu a um poço. Aceitei essa possibilidade… há, de facto, aqui um poço numa quinta — e era hábito do João andar por aí a saltaricar…
Entretanto, a minha vizinha apareceu, desmentindo: o João foi raptado por extra-terrestres. E até gritou o que nos grita com frequência: “Eu não vos digo? eles andam aí!…”.
Deixando-nos de estórias… A proposição “João foi raptado por extra-terrestres” é para mim menos plausível do que esta: “João caiu a um poço”. No entanto, para a minha vizinha, que acredita piamente em extra-terrestres, a primeira é mais plausível que a segunda. Independentemente da maior ou menor plausibilidade, a proposição “João foi raptado por extra-terrestres” será, em si, verdadeira ou falsa conforme João tenha sido ou não raptado por extra-terrestres[repito: mesmo que isso me pareça pouco plausível e pareça muito plausível à minha vizinha].
- Assim sendo,
Todos os Homens são mortais.
D. Afonso Henriques é Homem.
Logo, D. Afonso Henriques é mortal.não é um bom argumento. É válido, tem premissas (e conclusão) verdadeiras, mas a conclusão é mais plausível do que a primeira premissa. Para aceitarmos a conclusão, não precisamos das premissas: é mais fácil aceitarmos a conclusão(este é o Afonso Henriques que viveu no século XII: já morreu…)
do que a referida premissa(é bem plausível que todos os Homens sejam mortais — mas aos actualmente vivos ainda resta alguma esperança de que a mortalidade se lhes não aplique).
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Sabemos agora quais as condições de um bom argumento. De um argumento que seja válido, tenha premissas verdadeiras e tenha premissas mais plausíveis que a conclusão, diremos que é cogente.O “livro do professor” que acompanha o manual de Filosofia do 11º ano adoptado na Escola onde trabalho exemplifica este conceito com 2 exemplos contrastantes bem esgalhados. Um argumento cogente:
“Se o leite estivesse estragado, teria mau cheiro; mas o leite não tem mau cheiro; logo não está estragado.
Um outro não cogente:
“Se o leite está estragado, tem mau cheiro; o leite está estragado; logo, tem mau cheiro”.
Ambos os argumentos são sólidos
[faça o exercício: diga lá porquê];
a diferença está em que sabemos mais directamente — é mais plausível — que “O leite tem mau cheiro”
(premissa no 1º exemplo; conclusão, no 2º)
do que “O leite está estragado”
(conclusão no 1º exemplo; premissa, no 2º).
Esclarecidas
[espero…]
Quem faz filosofia fica doido.