Terminei o texto anterior com a pergunta: o que é um bom argumento? Dado que a argumentação visa obter a adesão do “auditório” a uma tese, através da justificação racional, um bom argumento deve ter, cumulativamente, 3 características:
- ser válido, para que da verdade das premissas se possa “extrair” a verdade da conclusão;
- ter premissas verdadeiras, condição necessária para que a conclusão também o seja;
- ter premissas convincentes: a força do argumento está nas premissas, com as quais pretendemos justificar a conclusão; por isso, as premissas devem ser mais aceitáveis que a conclusão.
Neste texto procurarei esclarecer o conceito de validade de um argumento. Se não for dito o contrário, aqui, validade é sinónimo de validade formal
[mais abaixo, esclarecerei a diferença entre validade formal e validade informal].
- Vamos partir de um argumento famoso — o argumento do cornudo:
“Tu tens tudo o que não perdeste. Tu não perdeste cornos. Logo, tens cornos“.
Trata-se de um argumento válido, porque, se admitirmos que as premissas
(as 2 primeiras proposições)
são verdadeiras, temos de admitir que a conclusão
(a terceira proposição)
também é verdadeira. O “problema” com este argumento está em que a 1ª premissa
[e até a segunda, mas mais subtilmente]
é falsa; mas isso para aqui não conta: quando queremos avaliar a validade de um argumento, supomos que as premissas são verdadeiras, mesmo que efetivamente sejam falsas…
- Há um poema de Fernando Pessoa que começa assim:
“A morte chega cedo, / Pois breve é toda vida“.
Tirando-lhes a carga poética, há algo de estranho nestes 2 versos, embora possamos aceitá-los sem estranheza: é a declaração de que toda a vida é breve. Toda?!, poderíamos perguntar ao poeta. Como é que ele chega a essa conclusão? Como é que chegamos nós, todos os que, como ele, pensamos que toda a vida é breve? Baseados na nossa experiência passada, construímos um argumento mais ou menos assim:
“Até hoje, nenhum dos seres vivos viveu durante muito tempo. Logo, nenhum ser vivo vive durante muito tempo“.
Trata-se, mais uma vez, de um argumento válido: a premissa apoia, sustenta, logicamente a conclusão. Aceitamos a verdade da conclusão porque aceitamos a verdade da premissa.
- É fácil de ver que o tipo de validade do segundo argumento é diferente do tipo de validade do primeiro. No caso do argumento do cornudo, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira. No caso do argumento sobre a brevidade da vida, mesmo sabendo que a premissa é verdadeira, a conclusão é só provavelmente (ou, se se preferir, muito provavelmente, mas não necessariamente) verdadeira. Ao primeiro tipo de validade chamamos validade dedutiva; o segundo argumento tem validade não dedutiva.
- Justifica-se esclarecer melhor a relação entre, por um lado, a verdade/falsidade das proposições que constituem os argumentos e, por outro, a validade dos argumentos.
(a) Se um argumento tiver premissas verdadeiras e conclusão falsa, esse argumento é inválido.
Não há, portanto, hipótese de um argumento ser válido se tiver premissas verdadeiras e conclusão falsa. Quer isso, então, dizer que, se um argumento tiver premissas falsas e conclusão falsa, será inválido? Não, neste caso pode ser válido, e aqui está uma prova:
“Todos os brasileiros são europeus. Os habitantes de Pequim são brasileiros. Logo, os habitantes de Pequim são europeus“.
As três proposições são falsas; no entanto, SE as premissas fossem verdadeiras, a conclusão teria de ser verdadeira. É, pois, um argumento válido (com validade dedutiva).
Ou seja
[e de acordo com o acima estabelecido em (a)],
(b) para analisar a validade de um argumento, independentemente da verdade/falsidade efetiva das premissas, supomos que elas são verdadeiras e perguntamos: nestas circunstâncias, a conclusão é necessariamente ou provavelmente verdadeira? Se a resposta for afirmativa, o argumento é válido; caso contrário, o argumento é inválido.
Eis um exemplo de um argumento com premissas verdadeiras e conclusão verdadeira, mas inválido:
“Se os cariocas forem portugueses, são europeus. Os cariocas não são portugueses. Logo, os cariocas não são europeus“.
A conclusão é verdadeira não por as premissas serem verdadeiras; é verdadeira por acaso. É só pensar num outro argumento com a mesma forma, cuja conclusão é falsa…:
“Se os parisienses forem portugueses, são europeus. Os parisienses não são portugueses. Logo, os parisienses não são europeus“.
- Até aqui, sempre que falei em validade, era de validade formal que estava a falar. No entanto, um argumento pode ser inválido quando consideramos a forma, mas válido por razões que não têm que ver com a forma. Vejamos…
- O argumento
“Ptolomeu diz que o Sol gira em torno da Terra. Logo, o Sol gira em torno da Terra“
não é válido: a premissa é verdadeira, mas a conclusão é falsa. A forma deste argumento é
Fulano diz que P. Logo, P.
Portanto, todos os argumentos que tiverem esta forma têm forma inválida: são formalmente inválidos. Por exemplo, o argumento seguinte, que tem essa forma, é formalmente inválido:
“Os nutricionistas dizem que devemos comer mais peixe do que carne. Logo, devemos comer mais peixe do que carne“.
No entanto, neste último caso, nós aceitamos a verdade da premissa e, por esse motivo, a verdade da conclusão: comemos mais peixe porque os nutricionistas o dizem. Trata-se, pois, de um argumento cuja conclusão é apoiada pela premissa: é válido. Mas é válido não em função da forma, mas em função da análise do contexto do argumento: neste caso, em função da competência científica dos nutricionistas. Tem, por isso, validade informal (não formal)
É deste modo que nos comportamos muitas vezes perante quem argumenta
[analisando se as premissas são ou não as adequadas; se os dados de partida, as premissas, podem realmente justificar a conclusão; se intervêm elementos do contexto que podem perturbar a validade do argumento…]:
se (ou)virmos alguém exprimir na televisão uma opinião, não é seguro confiar nela; mas confiamos, se (ou)virmos um especialista na matéria…
Esclarecido
(espero)
um dos 3 requisitos de um bom argumento, no início enunciados (a validade), atentarei, em próximo texto, nos restantes.
Este seu artigo foi bem útil para mim.