ARGUMENTAÇÃO 4. falácias formais e informais

No texto anterior, procurei responder à pergunta

o que é um argumento bom?

Em síntese, um argumento é bom/cogente, se, ao analisá-lo, for possível responder afirmativamente a estas 3 perguntas:
  • o argumento é válido?
  • o argumento tem premissa(s) verdadeira(s)?
  • o argumento tem premissa(s) mais plausível(s) que a conclusão?
Se qualquer uma destas perguntas for respondida negativamente, estamos perante um argumento falacioso. Procurarei a seguir esclarecer o que é uma falácia e distinguir 2 tipos de falácias: as formais e as informais.
  1. Analisemos este argumento acerca do sentido da vida:

    Se Deus existe, então a vida tem sentido.
    Deus não existe.
    Logo, a vida não tem sentido.

    Este argumento parece válido. Mas não é válido, e veremos a seguir porquê.

    Segundo a primeira premissa, a vida tem sentido se Deus existir: ou seja, esta premissa será verdadeira se, cumprida (e por se cumprir) a condição de Deus existir, a vida tiver sentido. No entanto, a segunda premissa afirma que Deus não existe: e o que é que sobre esta não existência se diz na primeira premissa? nada. Insisto: o que a primeira premissa afirma é que, se Deus existir, a vida tem sentido; e se Deus não existir? sobre isso a primeira premissa não diz nada: a vida tanto pode ter sentido como não ter.

    Portanto, neste caso, mesmo que as duas premissas sejam verdadeiras, a conclusão tanto pode ser verdadeira como falsa. Logo, e de acordo com a definição de argumento válido, que já expliquei, este argumento é inválido: se as premissas forem verdadeiras, a conclusão tanto pode ser verdadeira como falsa.

  2. Em suma, o argumento anterior parece válido mas é inválido. Não obedece, pois, à primeira condição dos argumentos cogentes: os argumentos nestas condições são falaciosos.
  3. A forma do argumento anterior

    [um dia destes, explico este conceito de forma, que aqui espero ser “intuído”]

    é esta (sendo P=”Deus existe” e Q=”A vida tem sentido”):

    Se P, então Q.
    Não P.
    Logo, não Q.

    Concluímos, pois, da exposição anterior que esta forma é inválida. E, por consequência, nenhum argumento que tenha esta forma é válido. Dou só 1 exemplo, entre bué de exemplos possíveis que, por terem esta forma, são inválidos:
    Vamos supor que estamos no último jogo do campeonato português de futebol, com o Futebol Clube do Porto (FCP) em primeiro lugar, o Benfica em segundo com menos 3 pontos e o terceiro classificado sem hipótese de vencer o campeonato. Nestas condições, o argumento

    Se o FCP ganhar o jogo, então ganha o campeonato.
    O FCP não ganhou o jogo.
    Logo, o FCP não ganhou o campeonato.

    não é válido: se as duas premissas forem verdadeiras, a conclusão pode ser falsa

    [e, repito, um argumento com premissas verdadeiras e conclusão falsa é, por definição, inválido];

    para que a conclusão seja falsa, basta que o jogo acabe empatado ou que o FCP faça um resultado melhor do que o Benfica fez na primeira mão (desculpe a insistência: a primeira premissa nada diz sobre estas hipóteses).
  4. Se um argumento tiver uma forma inválida, não obedece à primeira condição dos argumentos cogentes, acima referida. Ou seja, é uma falácia em virtude da forma: é uma falácia formal. No entanto, um argumento pode ter uma forma válida

    [ser formalmente válido]

    e mesmo assim ser falacioso: basta que, por exemplo, não tenha premissa(s) verdadeira(s)

    (ver segunda condição dos argumentos cogentes).

    Exemplificarei isto com este exemplo:

    Os governos anteriores, presididos por José Sócrates, repetiram insistentemente que quem não queria esta avaliação de professores (a que eles propunham) não queria ser avaliado. Formalizando este argumento, incompletamente apresentado, ficaria assim:

    Ou os professores são avaliados por este modelo ou não são avaliados.
    Os professores não são avaliados por este modelo.
    Logo, não são avaliados.

    Este argumento tem uma forma válida (P=”os professores são avaliados por este modelo”; Q=”os professores não são avaliados”):

    Ou P ou Q.
    Não-P.
    Logo, Q.

    Portanto, é um argumento (formalmente) válido: se as premissas forem verdadeiras

    [se for verdade que a) ou os professores são avaliados por este modelo ou não são avaliados; b) os professores não são avaliados por este modelo],

    a conclusão tem de ser verdadeira

    [os professores não são avaliados].

    O “mal” deste argumento é que a primeira premissa

    [uma premissa disjuntiva]

    não é verdadeira. A disjunção não é verdadeira porque não esgota todas as possibilidades: há, de facto, outras possibilidades para além das enunciadas: os professores ou são avaliados por este modelo ou são avaliados por outros modelos ou não são avaliados. Como a primeira premissa não é verdadeira, a conclusão tanto pode ser verdadeira como falsa — e, por isso, este não é um bom argumento. É uma falácia.
  5. Contudo, este segundo argumento é falacioso não em virtude da forma

    [como era o primeiro],

    mas em virtude de outras razões não formais

    [no caso, a falsidade duma premissa].

    Por isso, é uma falácia informal.

  6. Às falácias exemplificadas pelo último exemplo chamamos, por razões óbvias, falácias do falso dilema.

Exercício: haverá aqui um falso dilema?

3 thoughts on “ARGUMENTAÇÃO 4. falácias formais e informais”

  1. Jessica,

    a distinção entre falácia formal e falácia informal está explicada no texto.

    Se é uma definição que quer…:
    Estamos perante uma falácia informal (uma falácia devida à FORMA), quando se pretende que um raciocínio seja dedutivamente válido, mas não o é. Quando o erro no raciocínio é outro, estamos perante uma falácia informal (NÃO é devida à FORMA).

    Veja os exemplos do texto.

    1. Caro Gomes,

      Há um caso de falácia informal particularmente curioso, que pode ajudar a esclarecer a dificuldade da Jéssica: é o raciocínio circular. Claramente, nada há de errado quanto à forma, num raciocínio circular: se a premissa repete a conclusão, então é impossível a conclusão ser falsa em todas as circunstâncias em que a premissa é verdadeira. Além disso, argumentos circulares com premissa verdadeira são argumentos sólidos. Todavia, há algo de frustrante num argumento circular: um argumento circular não faz o que um argumento é suposto fazer, que é oferecer uma razão independente a favor da conclusão. É curioso que Aristóteles, ao definir «dedução», tivesse tido a preocupação de evitar que um argumento circular pudesse contar como um caso genuíno de dedução. Segundo o filósofo, um raciocínio é válido se das suas premissas se segue uma conclusão implicada por elas, mas diferente delas.

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