Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 — Paris, 15 de Abril de 1980) foi um escritor e filósofo francês, representante do existencialismo ateu.
Nascido de uma família burguesa protestante, embora órfão de pai, tem uma infância feliz, junto da mãe e dos avós, submergido nos livros (com sete anos, lê as grandes obras-primas literárias). Faz estudos superiores brilhantes (1924-1928) e torna-se professor agregado de filosofia (1929). Encontra Simone de Beauvoir, formando um casal original que se tornou lendário.
Depressa renuncia ao ensino, para se consagrar à carreira literária. Publica diversos textos filosóficos; O Ser e o Nada (1943), a sua obra filosófica mais importante, revela em França o pensamento existencialista.
Um intelectual engajado
Intelectual comprometido politicamente durante toda a vida, o engajamento de Sartre manifesta-se sobretudo após a guerra de 1939-1945, com a fundação em 1945 da revista político-literária Les Temps modernes, onde pretende publicar apenas escritores “engajados no seu tempo”. Defende o movimento de libertação da Argélia durante a guerra colonial, apoia a rebelião estudantil de 1968 e critica a prisão em regime de isolamento dos terroristas do Exército Vermelho na Alemanha, durante os anos de 1970.
Opõe-se aos comunistas, a quem se dirige em O Existencialismo é um humanismo (1946) e na peça As Mãos Sujas (1948), antes de se aproximar deles no Mouvement de la paix, desta forma se distinguindo de Camus, Aron e Merleau-Ponty. Em 1956, abandona o Partido Comunista francês, ao qual pertencia desde 1952, em protesto pela repressão soviética da insurreição húngara. Rompe todas as relações com o partido em 1968, aquando da invasão da Checoslováquia. Apoia então os movimentos revolucionários do terceiro mundo, em particular a revolução cubana de Fidel Castro.
Em 1960, querendo conciliar, na sua visão da filosofia da história, marxismo e existencialismo, escreve Crítica da Razão Dialética. Em 1964, recusa o prémio Nobel da Literatura, que lhe fora outorgado pela Academia Sueca. A partir de 1968, aproxima-se dos movimentos “esquerdistas” e participa no lançamento do jornal Libération (1973).
A obra
A sua obra compreende ensaios filosóficos
- L’Imagination (1936);
- L’Imaginaire (1940),
romances
- La Nausée (A Náusea), 1938, com o qual conhece o sucesso, juntamente com…
- Le Mur (O Muro (contos), 1939. Nestes romances, deteta-se a influência de Kafka (nomeadamente, do seu Processo, publicado em 1933): o mundo é “absurdo”, sem sentido e sem esperança, gratuito — podia não ser como é ou não ser de todo;
- Les Chemins de la liberté (Os Caminhos da Liberdade), 1945-1949),
peças de teatro
- Les Mouches (As Moscas), 1943 (sequela do mito de Electra);
- Huis clos (Entre quatro paredes), 1944);
- La Putain respectuense (A Prostituta Respeitosa), 1946;
- Les Séquestrés d’Altona (Os Sequestrados de Altona), 1959,
ensaios
- Baudelaire, 1947;
- Situations (Situações), 1947-1976;
- Saint Genet, comédien et martyr (Saint Genet, ator e mártir), 1952;
- L’diot de la famille (O Idiota da família), monumental biografia inacabada de Flaubert, 1971-1972 e um notável exemplo do laço estreito que existe em Sartre entre literatura e filosofia
…e, além de outras obras, um romance autobiográfico, tentativa de “psicanálise existencial”, uma das suas obras mais conseguidas: Les Mots (As palavras).
Enquanto filósofo…
…Sartre deve muito aos fenomenologistas alemães, Husserl e Heidegger designadamente, mas a sua originalidade reside no facto de ter tornado o pensamento existencialista acessível ao grande público. Serviu de inspiração à geração do pós-guerra (em particular, os movimentos contestatários dos anos 60) e incarnou o desejo de liberdade, contribuindo para reabilitar o sujeito.
Sartre foi o principal representante do chamado existencialismo francês ou pelo menos de uma das mais influentes direções do mesmo. Para a sua formação e desenvolvimento, contribuiu Sartre não apenas com obras de caráter filosófico mas também com ensaios, romances, novelas e peças de teatro.
Alguns dos seus pontos de partida encontram-se na fenomenologia de Husserl; outros, em Heidegger; outros, na reação contra a tradição racionalista e “assimiliacionista” francesa (de Descartes a Brunschvicg, Lalande e Meyerson); outros, em variadíssimos autores, correntes e experiências. A justaposição destes elementos não é suficiente, no entanto, para explicar a unidade do pensamento de Sartre. Tal unidade procede de um núcleo de intuições originárias auxiliadas por um peculiar estilo simultaneamente analítico e dialético.
[José Ferrater Mora. Diccionario de grandes filósofos 2 (K-Z). Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 438-439]
Os princípios da filosofia de Sartre, o existencialismo, estão expostos sob diversas formas: romanesca (em A Náusea), erudita (na obra fundamental, de 1943, O Ser e o Nada), popular (no opúsculo de 1946 O Existencialismo é um Humanismo). Facilmente se descobre aí a influência de Husserl e de Heidegger.
Em A Náusea, a personagem de Roquentin descobre de repente o caráter contingente de todas as coisas e dele próprio: “Tudo é gratuito, o jardim, esta cidade e eu próprio.” A vida é absurda, não tem sentido que lhe seja dado à partida: “A existência é absurda, sem razão, sem causa e sem necessidade”. Não há sentido para a “facticidade” (tudo o que não se escolhe: o corpo, a situação histórica e geográfica…), para o ser-aí do Homem. Mas simultaneamente o indivíduo descobre-se “fora da” existência, porque tem dela consciência e pode decidir dar-lhe um sentido. Para o Homem, diferentemente das coisas, o sentido da sua existência não está dado à partida: “Isto significa que o Homem existe primeiro, que se encontra, e que se define depois”, o que Sartre resume dizendo que “a existência precede a essência”. Não há natureza humana, o Homem não existe no sentido em que é isto ou aquilo, o Homem é aquilo que ele se faz.
Esta liberdade humana é um “nada”, no sentido em que ela não é dada, mas sempre a ser feita: “O Homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser musgo, podridão ou couve-flor”. É o que Sartre chama um ser para-si (o para-si é, pois, o modo existencial do ser humano), um ser em devir, em processo de definição.
Tomamos primeiramente consciência desta liberdade sob a forma de angústia: a liberdade é infinita (é o único fundamento dos valores: as nossas escolhas envolvem não só a nossa própria essência mas também a figura moral de toda a humanidade) e é simultaneamente necessária (não podemos escapar à necessidade de escolher, estamos condenados perpetuamente à responsabilidade).
É portanto necessário afirmar que “o Homem é responsável por aquilo que ele é”. Estamos “condenados a ser livres”. Aquele que foge à sua liberdade (e tenta escapar ao sentimento angustiante da sua liberdade) faz prova de “má-fé” (entramos na condição de má-fé, quando negamos a nossa verdadeira natureza numa tentativa de nos transformarmos num eu que não somos, quando se finge que não se é livre, com o pretexto de que estamos submetidos ao determinismo) e torna-se um “safado”: o exemplo clássico é o famoso empregado de café, em O ser e o Nada, que se deixa “enviscar” no “viscoso” do seu ser em-si, na personagem do empregado de café que lhe é imposta em vez do empregado de café que ele seria se não estivesse a assumir a identidade de “empregado de café” — a maneira de se dirigir ao freguês, o papel de empregado padronizado até no modo de segurar a bandeja, tudo parece automatizado [sobre o tema, ver também este texto].
De facto, só nos tornamos um ser em-si (o em-si é o modo de ser das coisas) no momento da nossa morte. Mas este em-si está constantemente a ameaçar-nos, “está sempre aí, pronto para tragar e engolir o para-si”.
Esta liberdade é constantemente ameaçada pelo olhar do outro, já que “o Homem é um ser para o outro”. O outro é “o mediador indispensável entre mim e eu próprio”, mas é também o risco de nos fechar numa essência, de nos transformar em coisa (na experiência do olhar, o outro coisifica-me). O conflito com o outro é constitutivo da nossa existência (do próprio amor: no amor queremos possuir a liberdade do outro, desejando simultaneamente ser amados livremente), como testemunha a famosa frase de Huis clos: “O Inferno são os outros”.
Em Critique de la raison dialectique, Sartre tenta conciliar o existencialismo e uma conceção da praxis (a transformação do mundo pela ação) inspirada no marxismo: ao contrário de Marx, Sartre privilegia a praxis individual e o livre projeto do agente histórico, só parcialmente determinado pelas condições materiais.
*** Ler ainda… ***
||| Sartre, personagem romanesca?: Será Sartre um filósofo? ou sobretudo um romancista? ou a personagem de um romance?
||| “O Ser e o Nada” de Sartre: algumas noções e ideias de O Ser e o Nada, a obra mais célebre de Sartre, “a bíblia do existencialismo”: a existência precede a essência; ser-para-si e ser-em-si; má-fé; o outro. A importância da obra (e do seu autor).
Sartre e o ensino, em Portugal
||| O texto Existencialismo (escrito a pensar nos alunos de Português do 12º ano) problematiza o conceito de existencialismo e sintetiza as grandes teses e conceitos do existencialismo de Sartre.
||| Um filósofo com interesse para o item Finitude e temporalidade — a tarefa de se ser no mundo do programa de Filosofia do 11º ano (ano letivo 2012/13).
||| Um filósofo com interesse para o tema/problema A Religião e o sentido da existência do programa de Filosofia do 10º ano (ano letivo 2012/13). O seu livro O Existencialismo é um Humanismo (Editorial Presença) sintetiza a posição do existencialismo ateu do autor. O seu ponto de partida é a negação da existência de Deus;
“tudo é permitido se Deus não existe; fica o homem, por conseguinte, abandonado, já não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. (…) Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, o domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. É o que traduzirei dizendo que homem está condenado a ser livre, (…) está condenado a cada instante a inventar o homem”.
O homem é, portanto, um projeto; a sua vida é simultaneamente contingente (porque submetida ao aleatório), absurda (porque sem justificação — prévia), embora coerente (pelas escolhas, obrigatórias, operadas em função das situações) [ler ainda o texto Existencialismo, acima referido].