Giordano Bruno

BRUNO, Giordano: cientista ou pregador?

Filósofo e teólogo italiano, Giordano Bruno (Nola, Nápoles, 1548 – Roma, 1600) escreveu também poesias e peças de teatro. Ingressou na Ordem dos Dominicanos (altura em que mudou o nome de Filippo para Giordano), tendo sido ordenado sacerdote aos 24 anos. Os seus problemas começaram em 1575, quando se atreveu a ler os textos proibidos de Erasmo de Roterdão. Em 1576, acusado de heresia e após dois processos, abandonou a Ordem dos Dominicanos e fugiu de Itália, tendo viajado pela Europa. Em 1579, encontra-se em Genebra, onde se converte ao calvinismo. Seguiu depois para Toulouse, Paris (onde Henrique III o protege, mas em vão), Oxford, e novamente Paris. Foi aí que cresceu a sua fama como autor de obras de teologia e se reforçaram as suas ideias científicas, com escritos polémicos sobre a teoria de Copérnico e o sistema solar (contra os peripatéticos), que também viriam a estar na mira da Inquisição.

Giordano Bruno[Imagem de domínio público]

Em 1587, deixou a França para errar pela Alemanha durante 6 anos. Aqui, publica poemas em latim, num dos quais defende a pluralidade dos mundos, apoiando-se na descoberta de Copérnico, contra o aristotelismo (doutrina oficial da Igreja Católica).

Em 1591, 15 anos depois, regressou a Itália, a convite do nobre Giovanni Mocenigo; este prometeu-lhe uma cátedra, para ser professor, mas acabaria por entregá-lo à Inquisição veneziana. Preso e enviado a Roma, Giordano Bruno passou os últimos anos da sua vida (uma vida durante a qual foi expulso das Igrejas Católica, Calvinista e Luterana) nos calaboiços da Inquisição. Julgado, num processo que durou vários anos, submetido a inúmeros interrogatórios e à tortura, foi condenado à morte pelo papa Clemente VIII, como “herético impenitente, pertinaz e obstinado”. Após lhe ter sido cortada a língua (como castigo pelas “horríveis palavras que tinha proferido”), a 17 de fevereiro de 1600 foi queimado vivo em uma fogueira no Campo Dei Fiori, em Roma.

O pensamento de Giordano Bruno

No seu Diccionario de Filosofía (I volume), Ferrater Mora  sintetiza assim [tradução minha] o pensamento de Giordano Bruno
(uma síntese onde se realça a sua teoria acerca da infinitude do universo; um universo ao qual atribui um caráter vitalista, apresentando-o como um organismo vivo e autossuficiente, identificado com Deus; um universo que não tinha um centro único e que era plural: o universo está cheio de mundos habitados como o nosso. Pode sustentar-se também uma antecipação do panteísmo de Espinosa e das mónadas de Leibniz):

“Influenciado muito poderosamente pelo neoplatonismo e pela admissão da teoria copernicana, mas acolhendo igualmente outros múltiplos elementos — estoicismo, mística, monadismo — , Bruno defendeu com exaltação poética a doutrina da infinitude do universo, o qual é concebido, por outro lado, não como um sistema de seres rígidos, articulados numa ordem dada desde a eternidade, mas como um conjunto que se transforma continuamente, que passa do inferior ao superior e deste àquele, por, no fundo, ser tudo uma e a mesma coisa, a vida infinita e inesgotável. Nesta vida ficam dissolvidas todas as diferenças, as quais são próprias unicamente do superficial, do finito e limitado. A infinitude espacial e temporal do universo astronómico corresponde à infinitude de Deus, que se encontra ao mesmo tempo no mundo e fora do mundo, que é causa imanente do mundo e está infinitamente acima dele — oposições que, segundo Bruno, só são paradoxais quando não se compreendem a partir do ponto de vista que Nicolau de Cusa atribui à razão especulativa: o ponto de vista da coincidência dos opostos no infinito.

O Universo está penetrado de vida e ele próprio é vida, isto é, organismo infinito no qual se encontram os organismos dos mundos particulares, dos infinitos sistemas solares análogos ao nosso. O que rege esta infinitude de mundos é a mesma lei, porque é a mesma vida, o mesmo espírito e ordem e, em última instância, o mesmo Deus. Deus está presente em todas as coisas, com o seu infinito poder, sabedoria e amor, porque é todas as coisas, o máximo e o mínimo ou, como diz Bruno, a mónada das mónadas.

A conceção monadológica é o complemento desta visão de um universo-vida infinito; as mónadas são os componentes do organismo do mundo e não os átomos, que são dissolução e morte. A missão do homem é o entusiasmo ante a contemplação desta infinitude, a adoração do infinito, que é Deus, adoração na qual se pode encontrar a verdadeira unidade das crenças religiosas para lá de todo o dogma positivo. Tal entusiasmo é, ao mesmo tempo, uma heroicidade, um ‘entusiasmo heroico’ que Bruno deve ter experimentado do modo mais completo ao morrer justamente por o ter defendido até ao fim.

A filosofia de Bruno manifestava assim, de modo eminente, esta peculiar condição do pensamento renascentista: a aspiração a uma filosofia dinâmica construída com os materiais clássicos e, sobretudo, com aqueles materiais que eram com frequência formalmente rejeitados, os aristotélicos. Condição que se revela particularmente na doutrina da matéria, submetida no pensamento de Bruno a um processo de dissolução que a leva ao ser pleno, da mesma maneira que o ser pleno é dialeticamente transformado em matéria e em nada.
Daí a afirmação de que “em nada se diferenciam a absoluta potência e o ato absoluto”; e daí também a tese de que “em última análise, ainda que haja indivíduos inumeráveis, tudo é uno, e conhecer esta unidade é o objeto e termo de toda a filosofia e contemplação natural”.

Um precursor da ciência moderna?

Em meados do século XIX, divulgou-se uma imagem lendária de um Giordano Bruno sábio destacado, martirizado pela Igreja pelas suas ideias cosmológicas, pela defesa de um Universo infinito e do heliocentrismo copernicano. Hoje, a sua figura é muito discutida; apesar de muito informado e apesar das suas ideias avançadas para a época, há quem não o considere um cientista: sublinham a presença no  seu pensamento de elementos mágicos e animistas e certas formas de esoterismo e que não baseava as suas teorias em dados e demonstrações científicas, mas em crenças religiosas (ver, no texto de Ferrater Mora, a fundamentação, na omnipotência divina, das teorias da infinitude e da existência de múltiplos sistemas solares).

Do outro lado, há quem acentue que Bruno permaneceu sempre ligado à racionalidade, na sua pesquisa de uma filosofia do infinito; que muitos cientistas da época (até Newton) eram astrólogos por vezes ligados a teorias das ciências ocultas. De qualquer modo, é bastante consensual que Giordano Bruno foi um visionário, que defendeu teorias que mais tarde viriam a ser comprovadas. Ele próprio se apresentou assim perante a Inquisição: “O conteúdo de todos os meus livros em geral é filosófico e […] neles sempre falei de filosofia, seguindo a luz natural, sem me preocupar com aquilo que a fé nos manda admitir”.

***

||| Aqui são apresentadas visões retrospetivas de Bruno. A que é mais referida nos textos sobre o filósofo é a (posição tardia) do Vaticano:

O Vaticano publicou poucas declarações oficiais sobre o julgamento e execução de Bruno. Em 1942, o cardeal Giovanni Mercati, que descobriu vários documentos perdidos relacionados ao julgamento de Bruno, afirmou que a Igreja estava perfeitamente justificada em condená-lo. No 400º aniversário da morte de Bruno, em 2000, o cardeal Angelo Sodano declarou a morte de Bruno como um “episódio triste”, mas, apesar de seu pesar, defendeu os promotores de Bruno, afirmando que os inquisidores “tinham o desejo de servir à liberdade e promover o bem comum e fizeram todo o possível para salvar sua vida”. No mesmo ano, o papa João Paulo II fez um pedido de desculpas geral pelo “uso da violência que alguns cometeram a serviço da verdade”.

 

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